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19/11/2020

Curiosidade é motivação comum entre jornalistas e cientistas

Se por um lado jornalistas e cientistas parecem desempenhar funções completamente diferentes, ambas as profissões podem ser movidas por um motivo em comum: a curiosidade. A observação foi feita pela editora-executiva do Programa Sem Fronteiras, da GloboNews, Carolina Oddone, durante o webinar que reuniu vencedores da categoria de Divulgação Científica do Prêmio IMPA-SBM de Jornalismo 2020, nesta quinta-feira (19). A transmissão foi realizada no YouTube do instituto, e contou com a participação dos jornalistas Jorge Pontual, da GloboNews, Guilherme Eler, da Revista Superinteressante, e Marília Marasciulo, da Revista Galileu. O presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), Paolo Piccione, e o jornalista Raphael Gomide, integrante da comissão julgadora, mediaram a conversa.

“Divulgar ciência é muito difícil, porque é preciso usar uma linguagem compreensível sem perder aquele rigor da ciência. Sempre falo que essa é a banca que eu mais gosto de todas as que participo na minha vida profissional matemática. Avaliar o trabalho de jornalistas é muito prazeroso para mim”, comentou Piccione.

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Pontual e Carolina contaram os bastidores da matéria vencedora da categoria, que acompanhou os esforços de mais de 200 cientistas de todo o mundo para registrar a primeira imagem de um buraco negro. “Foram nove entrevistas, e eu não faço entrevista curta. Achei que podia não dar certo, porque é um tema complicado. Mas a Carolina fez um roteiro e o texto ficou brilhante, atraente. Eu diria que é mais fácil você fazer a imagem de um buraco negro do que você conseguir colocar um programa de ciência na televisão”, brincou o correspondente da GloboNews.

Para o jornalista, é preciso romper com o preconceito em relação à divulgação de temas científicos. “Em geral, o pessoal acha que o público é ignorante, e que temos que falar com eles como se estivéssemos falando com uma criança de cinco anos. Não precisa emburrecer achando que o público não vai entender nada. É o contrário, o público quer informação, quer entender, então temos que fazer o esforço.”

As imagens disponibilizadas por agências espaciais foram uma mão na roda para tornar a matéria mais atraente, contou Carolina . “A NASA, a agência espacial europeia e toda a comunidade científica disponibilizam visualizações e diagramas muito interessantes. A questão mesmo é garimpar. Meu trabalho foi fazer essa curadoria para deixar bonito, palatável e interessante.”

“Como um repórter que trabalhou 17 anos em jornais impressos, sei que quando um programa de televisão traz imagens tão bonitas, com tantas entrevistas, é difícil de superar”, comentou Gomide. Para o presidente da SBM, um dos pontos interessantes da matéria vencedora é o destaque dado a profissionais que costumam estar mais nos bastidores da descoberta. “De um ponto de vista teórico da astrofísica, os modelos de buracos negros já são bem conhecidos há décadas. O problema agora era mostrar imagens deles. Isso foi possível através das tecnologias dos telescópios e da capacidade de tratar de uma grandíssima quantidade de dados.”

A inspiração para a matéria de Guilherme Eler, que ficou em 2º lugar na premiação, veio de um relâmpago de 709 quilômetros registrado no Rio Grande do Sul, em 2018, reconhecido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) como o mais extenso do mundo. “Isso me chamou muita atenção para fazer uma matéria sobre raios, falando da natureza física deles e também do aspecto fisiológico. O que uma pessoa que é atingida por um raio sente, o que isso provoca no corpo e quais são as possibilidades de você ser atingido?”, compartilhou.

Com um relatório exclusivo do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em mãos, o jornalista recheou a reportagem com dados inusitados e desconhecidos sobre o fenômeno no Brasil. “Nós somos o país que mais recebe descargas elétricas do mundo. São quase 78 milhões por ano e 300 dessas por ano atingem pessoas”, relembrou o repórter, que contou ainda que o perfil de vítimas de raio costumam ser homens e trabalhadores rurais em áreas descampadas. 

No trabalho, ele reuniu depoimentos de duas pessoas que sobreviveram aos raios duas vezes. Piccione trouxe uma contribuição matemática para a conversa. “Você disse que a probabilidade de ser atingido por um raio é de uma em um milhão. E probabilidades que acontecem duas vezes se multiplicam entre elas. Então, quer dizer que a probabilidade de ser atingido duas vezes por um raio é de um em mil bilhões.”

Para construir a matéria “A ciência da vida eterna”, 3ª colocada no prêmio, Marília Marasciulo, da Revista Galileu, contou que leu cerca de cinco livros. A reportagem lança luz sobre um debate polêmico da ciência, o esforço da medicina e da tecnologia para adiar o envelhecimento. “É uma matéria excelente, que passeia com habilidade pelos mitos gregos da imortalidade, falando das visões modernas e das terapias atuais. Faz um histórico sobre como a sociedade e a cultura pop trataram a morte e o envelhecimento de uma forma muito bacana e com uma diagramação caprichada”, avaliou Gomide.

Para a autora da reportagem, um dos aspectos interessantes da discussão é que ela não se restringe somente ao campo das ciências exatas, mas descamba para as humanidades. “A gente quer mesmo viver para sempre? É uma questão filosófica e moral. Se curássemos as doenças crônicas do envelhecimento, como câncer e diabetes, quem é que vai poder pagar por esses tratamentos? Qual seria o sentido da vida se ela fosse eterna?”

Confira o webinar na íntegra:

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