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17/11/2020

‘Diálogo entre jornalistas e ciência é fundamental’, diz Viana

“O diálogo entre jornalistas e cientistas, que é o que este prêmio busca incentivar, é indispensável. Em certo sentido, esta é uma compreensão recente na academia, e fico feliz que podemos dialogar como estamos fazendo aqui”, comentou Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA durante webinar realizado nesta terça-feira (17) com os vencedores da categoria “Matemática” do Prêmio IMPA-SBM de Jornalismo 2020. A transmissão foi realizada no YouTube do instituto, e contou com a participação de Raphael Gomide, jornalista e membro da comissão julgadora do prêmio, e dos jornalistas Bruno Vaiano, da Revista Superinteressante, Murilo Salviano, da TV Globo, e Gabriel Alves, da Folha de S.Paulo.

“Fui repórter durante 17 anos da minha vida e entendo o grau de dificuldade que é fazer uma reportagem do nível que os vencedores fizeram. Para a ciência alcançar o grande público ela precisa dessa tradução. E os três trabalhos sobre os quais nós viemos falar hoje são um grande exemplo desse tipo de explicação e tradução da ciência”, pontuou Gomide, um dos idealizadores da iniciativa.

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Bruno Vaiano, que levou o 1º lugar no prêmio com “A matemática foi descoberta ou inventada?”, contou que a matéria foi uma espécie de “colcha de retalhos” de várias leituras científicas que ele fez ao longo da carreira. O pontapé inicial para a pauta surgiu da seção “Oráculo” da  Revista Superinteressante, onde leitores enviam perguntas que os repórteres e editores correm atrás para responder. O jornalista reuniu apurações que já tinha feito no passado sobre como a matemática se aplica à teoria da evolução, à genética e à teoria da relatividade.

“Foi assim que o texto nasceu. Juntei retalhos de várias outras coisas que eu já tinha feito e de alguma maneira aquilo pareceu ter um sentido muito grande. Escrevi o texto junto com um amigo que originalmente era uma fonte, o Júlio Neves, da Universidade Federal do ABC (UFABC-SP), que é um físico especializado em teoria da relatividade geral”, relembrou o jornalista. Para responder a uma das questões mais filosóficas sobre a disciplina, Vaiano recorreu a livros como “Apologia do Matemático”, de Godfrey Harold Hardy, e “Deus É Matemático?”, de Mario Livio.

“A maioria dos matemáticos considera que a matemática foi descoberta, por ser uma ciência experimental. Mas eu tinha mais certeza disso antes de ler o artigo do Bruno, porque ele aponta as dificuldades que o platonismo também traz. Se a matemática é extraída da experiência empírica, por que ela seria tão rigorosa, tão precisa?”, comentou Viana.

O repórter Murilo Salviano, do programa Fantástico, da TV Globo, relembrou o contexto no qual a reportagem que levou o 2º lugar no prêmio foi produzida. “No ano passado vivemos essa situação bastante difícil no Brasil, quando passou a ser questionado o investimento em ciência e educação, com a possibilidade de corte de bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).” Junto à equipe da emissora, Murilo foi até Cocal dos Alves, no Piauí, para ver de perto a realidade de jovens medalhistas da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) que contavam com uma bolsa de R$ 100 para seguirem com os estudos.

“Vimos que esses R$ 100 são a salvação para muita gente que quase não tem o que comer. Cocal dos Alves, que é uma cidade com uma economia muito frouxa, viu nessas bolsas uma forma de fazer seus alunos progredirem, uma saída para a crise”, contou. O repórter relembrou que na escola de Natália Brito, principal personagem da matéria, havia mais de 120 medalhistas da olimpíada. Os únicos três médicos do município também foram apoiados por bolsas da competição ao longo da formação.

“Quando a gente ouve alguém de Brasília mais técnico, falando que é uma questão de prioridade e que cortar as bolsas pode salvar a economia, no fundo estas bolsas estão salvando a economia do interior do país. São essas bolsas que estão trazendo saúde, educação e progresso para essas regiões”, afirmou Murilo. Gomide destacou a grande repercussão que a matéria atraiu, contribuindo para que o corte de bolsas fosse evitado. “O Murilo conseguiu mostrar a dimensão humana do jornalismo muito bem nesta matéria, partindo de um caso individual para o coletivo e mostrando o impacto social que uma decisão de política pública tem na vida das pessoas”, avaliou.

Gabriel Alves, da Folha de S.Paulo, compartilhou a experiência que foi acompanhar os avanços dos alunos de 4º e 5º ano da Escola Estadual Henrique Dumont Villares, em Cotia, São Paulo, diante de uma nova abordagem matemática, mais criativa, aberta e visual. A reportagem que ficou em 3º lugar no prêmio mostrou que, um ano após a adoção da nova forma de ensino da disciplina, 51% dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental tinham desempenho considerado avançado no Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.

No webinar, Gabriel explicou o que chamou sua atenção na abordagem desenvolvida na Universidade de Stanford, e aplicada no Brasil pelo Programa Mentalidades Matemáticas. “Era uma aula especialmente colaborativa. Vi os alunos todos disciplinados, algo muito diferente da bagunça que eu imaginava numa escola de 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. Notei que os erros perdiam esse estigma negativo e viravam uma espécie de escada para o aprendizado”, relatou.

Viana elogiou a qualidade dos trabalhos apresentados. “O objetivo do prêmio é estimular a presença do conhecimento científico nos grandes meios de comunicação, que é o nosso melhor instrumento para chegar a sociedade como um todo. E a contribuição de vocês é um belíssimo exemplo de como isso pode ser feito realçando todas as dimensões da ciência: sua importância social, sua importância humana para o desenvolvimento da sociedade e do país. Continuem com o bom trabalho.”

Na próxima quinta-feira (19), será a vez dos premiados na categoria “Divulgação Científica” Jorge Pontual, Carolina Oddone, Guilherme Eler e Marília Marasciulo detalharem as reportagens premiadas em webinar com Helena Nader, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), e a jornalista Sabine Righetti. A transmissão também acontece pelo YouTube do IMPA, às 11h. 

Confira o webinar com vencedores da categoria Matemática na íntegra!


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