Na Medicina, Alan de Pinho encontrou a Matemática
Karine Rodrigues
Alan cresceu no Triângulo, bairro em Candeias, município de cerca de 80 mil habitantes na Região Metropolitana de Salvador. Curiosa coincidência, tratando-se de alguém aficionado por Matemática. Existem outras: ele e os dois irmãos nasceram em anos que formam uma progressão aritmética (1995, 1998, 2001); além disso, é neto e filho de professoras de Matemática, característica que, pensando melhor, deve ser excluída do rol das eventualidades e considerada uma das razões pelas quais o jovem passou a se interessar pela disciplina.
Aos 20 anos, prestes a iniciar o quinto semestre no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Alan conta que a primeira lembrança que tem da Matemática remete a questões de geometria. “Eu me divertia bastante. A ponto de perder a noção do tempo”, recorda, puxando da memória a dificuldade inicial na área: números negativos. Cursava o 5º ano do ensino fundamental no Colégio da Polícia Militar Francisco Pedro de Oliveira, e a complexidade da Matemática só fez aumentar a curiosidade e a vontade de estudar.
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A primeira OBMEP foi no ano seguinte. Ele lembra bem que, após 45 minutos de prova, estava sozinho em sala de aula. Envergonhado, decidiu ir embora. Mas o que fizera até ali fora suficiente para garantir uma menção honrosa. Também ganhou nova motivação para os estudos. “Com a OBMEP, tornei-me mais dedicado e determinado. O estímulo extra para estudar foi fundamental para que sonhasse mais alto”, diz, acrescentando que o gosto pela Matemática se transformou em paixão após a participação na olimpíada.
O esforço deu resultado: ganhou bronze e, como medalhista da OBMEP, garantiu acesso ao Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC), que descreve como marcante. As aulas eram ministradas na UFBA, em Salvador, onde, muitos anos antes, a mãe Magali frequentara como estudante.
“Foi minha primeira experiência em uma universidade. Conheci pessoas com visões de mundo e sonhos diferentes. Estar em meio a elas, que sonhavam alto, me fez ver que também era capaz de chegar a algum lugar. Passei a querer estudar na capital. O curso em si era ótimo. E fiz muitos amigos, que reencontro até hoje.”
As aulas do PIC logo impactaram na rotina escolar. Nos últimos quatro anos do ensino básico, alcançou média 10 em Matemática, feito que repetiu no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Outras portas se abriram, como a participação no Polo Olímpico de Treinamento Intensivo (Poti). A iniciativa do IMPA e dos ministérios da Educação e Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações garante aulas gratuitas em Matemática a estudantes interessados em participar da OBMEP e da OBM.
Na OBMEP, Alan conquistou ainda uma prata e um ouro. Ele esteve no PIC por seis anos e no Programa Mentores durante um ano. A iniciativa destina-se a bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que já tenham participado do PIC mais de duas vezes, uma delas como estudante do ensino médio.
Mãe e professora
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Alan Gualberto de Souza de Freitas de Pinho participou pela primeira vez da OBMEP incentivado pela mãe. Magali comprou um livro de exercícios de Matemática e preparou atividades a serem realizadas em casa. Ele lembra o episódio com detalhes, até mesmo dos conteúdos mais marcantes: produtos notáveis e cálculo de MDC. “Os dois foram essenciais para o raciocínio lógico que desenvolvi a partir dali.”
Magali começou a lecionar no ensino médio, em auxílio a alunos com dificuldade na disciplina, lá se vão quase 30 anos. Embora tenha se tornado professora do filho a partir do 6º ano do fundamental, em casa, isso já vigorava há muito. Na escola primária, tirava dúvidas e apresentava conteúdos a Alan. Percebia que, como ela na infância, ele gostava de Matemática.
Segundo Magali, a OBMEP abriu caminhos e despertou Alan para temas mais complexos da Matemática. “As aulas do PIC também foram muito importantes na vida educacional dele. Os professores são altamente qualificados e comprometidos. Os da escola regular foram importantes como auxiliares na formação e o motivaram a superar os obstáculos da vida educacional”, afirma.
Sobre a mãe e professora, Alan lembra uma “troca de papéis”, em 2012. À época, ao fazer simulado preparatório para a prova do Mestrado Profissional em Rede Nacional (PROFMAT), ela ficou em dúvida sobre um exercício de análise combinatória. Quem a ajudou? Alan, que vira o conteúdo no PIC. Com a aprovação, mãe e filho passaram a frequentar a universidade juntos. Ela, para as aulas do PROFMAT. Ele, para as aulas do Poti e do PIC.
Mestres memoráveis
Quando o assunto é professor, Magali reina no coração de Alan. Mas ele diz ter conhecido mais mestres memoráveis. O tempo levou o nome da professora do 4º ano, mas não a recordação do quanto ela o incentivava com desafios cada vez mais complexos. Com Jorge, do 9º ano, alcançou média 10 em Matemática pela primeira vez. As aulas “estruturadas e as listas de exercícios” de Maria Helena também foram marcantes, assim como o incentivo de Acélio e Felipe, do ensino médio.
“Para a pessoa gostar de qualquer coisa tem que haver um estímulo. Muitos dizem que a Matemática é difícil, complicada, chata. Mas um professor que mostre a Matemática lúdica, desperta o interesse dos alunos. O professor é fundamental”, avalia Alan, citando o que considera uma particularidade da disciplina: “É uma escada de conhecimento no qual a falta de um degrau não permite pisar no próximo. A má compreensão de um tema impede a compreensão do seguinte, e isso gera mais ainda desinteresse.”
No Poti, Alan também conheceu professores marcantes, como Tertuliano (análise combinatória e probabilidade), Samuel (teoria dos números) e Cléber (geometria), que, voluntariamente, davam aulas nos fins de semana para interessados na OBMEP e OBM. “Lembro que a resolução detalhada de questões antigas de olimpíadas nacionais e internacionais foi algo que me estimulou a acreditar mais no meu potencial e ver que, muitas vezes, o limite para resolver um problema são as ferramentas de que dispomos.”
Professor da UFBA desde 2012, Samuel Barbosa Feitosa lembra bem do jovem medalhista. Eles se conheceram naquele ano, durante o treinamento do Poti na universidade. “Foi um dos alunos mais assíduos e entusiasmados. Não era surpresa a conquista de ótimos resultados”, diz ele, que desde 2004 treina estudantes que participam das olimpíadas de Matemática. Presenciou o engajamento de Alan também no Programa Mentores da OBMEP.
“Ele continuou participando de nossos treinamentos mesmo quando já tinha decidido fazer Medicina. O interesse em aprender Matemática com muita dedicação, independentemente de estar se preparando para uma prova de olimpíada, revela uma importante qualidade que certamente acompanhará o futuro médico”, afirma Samuel, membro da Comissão Nacional de Olimpíadas da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).
Polo Industrial e Medicina
Alan fez ensino médio integrado como técnico em Química, no Instituto Federal da Bahia. À época, voltou a morar na cidade natal, Salvador. Ao longo do médio, estagiou um ano no Polo Industrial de Camaçari, acompanhando o trabalho de engenheiros e técnicos, período que considera um diferencial em sua trajetória.
Embora tenha pensado em disputar o ingresso no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e no Instituto Militar de Engenharia (IME), optou pela Medicina. “Tinha vontade de realizar um trabalho com impactos sociais e ajudar as pessoas de forma mais direta”, conta Alan, que entrou na UFBA pelo ENEM no primeiro semestre de 2017. “Aprender sobre o funcionamento de um sistema complexo, como o ser humano, é motivador e intrigante”, acrescenta ele, colecionador de medalhas em olimpíadas científicas. Conquistou mais de três dezenas em Matemática, Física, Astronomia, Biologia, Química e Astronáutica.
A escolha da Medicina não significa o afastamento da Matemática. Ele diz considerar curioso quando alguém ingressa em cursos de saúde e comemora estar livre da Matemática.
“Não existe ciência sem as ferramentas básicas, e uma delas é a Matemática, muito presente na área das ciências biológicas, em especial a médica. Ela está na tomada de decisões, seja de diagnóstico, rastreio ou prescrição, quando levamos em conta a prevalência de cada patologia, de cura com cada medicamento, dados como idade, sexo, região, entre outros. Além disso, temos matérias que abordam estatística, ferramenta crucial para construção e validação de conhecimento. Existem ainda outros temas aplicados diretamente à Medicina, como eletrofisiologia. O conhecimento prévio da Matemática facilita a compreensão e análise desses dados”, enumera.
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