Livro traz besteiras matemáticas quase universais
Na segunda metade do século 19 foi publicado na França, Inglaterra e Estados Unidos um livro extraordinário. O autor, Pedro Carolino, era um emigrante português que precisava de dinheiro. Pessoa generosa e de bem, decidiu fazer algo útil a seus concidadãos: escreveu um “novo guia de conversação em portuguez e inglez” de que careciam, segundo ele, “os estudiosos jovens portugueses e brasileiros”. Sabia o que queria: um manual prático, baseado no modo como o inglês é falado no dia a dia.
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Só havia um probleminha: Carolino não sabia uma palavra de inglês! Mas não pretendia deixar que esse detalhe o impedisse de realizar seu sonho. Com a ajuda de um dicionário francês-inglês, “adaptou” aos seus objetivos o “Novo guia de conversação em portuguez e francez”, um livro sério publicado anos antes pelo compatriota José da Fonseca. E, seja para ressarcir o colega seja para atrair respeitabilidade para sua própria obra, incluiu Fonseca como coautor sem pedir autorização.
O grau de proficiência de Carolino na língua inglesa pode ser avaliado pelo título “English as she is spoke”, mais ou menos “Inglês como ela é falou” –acredito que ele queria dizer algo como “Inglês como é falado”.
E o texto contém uma sucessão inesgotável de pérolas. Partes do corpo: “the fat of the leg”, que significaria “o gordo da perna”. Parentes: “gossip”, que é “fofoca”, querendo dizer “comadre”. Mobiliário: “the feet’s bed”, que significa “a cama dos pés” –e não “pés da cama”, como aparentemente pretendia. Autoridades religiosas: “penitentiary”, que na realidade significa prisão. Frases comuns: “this wood is fill of thief’s”, qualquer coisa como “esta madeira está cheia de ladrões”. E por aí vai, ao longo de quase 50 páginas.
A edição americana, de 1883, tem prefácio de ninguém menos que o grande escritor Mark Twain (pseudônimo de Samuel Clemens, 1835-1910), autor de obras primas como “Aventuras de Tom Sawyer” e “Aventuras de Huckleberry Finn”. Em sua ironia, escreveu: “Neste mundo de incertezas, uma coisa podemos anotar como garantida: que este aclamado livrinho nunca morrerá enquanto a língua inglesa existir. Seu ridículo inconsciente e sua ingenuidade encantadora são, em algum sentido, tão supremas e inalcançáveis quanto a sublime literatura de Shakespeare”.
Twain acrescenta: “Foi escrito com total boa-fé e profunda sinceridade por um honesto e íntegro idiota que acreditava que sabia alguma coisa da língua inglesa e podia partilhar esse conhecimento com outros. […] um homem bom, cândido, cuja consciência está em paz e que acredita que fez algo grande e bom por sua nação e sua geração”. E faz uma profecia: “O livro irá se esgotar de vez em quando e deixaremos de ouvir falar dele por um tempo. Mas logo as nações clamarão por ele, será reeditado e, outra vez, dará a volta ao globo flutuando na onda da gargalhada mundial”.
A edição brasileira data de 2002…
“English as she is spoke” inspirou outras obras, entre as quais “English as she is taught” (“Inglês como ela é ensinada”), publicado em 1887, também com prefácio de Mark Twain. Trata-se de uma longa lista de disparates escritos por alunos e recolhidos pela autora, Caroline B. Le Row, ao longo de seus muitos anos de magistério em escolas públicas americanas.
“Uma deliciosa curiosidade literária” escreve Twain, observando que “a coleção foi feita por uma professora e todos os exemplos são genuínos”. Eles põem a nu o quanto o sistema público de educação americano era inadequado aos alunos que pretendia educar, com um conjunto ambicioso de objetivos totalmente desligados da realidade desses alunos. Uma nota da editora destaca “a curiosa simpatia no que tange a erros nos dois lados do Atlântico”, observando que muitos dos disparates em “English as she is taught” apareciam também em publicações da época sobre as escolas públicas inglesas.
Apesar do título, “English as she is taught” não é apenas sobre o ensino de inglês. Na verdade suas cerca de cem páginas estão divididas em 15 tipos de erros: I. Etimológicos, II. Gramaticais, III. Matemáticos, IV. Geográficos, V. Originais, VI. Analíticos, VII. Históricos, VIII. Intelectuais, IX. Filosóficos, X. Fisiológicos, XI. Astronômicos, XII. Políticos, XIII. Musicais, XIV. Oratórios, XV. Metafísicos. A maior parte é difícil de traduzir para a nossa língua, mas as besteiras de matemática são quase universais.
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