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10/12/2017

Clarice Lispector e Leopoldo Nachbin, "os impossíveis"

 

Karine Rodrigues

“Eu, apesar de alegre, era muito chorona”, escreveu Clarice Lispector, em crônica sobre o menino que conheceu no primeiro dia de aula no jardim de infância do Grupo Escolar João Barbalho, em Recife. Apesar de um ano mais novo, ele se tornaria seu protetor e também “um dos maiores matemáticos que hoje existem no mundo”, conta a escritora no texto, intitulado “As grandes punições”.

Publicada no dia 4 de novembro de 1967, no Jornal do Brasil, e depois inserida na obra “A descoberta do mundo” (1984), a crônica detalha o episódio ocorrido no primeiro ano do primário, quando apenas ela e Nachbin foram chamados para um teste de nível com a turma do quarto ano. Clarice, que jamais fizera um exame, ficou apavorada e julgou ser uma punição por mau comportamento.

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“Recebemos as folhas. Leopoldo tranquilo, eu em pânico maior ainda. Além do mais eu nem sabia o que era exame, ainda não tinha feito nenhum. E quando ela disse de repente “agora”, meus soluços abafados aumentaram. Leopoldo – além de meu pai – foi meu primeiro protetor masculino, e tão bem o fez que me deixou para o resto da vida aceitando e querendo a proteção masculina – Leopoldo mandou eu me acalmar, ler as perguntas e responder o que soubesse. Inútil: a essa hora meu papel já estava todo ensopado de lágrimas e, quando eu tentava ler, as lágrimas me impediam de enxergar. Não escrevi uma só palavra, chorava e sofria como só vim a sofrer mais tarde e por outros motivos. Leopoldo, além de escrever, ocupava-se de mim.”

Leopoldo, sobrenome Nachbin (1922-1993) cresceu, integrou o grupo que fundou o IMPA e se tornou um pesquisador reconhecido internacionalmente. Já adultos, ele e Clarice voltaram a se cruzar no Rio, mas se tornaram “dois tímidos’, como ela diz na crônica.

Na infância, porém, eram dois tagarelas, ligados por uma identificação imediata. Um dia após se conhecerem, eram “os dois impossíveis da turma”. “Passamos o ano ouvindo nossos dois nomes gritados pela professora – mas, não sei por quê, ela gostava de nós, apesar do trabalho que lhe dávamos. Separou nossos bancos inutilmente, pois Leopoldo e eu falávamos lá o que falávamos em voz alta, o que piorava a disciplina da classe. Depois passamos para o primeiro ano primário. E para a nova professora também éramos os dois alunos impossíveis. Tirávamos boas notas, menos em comportamento.”

Os dois se separaram no terceiro ano do primário, quando Clarice mudou de escola,  e se reencontraram no Ginásio Pernambucano. “Foi como se não nos tivéssemos separado. Ele continuou a me proteger.”

Adultos, e já morando no Rio, Clarice e Leopoldo entraram para a história da literatura e da matemática. No IMPA, que um dia o pernambucano ajudou a fundar, a família Nachbin segue atuante, por meio do filho, André, pesquisador da área de dinâmica dos fluidos.

Neste dia em que se comemora o aniversário da escritora, nascida na Ucrânia em 10 de dezembro de 1920, o Instituto Moreira Salles (IMS) realiza o evento anual “A hora de Clarice”, criado em 2011. A edição de 2017 destaca os 40 anos de “A hora da estrela”, lançado no mesmo ano em que a escritora morreu. Entre os eventos programados, às 18h, na sede do IMS no Rio (rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea), foi apresentada uma leitura da obra, com direção de Bruno Lara Resende.

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