Navegar

28/12/2020

Em ano de pandemia, matemática ganhou os holofotes

Foto: Agência Brasil

Achatamento da curva de contaminação, incidência da taxa de contágio, proporção de pacientes recuperados e intervalo serial. Se essas expressões eram estranhas à maioria da população há um ano, em 2020 elas passaram a ser extremamente familiares. Diante da velocidade com a qual se alastrou a pandemia da Covid-19, a modelagem matemática surgiu como aliada para vislumbrar futuros cenários da doença.

Modelos matemáticos são criados para explicar e compreender um fenômeno natural que pode pertencer a qualquer área do conhecimento. No caso da Covid-19, a ferramenta serve para estimar como será a disseminação da doença, o número de infectados e o percentual de mortes e hospitalizações. Ainda que passível de erros, a modelagem foi e tem sido um importante subsídio para tomadas de decisão e políticas públicas de enfrentamento à doença.

Leia mais: Em live, Viana lembra de inspirações para ser professor
Al-Khwarizmi, o homem que simplificou a multiplicação
Na Folha, o descompasso na formação dos jovens brasileiros

Inaugurada logo após a gripe espanhola  (1918 e 1920), a “epidemiologia matemática”, área que utiliza a ferramenta, é uma ciência consolidada que separa a população entre suscetíveis, infectados e recuperados. A partir destas categorias, pesquisadores usam as equações diferenciais para descobrir a velocidade com que o vírus se propaga.

Buscando trazer uma mensagem otimista, um estudo do Cepid-CeMEAI (Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria) da USP calcula o número de vidas que o isolamento social pode salvar no Brasil. O levantamento, com dados de quarta-feira (16), aponta que a medida pode poupar uma vida a cada 0.9 minutos nas próximas duas semanas. O grupo fez ajustes do modelo SEIR, que representa a taxa de replicação do vírus SARS-CoV-2, para descobrir se ele varia no tempo. O objetivo é identificar tendências na evolução da taxa de propagação do vírus e consequente aceleração ou desaceleração da epidemia depois do início dos protocolos de distanciamento social implementados em março.

Grau de incerteza das modelagens

Por serem estudos dinâmicos, que criam premissas que variam com o tempo e o comportamento da sociedade, as modelagens geram resultados distintos. E isto acabou incitando algum nível de descrença da população em relação às previsões da Covid-19. Um dos casos de maior repercussão sobre o papel destes profissionais na pandemia foi um modelo apresentado pelo Imperial College de Londres. A estimativa traçou que mais de 250 mil pessoas morreriam caso o governo britânico continuasse adotando a estratégia da imunidade coletiva. “Hoje esse estudo ainda recebe críticas porque o cenário previsto não aconteceu. Mas ele serve justamente para isso. O governo do Reino Unido levou o combate a sério e a catástrofe foi evitada”, ressaltou o diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, em entrevista ao Jornal O Globo

A inconsistência nos dados da pandemia no país também foi apontada por pesquisadores como uma dificuldade para o aumento da precisão das modelagens. Em entrevista ao IMPA realizada em abril, o epidemiologista Claudio Struchiner, da EMAp-FGV, ressaltou que a subnotificação e o atraso de notificação foram problemas recorrentes dos sistemas de vigilância, e dificultaram a discussão sobre a evolução da pandemia.

Struchiner também pontuou que a incerteza é um elemento comum à projeções de diversas áreas, como as climáticas e as econômicas. “Não é comum que pesquisadores divulguem o número de previsões certas e erradas que realizaram dentre todas as outras, mas a necessidade de expressar a incerteza sobre as afirmações que são feitas é fundamental.”

Projeto de visualização de dados da Covid-19 do Visgraf

Com gráficos sobre a evolução da pandemia e seus desdobramentos divulgados em massa à população, a visualização de dados foi outra área que ficou em evidência em 2020. Mas o volume excessivo de informações sobre a pandemia, descrito por alguns especialistas como “infodemia”, nem sempre traz materiais de qualidade, podendo atrapalhar a compreensão do público sobre a doença.

Reconhecendo a função essencial que uma visualização de dados bem feita executa na comunicação, o Visgraf (Laboratório de Computação Gráfica do IMPA) criou o “Coronaviz: visualização em tempos de Coronavírus”, iniciativa que trata o tema sob a perspectiva da matemática e do design de informação através de um portal, relatórios técnicos e artigos científicos.

“A pandemia deixou mais evidente a dificuldade da população de interpretar certos tipos de visualização. Uma visualização mal feita gera desconfiança no leitor, enquanto os bons exemplos ajudam a incentivar uma prática cívica na sociedade”, contou Júlia Giannella, idealizadora da iniciativa junto ao pesquisador-líder do laboratório, Luiz Velho.

Leia também: Confira lista de séries e filmes que envolvem a matemática
Medalhista de ouro aguarda com ansiedade próxima OBMEP