Navegar

12/04/2021

No Livro Histórias Inspiradoras da OBMEP: Jéssica Bóschi

Lógica pura, raciocínio rápido: era disso que Jéssica Bóschi mais gostava nas provas da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Ganhou menção honrosa na primeira participação, em 2005, no início do Ensino Médio. Em seu último exame, dois anos depois, conseguiu o que definiria sua vida em muitos aspectos dali em diante: uma medalha de prata. Com ela, a paranaense de Chopinzinho, cidade de 20 mil habitantes no sudoeste do estado, recebeu a bolsa do PIC Junior e, a cada 15 dias, viajava para Dois Vizinhos (PR), onde conhecia uma Matemática diferente de como era ensinada no colégio.

“A medalha foi uma luz no meu caminho, um sinal, me ajudou a escolher Matemática na hora de fazer faculdade. Eu não me via fazendo aquilo, achava que só gênios podiam estudar Matemática. Aprendi que era possível”, conta Jéssica, 26 anos, que desde 2015 leciona geometria analítica, álgebra linear e cálculo diferencial integral na Universidade Técnica Federal do Paraná (UTF-PR), em Dois Vizinhos.

Leia mais: Dia Mundial da Astronomia é celebrado em 8 de abril
‘Formação dada aos professores no Brasil é deficiente’, diz Viana
Na Folha, Viana fala sobre futuro do IMPA com novo campus

O primeiro ano na faculdade não foi fácil. Jéssica estudou na UTF de Pato Branco, a uma hora de viagem de casa. Para ajudar a família, trabalhava como auxiliar de compras durante o dia. À noite, ia às aulas. Era um desafio manter o foco na carreira acadêmica. “Eu precisava me virar e não conseguia me dedicar à faculdade. Tinha gasto com ônibus, alimentação, foi muito difícil. Fiz o Fundamental e o Médio em escola pública, tinha falhas básicas em Matemática. No fim, me esforcei ao máximo e acabei o primeiro ano sem reprovação, só eu e mais quatro em uma turma de 30.”

Seu empenho chamou a atenção do peruano Santos Richard Sanguino Wiler Benjarano. Era o professor, da disciplina Cálculo 1, que mais atemorizava os alunos. No fim daquele ano, chamou Jéssica para conversar e disse que ela poderia conseguir uma bolsa. Foi uma grande motivação, porque seria possível parar de trabalhar para se dedicar exclusivamente aos estudos. Mas, assim que saiu a bolsa, Jéssica conseguiu outra ainda melhor, de dois anos de duração, pelo Picme. “Só ganhei a bolsa por causa da medalha de prata. A partir daí, passava o dia inteiro na faculdade. Só faltava dormir”, ri, ao lembrar-se da virada, sem a qual a ordem de eventos desencadeados em seguida seria outra.

No terceiro ano, Jéssica começou a estudar disciplinas mais voltadas para o ensino de Matemática com a professora Janecler Colombo. Juntas, desenvolveram trabalhos na área de instrumentalização de ensino, criando material, jogos e instrumentos que auxiliassem o aprendizado de matemática. Até então, ela não se via como professora. Foi quando percebeu que tinha vocação para o magistério.

No último ano, sem a bolsa de R$ 400 do Picme, Jéssica já era tão respeitada entre os professores que conseguiu novamente a bolsa acadêmica da qual precisara abrir mão no segundo ano. Era uma bolsa do projeto de iniciação à docência, mais uma vez com ajuda do professor Benjarano. Dava aulas de reforço nas escolas e ajudava a preparar alunos para o exame que mudou seu caminho: a OBMEP. 

“Decidi naquele momento que seria professora. São muitos os desafios do professor. O maior deles é o que mais me motivou: como fazer os alunos quererem aprender? Quando a gente vê brilho no olhar, vontade, curiosidade, dá ainda mais vontade de ensinar”, afirma.

Mas seu percurso estava só começando. Jéssica fez mestrado em Álgebra, também por causa de uma professora que a influenciou na faculdade e que lecionava estruturas algébricas – “ela explicava Matemática Pura com incrível facilidade, eu achava o máximo”. E, de novo, a medalha de prata sorriu para ela. “Tive uma bolsa de dois anos no mestrado por causa da medalha. O Picme é a minha vida toda. Olho para trás e penso com emoção em tudo o que fiz desde aquela medalha. Ainda bem que eu tive uma mente iluminada na hora de fazer aquela prova”, reflete.

Cursou mestrado na Universidade Federal de Santa Maria (RS). Jéssica nunca parou: passou na seletiva para dar aulas na UFT-PR antes de terminar o mestrado e já começou a trabalhar como professora-substituta de Matemática. Em 2015, assumiu como titular de disciplinas no curso de engenharia de bioprocessos e biotecnologia e de engenharia de software. “Ainda falta o doutorado. É o próximo passo, o próximo degrau. É o que todo professor almeja, porque nunca termina o aprendizado”, afirma. Seu pai, Rudimar Bóschi, tem enorme orgulho de Jéssica.

“Não tive oportunidades na vida de estudar, tive problemas de família, então me orgulho muito do que ela é hoje. Muito! Foi uma alegria sem tamanho quando ela ganhou a medalha de prata, quando entrou na faculdade, depois no mestrado. Agora é professora. Quando tinha 3 anos, eu ensinei os números para ela. Já sabia contar com facilidade, aprendeu com um calendário. Ela me deixa muito feliz por ser assim: está sempre aprendendo”, diz o pai. “Sou muito emotivo quando falo sobre minha filha.”

*Texto retirado do livro “Histórias Inspiradoras da OBMEP

Leia também: Construção do novo campus do IMPA é destaque em O Globo
Encontro Mundial para Mulheres em Matemática será em 2022