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04/06/2019

A matemática sem fronteiras do senegalês Khadim War

A língua materna do senegalês Khadim War é wolof, comum em países da África Ocidental. Nascido em Louga, cidade de cerca de 100 mil habitantes, onde se vive basicamente da agricultura de subsistência e do comércio de gado, ele escolheu a matemática e logo se tornou um poliglota.

Após graduação e mestrado na Universidade Gaston-Berge, no Senegal, Khadim ganhou o mundo: doutorado no Abdus Salam International Center for Theoretical Physics (ICTP), em Trieste, na Itália; e pós-doutorado na Universidade de Bochum, na Alemanha.

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Em seu périplo motivado pela matemática, chegou recentemente ao Brasil para ocupar a sala 402 do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). “O Rio agora é minha casa”, diz em português um sorridente Khadim, o mais novo pesquisador-adjunto do instituto.

Da área de Sistemas Dinâmicos e Teoria Ergódica, ele se dedica, especialmente, ao estudo das propriedades geométricas de sistemas parcialmente hiperbólicos e não uniformemente-hiperbólicos e também às questões geométricas sub-Riemmanianas que surgem dos sistemas dinâmicos.

Para um leigo, Khadim diria que se interessa por algo que faz parte da vida de todas as pessoas: os sistemas dinâmicos caóticos.

“A maioria dos sistemas do mundo são caóticos. A previsão do tempo e o jeito que o nosso coração bate, por exemplo. O batimento cardíaco não é periódico. Mostramos isso com a Matemática. O que eu faço é exatamente isso: criar modelos matemáticos para que possamos compreender esses sistemas. É matemática pura”, explica.

O percurso de Khadim até o IMPA começou há quatro anos, durante o PhD no ICTP. Ele ouviu falar sobre o instituto pelo seu então orientador, Stefano Luzzatto, que, por sua vez, fizera doutorado no IMPA, com orientação de Marcelo Viana e Jacob Palis. No fim de 2015, passou dois meses no instituto como professor visitante.

Khadim War em apresentação no Festival da Matemática, em 2017 Foto: Imprensa/IMPA

A temporada foi produtiva. Dois anos depois, retornou ao Rio para falar no Festival da Matemática, evento realizado pelo IMPA que reuniu 18 mil pessoas interessadas em palestras e atividades lúdicas sobre o tema.

Segundo Khadim, mostrar como a matemática faz parte do dia a dia, como ocorreu no Festival, é um caminho fundamental para que a sociedade se interesse pelo assunto.

Em casa, foi assim, conta o senegalês, filho de um professor e de uma costureira. Aprendeu com o pai a identificá-la em situações corriqueiras. “Ele nos ensinou a gostar de matemática”, conta Khadim, que tem um irmão e seis irmãs.

Sobre a matemática nas escolas, avalia que a forma como ela é ensinada faz a diferença. Por isso, quis contribuir de forma mais direta para mudar essa realidade ao participar de um programa para ensinar a disciplina na Educação Básica, quando ainda morava no Senegal.

“A ideia era mostrar aos estudantes como podem identificar e usar a matemática na vida real. Na escola, muitas vezes, as equações simplesmente são escritas no quadro. Isso faz com que os alunos temam a matemática, porque desconhecem as aplicações de equações e como elas são usadas para resolver problemas do dia a dia, como acontece na previsão do tempo.”

Khadim gostou tanto da experiência que fez o mesmo em Trieste. E embora considere difícil falar para pessoas sem background na área, diz que se diverte fazendo apresentações para leigos. “É importante contar o que fazemos também para não matemáticos. Especialmente para os estudantes e seus pais. Para que a família saiba o valor da matemática.”

Com diversos resultados de pesquisa, com destaque para a generalização de um teorema com mais de um século de existência devido ao matemático alemão Ferdinand Frobenius (1849-1917), Khadim diz que entrar para o IMPA, um centro de pesquisa “tão prestigioso”, não foi fácil. Depois de muito esforço, uma certeza: “Estou em casa”, repete, satisfeito.

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