Navegar

29/10/2019

Pós-doutorando pesquisa natureza fractal da música

Cecília Manzoni

Se procurarmos no dicionário a definição de música, encontraremos algo como: “combinação harmoniosa e expressiva de sons”. Diante dos efeitos poderosos que ela têm sobre os seres humanos, provocando alegria, calma, nostalgia ou prazer; e dos esforços de compositores que dedicam uma vida inteira para encontrar a harmonia perfeita entre as milhares de possibilidades de variações de som, a frase soa, no mínimo, simplória. Terreno fértil para criações, não surpreende que a música também seja explorada cientificamente por matemáticos.

É o caso de Vitor Guerra Rolla, cientista da computação que, desde 2015, utiliza a Matemática para pesquisar a complexidade das redes musicais na música clássica em pós-doutorado no IMPA.

Leia também: OBMEP Nível A terá 2ª edição nesta terça-feira (29)
Viana detalha avanços da Matemática brasileira no ICMC
À GloboNews, Artur Avila fala sobre ensino da Matemática

Seu projeto, Vitor explica, foi motivado por uma questão que intriga pesquisadores há cerca de três décadas: teria a música uma natureza fractal? Ou seja, composta de pequenas partes auto-similares? 

Não é bem assim que a banda toca, segundo os estudos do pós-doutorando do IMPA. “Através de rigorosos testes matemáticos usando a estatística, descobri que, ao contrário do que muitas pesquisas afirmam, a maior parte das músicas não têm natureza fractal. Inclusive, uma descoberta interessante foi que composições clássicas mais conhecidas, como as de Mozart e Beethoven, são as que mais apresentam características fractais.”

Nascido na cidade do Rio de Janeiro, Vitor, filho do militar Luiz Alberto Alves Rolla e da professora de educação física Maria Lucia Guerra Rolla, já morou em Porto Alegre, Salvador, Brasília, Recife e Manaus.

“Por conta da profissão do meu pai, até os meus 20 anos me mudava de dois em dois anos. Apesar de sofrido, aprendi muito com este processo e também pude conhecer vários aspectos do Brasil”, conta.

O gosto pela computação começou ainda na infância. Percebendo o interesse do filho pela área, seu pai, Luiz Alberto, deu de presente ao menino de sete anos um computador modelo MSX. Em 1987, o desenvolvimento da computação começava a despontar no Brasil. As máquinas, no entanto, cumpriam funções básicas.  

“Comecei a mexer muito com aquilo. Mas, nessa época, não acessava nada, era tudo in loco. Usava programas de processamento de texto e de cálculos básicos. Também brincava com meu pai em um programa de combinatória, imprimindo bilhetes de loteria”, explica. 

Na adolescência, Vitor já circulava pela computação com destreza. A conquista de certificados de conhecimento de sistemas operacionais de grandes empresas como a Microsoft e a Solaris o alçaram, indiretamente, ao curso de Processamento de Dados da Universidade Federal de Manaus. Na metade da graduação, transferiu-se para a União Educacional de Brasília, onde se formou.

Antes de ingressar no mestrado em Sistemas e Computação no Instituto Militar de Engenharia (IME), Vitor chegou a atuar como analista de redes no grupo TBA. Depois de dois anos no mercado, sentiu falta de atuar em pesquisa científica e voltou para a academia.

Entre o mestrado e o doutorado em Engenharia Informática na Universidade de Coimbra (Portugal), Vitor voltou para o mercado. Desta vez, foi selecionado pela Globosat para a vaga de analista de redes. A empresa chegou a enviá-lo para um curso de três meses na transnacional Cisco Systems, em São Francisco (EUA).

“Durante os primeiros anos o trabalho era bem desafiador. Mas com o tempo, as adversidades foram sendo vencidas e se tornou um pouco monótono. Vi que era hora de voltar à pesquisa.”

A mudança para o doutorado em terras lusitanas foi levemente motivada por uma edição da revista brasileira de surfe “Fluir” que mostrava as maravilhas da costa portuguesa, admite o carioca. Durante recessos universitários, Vitor teve a oportunidade de acampar no Alentejo. “Fui com o carro e a prancha passar três semanas na região e foi incrível. A estrutura para acampamento é ótima e o clima era muito agradável.”

Foi também durante o doutorado que ele despertou para a interseção entre música e computação. A aproximação se deu em festas na casa dos amigos, quando Vitor “atacava” de DJ. “Brincava com dois amigos de tocar para o pessoal, então acabei adquirindo um conhecimento básico de música controlando as máquinas.”

O interesse ganhou vigor acadêmico quando começou a ler sobre a linguagem de programação ChucK, criada pelo músico e cientista da computação sino-americano Ge Wang, que ajudou a criar as orquestras de laptop das universidades Princeton e Stanford, nos Estados Unidos.

“Decidi enviar uma proposta de pós-doutorado para o professor Luiz Velho, do Visgraf (Laboratório de Computação Gráfica do IMPA) porque sabia que o laboratório tinha uma pegada de arte computacional. Ele aceitou e, um mês depois de defender minha dissertação, já estava trabalhando no IMPA”, conta Vitor.

Durante os primeiros três anos no instituto, o pós-doutorando teve sua bolsa renovada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Atualmente como bolsista nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), um de seus objetivos é disseminar o conhecimento da codificação ao vivo (live coding, em inglês). 

Forma inovadora de unir ciência da computação e práticas criativas, o live coding tem sido usado em vários países em produções de vídeo e música eletrônica, especialmente Estados Unidos, Canadá, Austrália, Argentina, México e Reino Unido. A prática também possui viés pedagógico, podendo ser aplicada no ensino de programação de computadores.

Neste ano, Vitor deu dois workshops no IMPA, criando música através da técnica da codificação ao vivo. No seu curso de ciência de dados, também ministrado no instituto, ele ensina os alunos de mestrado e doutorado a programar através do mesmo método. 

“É um método relativamente recente e bastante vantajoso, porque quando se codifica ao vivo, erros acontecem. Por isso, a interação entre os alunos e o professor é maior e o aprendizado se torna mais dinâmico”.

Para os próximos dois anos de pós-doutorado no IMPA, Vitor espera poder contribuir com novas atividades que aproximem a comunidade matemática de técnicas recentes como a codificação ao vivo. “Planejamos organizar novos eventos, como uma um jam session, além de aprimorar aqueles que já estamos produzindo”, afirma.

Leia também: Visgraf participa de mostra sobre Leonardo da Vinci
Criptografia e origami encerram SNCT no IMPA