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28/07/2019

Os desafios para conciliar maternidade e carreira

No Brasil, 72% das pesquisadoras mães não dividem igualmente o cuidado dos filhos com os pais. O dado é da mais recente atualização da pesquisa que avalia o impacto da maternidade na carreira científica das brasileiras, realizado pela Parent in Science. 

Divulgada pela primeira vez em maio de 2018, as informações mais recentes da pesquisa apontam que houve uma melhora em relação ao cuidado dos filhos: se antes 54% das mulheres se encarregavam sozinhas da prole, agora a proporção baixou para 50%. 

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 “Cinquenta por cento das pesquisadoras brasileiras são as únicas cuidadoras dos filhos. A gente tem de refletir sobre isso. É assustador. Isso reflete o nosso padrão cultural também na classe dos pesquisadores”, destacou a matemática Adriana Neumann, durante a mesa-redonda “Maternidade e carreira”, realizada neste domingo no Encontro Brasileiro de Mulheres Matemáticas, no IMPA.

Em sua apresentação, “Reflexões sobre maternidade e produtividade”, Adriana observou que entre as cientistas que decidem ser mães, é mais raro encontrar matemáticas. 

“Em eventos sobre maternidade e ciência, quando vou contar a minha realidade, as pessoas não entendem porque só tem eu como matemática no grupo. A maternidade e a carreira de pesquisador em matemática tem as suas particularidades”, disse.

Para a cientista social Moema Guedes, professora da UFRRJ, na abordagem do tema é fundamental rediscutir o foco para incluir também as mulheres que não têm filhos.  

“Não dá para discutir maternidade deslocada destas questões mais amplas dos estudos de gênero”, chamou atenção a pesquisadora, doutora em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas. 

Segundo ela, atualmente, na maioria dos lares, homens e mulheres desempenham o papel de provedores. Porém, só as mulheres são, além disso, cuidadoras. Moema alertou para o fato de que o tempo que os homens dedicam às tarefas domésticas, 10 horas semanais, de acordo com o IBGE, é um dado que está estagnado. 

“Não é chocante que em um cenário em que as relações de gênero estão mudando os homens não aumentam esse tempo de trabalho? Por que eles não se tornam cuidadores? As mulheres já são as duas coisas, mas os homens continuam sendo só provedores. Há um descompasso. Não é uma disputa igual”, aponta Moema.

Na opinião da pesquisadora, que abordou o tema do ponto de vista institucional, é importante analisar as políticas da área para verificar se as medidas em curso “beneficiam igualmente homens e mulheres, negros e brancos, ou se são apenas aparentemente neutras.” 

Para contextualizar a observação, destaca que nos últimos dez anos, o perfil médio do bolsista de produtividade rejuvenesceu muito. Com isso, quem antes entrava no perfil na faixa dos 45 e 50 anos, já com os filhos mais crescidos, hoje ingressa em outra condição.

“Com isso, o perfil dos bolsistas nível 2 que conseguiram a bolsa nos últimos dez anos, a esmagadora maioria é homem porque as mulheres estão na fase com filhos pequenos e não conseguem se tornar competidoras”, relata.

Patrícia: Engravidou durante o doutorado e sofreu pressão 

Após as apresentações, foi difícil respeitar o cronograma diante de tantos relatos. Quase uma dezena de mulheres, entre estudantes de pós-graduação, professoras e pesquisadoras compartilharam experiências, como Patrícia Borges, da Universidade Federal de Uberlândia. 

“Quando fui contar para o meu orientador que eu estava grávida, a resposta dele foi: ‘Se você não terminar o doutorado até o final do ano você pode procurar outro orientador’”,contou, citando ainda episódio recente que vivenciou ao participar de um congresso internacional. Como seria um período longo, de 15 dias, levou o filho de 4 anos. “Já no primeiro dia o organizador chefe veio pedir que eu não levasse o meu filho.”

Mãe de Catarina, de 1 ano e 5 meses, Cintya Benedito contou que é quinto congresso que a filha vai com ela. “Já vou fazer um Lattes para ela”, brincou, observando que tem a ajuda do marido, também presente ao evento. “Eu passei no concurso e já engravidei. Estou no último ano do probatório e está bastante difícil”, diz ela, que é da Universidade Estadual Paulista. 

Durante a mesa-redonda, foi exibido o minidoc “Fator F”, realizado pela Gênero e Número, com apoio do Instituto Serrapilheira. A produção fala sobre as dificuldades das cientistas que optam também ser mães.

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