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27/08/2019

Novello usa a realidade virtual para ver espaços matemáticos

Cecília Manzoni

Durante a infância na pacata cidade de Tuneiras do Oeste (PR), o matemático Tiago Novello de Brito não poderia imaginar os voos que alçaria em sua vida profissional. No município do Noroeste Paranaense de 8 mil habitantes, eram poucas as pessoas que tinham ensino superior. 

Ainda que as chances de cursar uma universidade fossem remotas diante destas circunstâncias, este se tornou um sonho que Novello passou a perseguir com obstinação. E os resultados são irrefutáveis. Aos 29 anos, o matemático caminha rumo à conclusão de seu pós-doutorado, no IMPA.

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Ao longo do Ensino Médio, Novello distribuía seu tempo entre os estudos e os trabalhos no sítio da família. Seus pais, Clarinda Aparecida e José Carlos, contavam com a mão de obra dos filhos para os cuidados com o gado. Foi nesta época que o matemático percebeu que poderia seguir um caminho diferente. 

“Eu tinha uma professora de matemática que apresentava o conteúdo de forma muito instigante. Percebendo meu rendimento na área, ela me falou sobre a opção de fazer uma faculdade, e me orientou nos procedimentos do vestibular”, contou.

À época, o amigo da família Ederson Moreira, atualmente professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), mantinha contato frequentemente com os Brito. A proximidade com um aluno de doutorado também abriu olhos do jovem. “A figura do Ederson se tornou uma grande referência para mim.”

Com muita dedicação, o rapaz foi aprovado para o curso de graduação em Matemática na Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (Fecilcam), a 60km de casa. Para arcar com os custos de moradia e alimentação, o então estudante trabalhava na central de distribuição de uma cooperativa agrícola. 

“Foi difícil conciliar. Trabalhava um turno de 8 horas durante o dia, e à noite ia para a faculdade. Ainda assim, consegui me formar no tempo certo”, relatou o matemático.

Novello chegou à USP no início de 2012, quando, terminada a graduação, acatou a recomendação do amigo Ederson de participar de um curso de verão em Matemática Pura. As aulas não renderam somente conhecimento acadêmico, mas também lhe trouxeram novas amizades. Ao fim da temporada, um grupo de colegas da Universidade Federal de Alagoas recomendou que ele se inscrevesse no programa de mestrado da instituição.

A quase 3.000 km de sua cidade natal, Maceió (AL) o recebeu de braços abertos. Era a primeira vez em que via o mar, que seria um elemento constante em sua vida dali em diante. “Foi uma experiência muito impactante. Saí de uma cultura rígida do Sul para outra mais aberta e calorosa, do Nordeste. Em nenhum momento me senti sozinho.”

Pela primeira vez, Novello pôde se desconectar do trabalho para se dedicar inteiramente à produção acadêmica. A imersão na Matemática lhe permitiu explorar a área da computação gráfica, da qual ele se tornou fã. 

Com a dissertação defendida sob orientação do professor Thales Vieira, o paranaense trocou as águas calmas do litoral de Maceió pelas agitadas praias do Rio de Janeiro. O convite foi feito pelo professor Thomas Lewiner. Durante o doutorado na PUC-Rio, iniciado em 2014, Novello começou a explorar a área da Topologia Computacional, e mais precisamente a Teoria de Morse discreta. A tese foi defendida sob orientação de João Paixão e Carlos Tomei.

O contato com o professor Bruno Benedetti, da Universidade de Miami, resultou em uma experiência de doutorado-sanduíche, na qual o aluno passou meio ano na instituição americana.

“Foi sensacional, a primeira vez em que saí do país. Mais uma vez, estava diante de uma cultura totalmente nova para mim”, contou.

A convite do pesquisador do IMPA Luiz Velho, Novello integra a equipe do Visgraf desde fevereiro deste ano, quando iniciou o pós-doutorado no instituto. Ele trabalha em um projeto de visualização imersiva de espaços não-euclidianos utilizando a realidade virtual. Até o momento, a equipe já conseguiu visualizar espaços tridimensionais modelados localmente por três geometrias: euclidiana, esférica e hiperbólica.

“Estar no Impa é um sonho. É só entrar pelo portão daqui que você já começa a respirar matemática. Parece que as ideias estão no ar. No mestrado, tive contato com vários professores que tinham se formado no Impa, mas eu estava na posição de aluno. Quando a chance de trabalhar aqui se tornou real, não teve o que decidir. Eu só vim”, afirmou.

Os planos para o futuro são de longo prazo. Ao fim do pós-doutorado, o matemático deseja seguir na academia, que considera “um ambiente de curiosos”, ao qual pertence. Seu sonho é ser um professor e pesquisador da área. “A Matemática me fascina por ser uma linguagem com a qual podemos abstrair objetos do mundo. E, no caso da minha área de pesquisa, o inverso também acontece. Utilizamos a realidade virtual para visualizar espaços pertinentes em geometria e topologia.

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