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25/08/2020

A matemática dos efeitos visuais no cinema moderno

Affonso Beato em set de filmagem. Foto: Divulgação

Quando o cineasta canadense James Cameron se deparou com dificuldades incontornáveis na execução dos engenhosos efeitos visuais para o filme Avatar (2009), decidiu que, se não havia tecnologia suficiente, iria criá-la. Para alcançar o resultado desejado, sua equipe teve que reinventar as câmeras 3D, aperfeiçoar o sistema de captura de imagens e de captura de expressões faciais e corporais dos atores. E por trás de todas as técnicas e ferramentas que alavancam a sétima arte, proporcionando ao público uma imersão cada vez maior nas telas, estão a computação gráfica e, é claro, as ferramentas matemáticas. 

“O cinema 3D é todo baseado em trigonometria, porque tudo advém da distância entre nossos dois globos oculares e as projeções que nós fazemos de um objeto em terceira dimensão”, explica Affonso Beato, diretor de fotografia brasileiro que estuda a estereografia, representação de objetos tridimensionais em um plano, há mais de uma década. “A visão humana é organicamente estereoscópica. Mas quando vamos reproduzir isso na cinematografia precisamos ter um rigor matemático enorme para que as imagens criadas sejam fisiologicamente aceitáveis para a visão humana.”

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Professor da Art Center – College of Design de Pasadena, na Califórnia e membro da American Society of Cinematographers (ASC), Beato já trabalhou com diretores como Glauber Rocha,  Walter Salles Jr, Pedro Almodóvar e Stephen Frears. Em seus projetos na cinematografia estereográfica, tem como importante colaborador o Visgraf, laboratório de computação gráfica do IMPA. 

Em 2011, o diretor de fotografia veio ao instituto para apresentar uma palestra sobre a visão confortável do 3D. Mais tarde, colaborou com o “The Tempest”, produção do Visgraf que une realidade virtual, cinema, teatro e tecnologia de jogos. “Prestamos uma consultoria de cinematografia virtual para o projeto, ajudando na iluminação dos avatares e enquadramento de câmeras”, lembra o diretor.

O pesquisador do IMPA Luiz Velho com atores do The Tempest.

O diálogo entre os profissionais do cinema e da computação gráfica é fundamental para o avanço da área, considera Beato. “O Visgraf é o meu ponto de encontro com a matemática aplicada. Quero que estas comunidades se encontrem cada vez mais, porque elas precisam uma da outra. O diretor de fotografia não é só artista, ele também tem que ter um pé na tecnologia, porque lida com um universo controlado por fórmulas, conhecimentos e protocolos científicos, principalmente nos efeitos visuais.”

A computação e a tecnologia não habitam só a fotografia na sétima arte, mas tornam todo o processo de produção de um filme mais diligente. De um roteiro até a projeção em uma sala de cinema, o Beato estima que 50% do trabalho é feito em computadores. “Estudos de desenvolvimento do workflow do cinema mostram que quase tudo é digital hoje em dia. Quando se muda alguma coisa em um roteiro, a mudança automaticamente é gerada na agenda da produção e no orçamento”, explica.

Com a força comercial do cinema 3D no entretenimento, o Brasil tem se esforçado para acompanhar o ritmo da indústria americana. O primeiro filme infantojuvenil em 3D do país, Pluft, produzido pela O2, estreia em breve. Um empecilho para o desenvolvimento da técnica é o alto custo. “A produção em 3D é complexa e cara, e a economia do cinema brasileiro no momento não permite certas aventuras. As pessoas não conseguem se arriscar dessa forma. Mas tudo nesta indústria vem em ondas”, comenta Beato.

Para o diretor brasileiro, os avanços tecnológicos dos últimos anos foram essenciais para a construção de uma nova linguagem no cinema. Conceitos da estereografia e do 3D estão sendo transportados, por exemplo, para a realidade virtual. “Os óculos de realidade virtual ainda custam caro, mas há cada vez mais investimento neste estilo de pesquisa, e a tendência é que se popularizem com o tempo.”

Os novos recursos não transformam só a fotografia, mas também o roteiro e outros aspectos da produção de um filme. “Tanto no 3D quanto na realidade virtual o espectador está bem mais imerso na história, e por isso precisa escrever de forma diferente. Na realidade virtual, o diretor não escolhe mais para onde o público olha. Sua atenção não é controlada, e por isso aspectos como o som ganham importância.”

Com o objetivo de preparar profissionais do audiovisual para esta nova linguagem que se faz cada vez mais presente, Beato convidou Luiz Velho, pesquisador líder do Visgraf, para dar um curso online na Associação Brasileira de Cinematografia (ABC), da qual é diretor. “É um curso para produtores, diretores de fotografia, diretores de arte e roteiristas absorverem estas mudanças e se prepararem para o futuro”, explica Beato. Interessados podem se inscrever em uma aula de introdução gratuita que acontece nesta sexta-feira (28), às 14h. O curso “O Futuro das Mídias Digitais – Fundamentos e Estado da Arte” começa em 4 de setembro.

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