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09/04/2019

Em Belém (AL), a Matemática é ensinada até na Câmara

Cerca de 60 estudantes participam das aulas de Matemática na Câmara

Karine  Rodrigues

Encravado no agreste alagoano, Belém é, na aparência, um típico município de pequeno porte, maioria no país: ruas estreitas de paralelepípedo, praça, igreja e casas modestas onde vivem 4,4 mil pessoas, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas a cidade pode ter se tornado única ao promulgar a lei que transforma o plenário da Câmara de Vereadores em sala de aula para alunos da rede pública aprenderem Matemática.

Um dos poucos imóveis com dois pavimentos da rua do Comércio, a Câmara abriu as portas na última segunda-feira (1º de abril) e mostrou que a lei 376, de 13 de março, não ficou só no papel. 

A partir de agora, duas vezes por semana, às segundas e sextas-feiras, estudantes da rede municipal rumam para o prédio no contraturno escolar para estudar Matemática.

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Cerca de 60 alunos integram o Núcleo de Treinamento Intensivo de Belém, criado a fim de preparar os estudantes para competições de Matemática, como a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), realizada anualmente pelo IMPA desde 2005. 

A lei que definiu o novo uso da Câmara Municipal instituiu também uma olimpíada de matemática na cidade e torna real um desejo antigo do professor de Matemática José Silva de Amorim, atual presidente da Casa.

“Como não há salas de aula desocupadas nas escolas, lembrei-me da Câmara, que tem sessões a cada 15 dias. Pensei: se a Casa é do povo, por que não usá-la, em dias ociosos, para ajudar essa juventude que precisa tanto de conhecimento?”, conta o vereador, que é licenciado em Matemática e já viu, em 15 anos de experiência em sala de aula, muito aluno deixar Belém para buscar oportunidades em outros municípios.

Em busca de medalhas na OBMEP

Em Belém, a economia é movimentada, basicamente, pelo dinheiro das aposentadorias. Dados do IBGE revelam que a população ocupada não passava de 10,9% em 2016 e que o salário médio mensal dos trabalhadores formais era de 1.4 salário mínimo. 

“Sem emprego, as pessoas não têm perspectiva de vida e vão embora para a capital. Estamos fazendo um trabalho em busca de mais qualidade na educação para que elas permaneçam aqui ou, se forem embora, retornem. Vi alunos que saíram de Belém e ganharam medalhas na OBMEP. Queremos que o nosso aluno também tenha essa oportunidade”, diz.

A ideia ganhou fôlego em setembro passado, durante encontro de premiados da OBMEP em Alagoas, organizado pelo professor Krerley Oliveira, coordenador da olimpíada do IMPA no Estado e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Com a promulgação da lei, dois licenciandos em Matemática da instituição serão responsáveis pelas aulas na Câmara.

José Amorim, presidente da Câmara, e Nerisvan, menção honrosa na OBMEP 2018

Estudante com o melhor desempenho na OBMEP na cidade em 2018, Nerisvan Amorim dos Santos, 13 anos, participou do primeiro dia de aula na Câmara. Menção honrosa na última olimpíada, ele festeja a iniciativa.

“Estamos muito contentes. Tanto eu quanto os meus amigos. Embora seja difícil vir para o treinamento, por morar em um sítio na área rural, minha mãe já disse que vai me levar e me buscar de moto”, conta o adolescente, que cursa o 8º ano na Escola Municipal Arízio de Vasconcelos.

Além de estudar pelo Portal da Matemática da OBMEP, Nerisvan foi convidado pelo professor Krerley, no ano passado, para participar como aluno ouvinte do Programa de Iniciação Científica (PIC) da OBMEP – medalhistas da competição conquistam o ingresso automaticamente e, além da bolsa mensal, são acompanhados por professores universitários e realizam tarefas de aprofundamento em Matemática em plataforma virtual.

“Quando conheci no PIC outras pessoas com a mesma motivação que eu, fiquei encantado. E meu rendimento na escola, mesmo nas outras disciplinas, subiu”, diz o estudante, que em 2018 recebeu seis premiações em diversas disciplinas.

Pai de um adolescente de 13 anos, o professor Antônio Francisco elogiou a iniciativa de abrir a Câmara em dias ociosos para que os alunos possam estudar. 

“Não conheço outro município que ofereça algo assim”, diz ele, ressaltando a importância de o estudante valorizar a Matemática. “Quando começa a ter domínio do conteúdo, o aluno se sente mais estimulado e quer aprender cada vez mais. Ele se sente um super-herói, um vencedor. A Matemática abre novos horizontes”, diz, com conhecimento de causa. Há dez anos, ele leciona a disciplina na Arízio de Vasconcelos.

Mudanças na Educação

O esforço para mudar a educação em Belém ganhou fôlego nos últimos anos. Cenário que se repente em toda Alagoas, que figura entre os dez Estados que mais alcançaram as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no período 2015/2017. O indicador mede a qualidade do aprendizado e estabelece metas para a melhoria do ensino no país, por meio da relação entre rendimento escolar e desempenho na Prova Brasil/Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). 

Belém desempenhou um papel de destaque no crescimento alcançado. É um dos 11 municípios que atingiram as metas dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental no Ideb. O indicador no 5º ano subiu de 4.1 para 5.8, resultado que garantiu o primeiro lugar na região e o oitavo no Estado – em 2015, o município estava na 54ª posição. No 9º ano, o salto foi ainda maior: 2.8 para 4.4. Os resultados de Belém em 2017 superam o Ideb nacional, considerando o dado municipal, respectivamente 5.6 e 4.1.

Por ter cumprido as metas, Belém receberá R$ 1,06 milhão do governo do Estado, valor significativo, especialmente se considerarmos que o orçamento da Educação para 2019 é de R$ 8,4 milhões –  o valor total para o município chega a R$ 38,9 milhões. 

As aulas de matemática são dadas no contraturno, duas vezes por semana

A premiação integra o Escola 10, programa estadual que dá apoio técnico e financeiro aos municípios para que consigam cumprir objetivos como reduzir os índices de analfabetismo, evasão escolar e distorção idade-série e alfabetizar todos os alunos da rede pública em Língua Portuguesa e Matemática até o 3º ano do Fundamental. O segmento é o alvo do programa, transformado em política pública permanente por meio de lei sancionada em novembro último. 

“O salto foi realmente muito grande. Conseguimos isso com o apoio da gestão e do Programa Escola 10, que fornece bolsa para articuladores de ensino na Secretaria de Educação e nas escolas. Eles trabalham em parceria com o professor, o coordenador e os alunos. São intermediários, inclusive, com os familiares, porque a escola não consegue fazer tudo sozinha. Os pais precisam incentivar os filhos a estudar, a não evadir”, diz a secretária de Educação de Belém, Suellen Barbosa.

Segundo ela, para bater as metas, a cidade, que tem cerca de 1.600 alunos em 12 escolas, investiu em melhoria da infraestrutura das escolas, capacitação de professores e formação continuada. São ações fundamentais que serão consideradas no uso dos recursos do prêmio do Escola 10. Também estão previstas novidades, como o programa de reforço em Matemática e Português para todos os alunos do Fundamental. A proposta é ofertar o mesmo número de horas/aula das duas disciplinas no contraturno, intercalando com atividades esportivas.

“A gente sabe que, ao chegar ao 9º ano, o desempenho do aluno está mais baixo. No lugar de concentrarmos a ação só aí, vamos incluir todo o Ensino Fundamental para evitar a queda na aprendizagem. É um investimento para que todos concluam o segmento com aprendizagem adequada”, destaca a secretária. 

Para Krerley, são gratificantes os resultados obtidos por Belém e a iniciativa de criar o núcleo de treinamento na Câmara.

“Diante de todas as dificuldades, a cidade tem buscado se desenvolver pela Educação. Com as condições locais, é algo surpreendente”, diz o matemático, contando que foram firmadas mais duas parcerias entre a Ufal e a prefeitura, para qualificar a mão-de-obra local. 

Município de pequeno porte, Belém tem grandes sonhos. E a Matemática está ajudando a transformá-los em realidade.

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