Navegar

16/08/2021

No Livro Histórias Inspiradoras da OBMEP: Eralcilene Terézio

A trajetória de vida da matemática e professora universitária Eralcilene Moreira Terézio pode ser considerada árdua. Caçula de uma família pobre no interior do Paraná, filha de um missionário evangélico e de uma dona de casa, após muitas dificuldades cursa o doutorado na UEM (Universidade Estadual de Maringá). Foram tantas reviravoltas em seu cotidiano de aluna, mestra, mãe e esposa que, por vezes, ela até mesmo se surpreende.

Para Eralcilene, de 27 anos, sua trajetória acadêmica divide-se entre antes e depois de ter sido contemplada com bolsas de iniciação científica do Picme. Ela tinha abandonado a Faculdade de Matemática da UEM no segundo ano da graduação. Aos 19 anos, engravidou pela primeira vez e, por falta de dinheiro para continuar em Maringá, voltou para sua cidade, Faxinal (cerca de 16 mil habitantes, na região centro-norte).

Leia mais: Prefeitura do Rio e IMPA lançam Olimpíada Carioca de Matemática
Medalhista da OBMEP ganha bolsa para estudar nos EUA
Aos 76 anos, morre o matemático Clóvis Gonzaga 

A professora universitária Maria Elenice Rodrigues Hernandes foi quem telefonou para Eralcilene e a avisou da existência do Picme e da chance, como medalhista da Obmep, de ser beneficiada com uma bolsa. “Eu a conheci no primeiro ano da graduação. Quando engravidou, ficou um ano afastada. Era um momento difícil. A Obmep pediu para que eu tentasse convencê-la a voltar, porque havia a chance de uma bolsa. Seu sonho era fazer graduação. A princípio, falou que não daria. Mas no dia seguinte, ligou de volta. Deixou o filho com a avó e reiniciou os estudos. Eu a orientei por três anos seguidos, com a bolsa de iniciação científica. Eralcilene progrediu muito desde então. É uma pessoa que desafiou todas as dificuldades enfrentadas ao longo do tempo e enfrentou todos os obstáculos. Sua trajetória é muito bonita.”

OBMEP por acaso

Eralcilene participou da Obmep quase por acaso, em 2006. Já tinha passado no vestibular, mas ainda cursava o último ano no Colégio Estadual Guimarães Rosa, em Sete Quedas, em Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai. “Tinha sido aprovada no vestibular para Matemática da UEM em junho de 2006, mas ainda estudava em Faxinal. Naquele ano, quando me mudei para Sete Quedas – só fiquei seis meses lá –, o pessoal no colégio sabia que eu já tinha passado no vestibular e me pediu para fazer a Obmep. Fiz, mas realmente não sabia absolutamente nada sobre olimpíadas de matemática. Nem sequer sabia o que era. Credito a Deus ter participado da Obmep”, diz.

Para sua surpresa, conquistou, em sua única Obmep, uma medalha de prata. Foi o impulso fundamental para o início da carreira universitária. Mas como uma humilde família interiorana conseguiu que os três filhos alcançassem o ensino superior? Eralcilene explica: “Meu pai, Cid Moreira – mesmo nome do locutor de televisão –, já estava na igreja como missionário e pôs na cabeça que todos os filhos iriam estudar em universidades. Minha mãe, Eralda, achou uma loucura quando Eralci foi estudar em um colégio caro em Faxinal. Nós éramos pobres”.

Depois de Eralci, Cid Moreira Terézio também investiu no estudo das filhas mais novas. “Ele colocou todo mundo no colégio particular e foi levando, se endividando, ia conversar com a diretora da escola. Meu pai queria todos na universidade e não sossegou enquanto não alcançou esse objetivo”, diz, orgulhosa, a matemática.

Ministro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São João do Ivaí, também no Paraná, Cid, de 64 anos, recorda o gosto de Eralcilene pelos estudos. “Quando ela começou a ir à aula, tinha vocação para Matemática e Português. Mas desde o começo tendia mais para a Matemática. Uma vez, viajando comigo e a mãe, ela pegou um livreto no hotel e disse que só iria dormir depois que lesse o livro todo. E assim foi”, afirma.

O pai descreve sua caçula como “uma moça estudiosa até hoje”, graças à “infância pobre, mas boa”. Segundo ele, Eralcilene nunca foi de “muita conversa” e “ainda é assim”. “Ela gosta muito de ler, ainda hoje lê muito”, observa o missionário, para quem “todo pobre quer sempre ver o filho bem colocado”, disse.

“Eralcilene chegou e está chegando ao alvo que queria. Hoje ela vive por conta própria, está se aperfeiçoando”, comemora o pai. Hoje, Eralcilene leciona Matemática nos cursos de engenharia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu (PR), onde mora com o marido Cleilton Canal, também professor
de ciências exatas, e os filhos Felipe, de 8 anos, e Miguel, de 4. Com bolsa do Picme, faz o doutorado em Matemática na UEM, com ênfase em geometria e topologia, mesmo tema do mestrado já concluído.

Ela conta que tem muito pouco tempo para atividades de lazer. “Desde que entrei no curso de graduação minha vida tornou-se a academia. Não parei de estudar até agora. O pouco tempo livre que tenho eu dedico aos meus filhos”, diz.

Para a professora Maria Elenice, a conduta de Eralcilene é um “exemplo claro de que a vontade está acima das dificuldades e de que se você quer consegue”. Maria Elenice define a ex-aluna e hoje colega como “uma pessoa extremamente persistente”. “Meu papel foi não deixá-la desistir no momento em que não acreditava no seu próprio potencial”, conclui. 

*Texto retirado do livro “Histórias Inspiradoras da OBMEP

Leia também: Terceira edição do Prolímpico começa nesta segunda-feira (16)
Curso do IMPA trata do conceito de informação em probabilidade