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11/02/2021

Pesquisadoras enaltecem a diversidade no campo científico

A desigualdade de gênero afeta diferentes campos do trabalho. Na ciência, não é diferente. Dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) indicam que menos de 30% dos pesquisadores em todo o mundo são mulheres. Ainda segundo o relatório de 2018, apenas 5% da população estudantil feminina mundial se matricula em cursos de ensino superior em matemática e estatística. A sub-representatividade, os estereótipos enraizados na sociedade e a violência de gênero na academia são alguns dos motivos que distanciam mulheres de carreiras na ciência. 

Buscando conscientizar a população a respeito deste cenário, a Unesco celebra, nesta quinta-feira (11), o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Aprovada em 22 de dezembro de 2015, a data foi criada com o objetivo de ressaltar o papel fundamental que as mulheres desempenham no desenvolvimento científico e tecnológico, lançando novas perspectivas e olhares sobre estas áreas.

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“Datas como esta são muito importantes porque trazem visibilidade para uma questão humana e social extremamente relevante. A ciência só tem a ganhar com a inclusão de uma parcela da população historicamente excluída, que traz uma diversidade de olhares e ideias fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico”, afirma Carolina Araujo, pesquisadora do IMPA e vice-presidente do Comitê para Mulheres na Matemática da União Internacional de Matemática (IMU, na sigla em inglês).

Desconforto

No IMPA desde 2020, a pesquisadora italiana Luna Lomonaco se lembra com clareza do ambiente hostil que enfrentou durante a graduação em matemática na Universidade de Pádua (UNIPD). “Quando cheguei na graduação fiquei à deriva, porque tinha feito o Ensino Médio focado em ciências humanas. Quando tirava dúvidas com professores, eles me olhavam sempre como se eu fosse inferior. Era tratada como uma idiota, tanto que acreditei que não prestava para a matemática.”

Luna Lomonaco

Apesar de não poder afirmar que a causa destas situações fosse o machismo, ela pontua que seus colegas homens não relatavam o mesmo tratamento, diferentemente das mulheres.  “Presenciei e ouvi muitas situações pouco simpáticas das minhas amigas da área. E isso acontece até hoje. Quando você está em uma palestra, estatisticamente falando, se uma mulher não sabe algo ou faz uma pergunta que é considerada trivial, é tratada muito pior que um homem. Com o homem todo mundo presume que ele se esqueceu. Com a mulher todo mundo pensa que ela não sabe. Ao homem, se dá desculpas, e às mulheres, se condena.”

Por pouco, esse tipo de situação não a levou para longe da carreira na matemática, admite. “Cheguei perto de desistir muitas vezes. Pensava que me tratavam mal porque não era boa o bastante. Internalizei isso por muito tempo. Não percebia que era um problema de machismo estrutural na academia. Há pouco tempo que recuperei a confiança em mim.”

O impacto da representatividade

A ausência de mulheres em ambientes acadêmicos impacta a sensação de pertencimento das cientistas, aponta Carolina. “A maioria dos espaços acadêmicos que frequentei eram predominantemente masculinos. Durante muito tempo, naturalizei essa discrepância e deixei de refletir sobre os seus impactos na minha identidade e atitude como cientista. Hoje, não tenho dúvidas de que, de forma sutil, esta falta de representatividade vai nos colocando em um lugar subjetivo de não-pertencimento.”

Carolina Araujo

As mulheres são menos de 12% dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq em matemática, probabilidade e estatística, as mulheres, segundo dados do portal de notícias G1. No Nível 1A, o mais alto em reconhecimento e valor de bolsa, elas são menos de 10%.

As razões para a presença incipiente das mulheres nestes espaços são variadas. Mas as pesquisadoras garantem que o problema começa muito antes da universidade. Mais precisamente, na infância. “A sociedade, em geral, impõe expectativas bastante diferentes com relação a meninos e meninas. Estudos mostram que estereótipos de gênero começam a afetar o comportamento de crianças e sua percepção sobre inteligência já aos seis anos de idade”, comenta Carolina.

“O componente principal desta desigualdade é o machismo, e o machismo começa no berço, quando escolhemos dar como brinquedo para uma criança do sexo masculino um trem, ou um aviãzinho; e para crianças do sexo feminino damos uma boneca, ou um kit cozinha”, explica Luna.

Primeira mulher a receber o  Prêmio Umalca (União Matemática da América Latina e Caribe), a italiana espera que a conquista afete positivamente as mulheres na matemática. “Um grande problema que temos na ciência é a falta de modelos, referências. Ter mulheres que chegam a receber prêmios e ser reconhecidas ajuda muito.” 

Carolina, primeira brasileira e segunda mulher a conquistar o Ramanujan Prize,  também aposta que o feito inédito pode estimular meninas e mulheres a trilharem um caminho na ciência. “Quebrar o estereótipo de gênero em matemática é um desafio difícil, que passa por, entre outras iniciativas, dar visibilidade ao trabalho de matemáticas mulheres. A representatividade é vital para que meninas e jovens mulheres percebam desde cedo que as ciências exatas são um lugar que também pertence a elas.”

Mudança gradual no cenário

Apesar da realidade difícil, o cenário da desigualdade de gênero na ciência começa a sinalizar mudanças graduais. “Muitas pessoas têm dedicado boa parte do seu tempo e energia em projetos de sensibilização para quebrar esse ciclo. Reconhecer e poder falar abertamente sobre o problema é um passo fundamental para que possamos evoluir”, comenta Carolina.

O Encontro Brasileiro de Mulheres Matemáticas, realizado em 2019 no IMPA, e o  1º Encontro Mundial de Mulheres na Matemática (WM2), evento paralelo do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) 2018, foram algumas das oportunidades criadas pelo instituto para que o debate sobre o tema pudesse fluir. Além disso, o instituto também toca, desde 2019, o  Meninas Olímpicas do IMPA (MOI), projeto que busca atrair jovens para a ciência incentivando a participação em atividades e olimpíadas de matemática e estimulando o interesse em carreiras nas áreas da ciência e tecnologia. 

Diante das dificuldades enfrentadas por alunas mães para permanecer nos cursos de pós-graduação, agravada ainda mais na pandemia da Covid-19, Carolina alerta para o programa AMANHÃ, do Movimento Parent in Science. Através de doações, o programa busca fornecer auxílio financeiro às cientistas mães que estão na fase final dos cursos de pós-graduação. O valor do auxílio dependerá da quantia arrecadada, mas está previsto em R$ 400,00 e R$ 800,00 mensais, com duração de até nove meses. A arrecadação vai até 28 de fevereiro e já são quase 400 mulheres inscritas para receber o apoio.

A diversidade na ciência 

Além de uma questão de justiça social, a inclusão de grupos sub-representados traz enormes benefícios para a ciência, a tornando mais eficiente. Para Carolina, a diversidade está no cerne da pesquisa e da inovação. “Estudos mostram que a diversidade de um grupo de pesquisa aumenta a sua eficiência, trazendo novas perspectivas e ideias, aumentando a criatividade e inteligência coletiva. Se um grupo social segue sendo continuamente excluído, a ciência está sendo privada de uma enormidade de talentos e olhares, que poderiam estar trazendo contribuições valiosas para o seu desenvolvimento.”

A diversidade é um multiplicador de ideias, componente fundamental do métier matemático, acredita Luna. “A matemática vive de ideias que usamos para tentar resolver problemas. A quantidade de ideias que eu posso ter com um colega que é exatamente minha fotocópia provavelmente vai ser bem menor do que se eu conhecer pessoas diferentes, com outras experiências de vida. Isso traz mais inspiração e criatividade para o pensamento.”

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