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21/09/2017

Vinicius Gripp: “Matemática é muita intuição”

A imagem que a maioria dos leigos têm sobre matemáticos é a de que são pessoas sérias, experientes, como se suas vidas tivessem se resumido apenas a ficar enfurnado em uma biblioteca, em meio a livros e fórmulas. A realidade é outra. Vinicius Gripp Barros Ramos, novo pesquisador do IMPA, foge deste estereótipo.

Aos 28 anos, o carioca agora integra o corpo acadêmico do principal instituto de Matemática da América Latina, após uma trajetória relâmpago nos estudos. O talento para a disciplina foi descoberto ainda na adolescência por uma de suas professoras no Colégio de Aplicação (CAP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Ela conhecia um professor do Fundão [campus da UFRJ na zona norte carioca] e me apresentou a ele, que me chamou para fazer alguns cursos quando ainda estava na oitava série [do Ensino Fundamental]. Quando acabou, me chamaram para fazer o mestrado”, relembra.

Gripp não pestanejou. Aceitou o desafio e mudou de colégio — cursou o Ensino Médio no Pensi —, ao mesmo tempo em que fazia o mestrado na UFRJ. Para fins burocráticos, passou no vestibular para o bacharelado em Matemática, concluído em tempo recorde: um ano.

“Por ter feito o mestrado antes, consegui puxar a equivalência da maioria das matérias, então terminei rapidinho e fui direto para o doutorado”, conta.
Em apenas três anos, Gripp concluiu o Ensino Médio, o mestrado e o bacharelado em Matemática, ficando apto para alçar voos ainda mais altos. Com 19 anos, fez as malas e mudou-se para os Estados Unidos com objetivo de fazer o doutorado na Universidade da Califórnia (Berkeley).

A mudança de ares fez toda a diferença para o jovem pesquisador nos aspectos culturais e intelectuais.

“O Brasil, apesar de muito heterogêneo em termos de raças e gastronomia, é um lugar muito homogêneo em relação às coisas culturais. Aqui todo mundo faz tudo da mesma forma. Ninguém questiona ou faz as coisas de maneira diferente. Isso foi um choque positivo muito grande para mim.”

Não bastasse o impacto cultural, Gripp destaca a efervescência acadêmica de Berkeley, um dos maiores centros de Matemática do planeta. “Tem muitos seminários. Você é exposto a quase tudo o que acontece matematicamente no mundo”.

Na opinião do matemático, o Brasil fica à margem disso. “O IMPA e outras universidades brasileiras têm pesquisas de alto nível em algumas áreas, mas há uma rotatividade muito mais baixa de pessoas, ou seja, os bons pesquisadores da área x estão ali, mas os bons pesquisadores da área y nem passam por aqui. Enquanto em Berkeley há pessoas circulando numa rotatividade muito grande.”

Acostumado ao clima quente do Rio, Gripp relata ter passado apertos com as baixas temperaturas e a escassez de transporte público na pacata Berkeley, fazendo-o sentir “saudades” do sistema de ônibus carioca.

“Não que o transporte público no Rio seja bom e eficiente, mas ele é existente. No Rio você tem muito ônibus e é fácil se locomover de transporte público. Mesmo com todos os problemas, você chega a qualquer parte da cidade de transporte público. Isso não é realidade nos EUA”. Para driblar esses “perrengues” longe de casa, ele adotou a bicicleta como aliada nos deslocamentos pela cidade.

A situação mudou quando foi à França fazer o pós-doutorado na Universidade de Nantes. Acostumado com o frio, tirou de letra a experiência europeia de sua formação acadêmica, ainda mais por não conviver sob a pressão da competição acirrada de seus pares, como acontecia nos EUA.
Gripp compara a experiência dos mundos acadêmicos em Berkeley, Nantes e Rio de Janeiro. Vê pontos positivos em todos eles, mas destaca os ambientes brasileiro e francês, onde “a Matemática é menos competitiva” e onde “há mais colaboração”.

“Como Berkeley é uma universidade que está no topo do mundo da Matemática, o ambiente é muito competitivo. As pessoas trabalham muito. Então, você sente que só é um ser humano e que vale a pena se trabalhar todo dia das 8h às 22h e nos fins de semana. Se não está trabalhando, sente que tem alguém na sala ao lado que está te ultrapassando. No Brasil, as pessoas trabalham e sabem que o trabalho é uma das coisas da vida, não a única coisa.”

Um quê de intuição

Especialista em Geometria Simplética — ramo da Geometria diferencial com raízes na formação geométrica da mecânica clássica do século 19 —, o pesquisador hesita em dizer que, por se tratar de Matemática Pura, sua área de atuação, “não serve para nada”, como afirmam alguns colegas.
“O objetivo da Matemática não é servir para alguma coisa, mas provar que alguma coisa é verdadeira”, rebate.
Como bom matemático puro, Gripp encontra aplicabilidades em sua área de atuação. “A Geometria Simplética tem muito a ver com a física e a mecânica clássicas. Uma de suas aplicações é a teoria da gravidade.”

Para exemplificar, o matemático conta que a área em que atua é a que melhor se adapta à resolução de problemas de mecânica céleres, como o famoso problema dos três corpos.
“Pense na Terra, na Lua e em um satélite. Qual é o movimento do satélite em relação à Terra e à Lua? Será que esse satélite alguma hora pode escapar da órbita da Terra e nunca mais voltar? Vai depender de uma série de fatores. Como você analisa esse sistema é uma pergunta complicada. Talvez essa seja uma das melhores aplicações da Geometria Simplética hoje. Entender o problema dos três corpos.”

Pesquisador ávido, Gripp defende que a escolha de temas não difere muito do que acontece em outras áreas. Ou seja, quanto mais se aprende sobre o assunto, mais questões específicas e adjacentes vão surgindo. Mas reconhece o quanto essas questões podem ser difíceis de explicar, por tratarem-se de uma disciplina abstrata. “Existem perguntas abertas fáceis de serem feitas, como a Conjectura de Goldbach, compreensível até para uma criança de 12 anos, mas que até hoje segue sem resposta. Não sabemos se é verdadeira ou falsa. Basicamente, um problema matemático é uma pergunta que ainda não têm solução.”

Para o pesquisador do IMPA, a resolução de questões matemáticas depende exclusivamente da percepção do profissional. Não basta apenas fazer questionamentos, contas e testes. Para demonstrar um resultado, é essencial ter uma conjectura sobre o assunto.

“Matemática é muita intuição. A partir do momento em que você faz uma pergunta da qual não sabe a resposta, tem que ter criatividade, pensar fora da caixa.”
De acordo com Gripp, para ter sucesso um pesquisador precisa pensar “fora da caixa” e só então se tornar metódico e aplicar as leis matemáticas que, a seu ver, são mais rigorosas que a de outras ciências.

“O método científico não funciona na Matemática porque nela você tem de provar usando argumentos admissíveis. Diferentemente da ciência, onde conforme novas coisas são descobertas elas vão sendo testadas. Na matemática não é assim. O que Euclides comprovou há mais de 2.000 anos continua sendo verdade. Não há questionamentos sobre coisas antigas. São pouquíssimas as instâncias matemáticas em que houve um paradoxo em que foi mudado algo. A Matemática vai se construindo [ao longo da história]. Ela nunca se contradiz”, conclui.