'Matemática pode contribuir para qualquer área', diz Viana
Com o desenvolvimento da ciência de dados e da inteligência artificial, a era da informação evidenciou ainda mais o valor da matemática para o setor industrial e empresarial. Mas esta interação, reconhecidamente enriquecedora para ambos os lados, vem de muito antes do desenvolvimento destas tecnologias. No webinar “Matemática para Empresas”, realizado nesta segunda-feira (15) pelo IMPA, pesquisadores apresentaram um panorama sobre como esta relação vem avançando no Brasil e no mundo.
A transmissão marcou a comemoração do instituto para o Dia Internacional da Matemática, celebrado em 14 de março, e contou com mais de 180 espectadores. Participaram do webinar o diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, o pesquisador Paulo Orenstein (IMPA) e a matemática Claudia Sagastizábal, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, e pesquisadora do CeMEAI (Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria).
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Com ampla experiência na matemática aplicada, Claudia destacou que apesar de a aplicação de ferramentas da disciplina em problemas industriais ser cada vez maior, no Brasil, este espaço costuma ser majoritariamente ocupado por engenheiros. A dificuldade na comunicação entre profissionais da academia e do mercado pode ser um dos motivos para isso, apontou.
“Trabalhar em problemas da matemática industrial te obriga a ter mais agilidade na cabeça, entender conceitos aos quais não estamos tão acostumados na matemática e a ter uma visão um pouco mais panorâmica da situação. Tentar dar uma solução que seja satisfatória para você”, relatou. Versatilidade, multidisciplinaridade e “aprender a ouvir” são alguns dos pré-requisitos valiosos para os matemáticos que queiram atuar na área, elencou Claudia.
Alinhado a estas demandas, o IMPA está comprometido a formar mais profissionais neste perfil, ressaltou Viana. Com o objetivo de capacitar matemáticos para atuação aplicada e contribuir com soluções eficientes para as empresas, consolidando este diálogo, o IMPA está criando o Centro de Inovação em matemática aplicada à indústria. “É uma estrutura que vai se somar aos laboratórios aplicados do IMPA para realizar parcerias técnicas com empresas e capacitar profissionais. Um ponto extremamente importante, porque o Brasil é muito carente em pessoas que tenham proficiência para usar a matemática em seu ambiente de trabalho”, explicou o diretor-geral do instituto.
Para Viana, a relação entre a matemática e a indústria é uma via de mão dupla. “A interação irriga e fertiliza a nossa pesquisa, nos ajuda a diversificar-lá, trazendo novos problemas que têm o charme de serem reais.” O diretor-geral também ressaltou o aumento no interesse dos alunos do IMPA em trabalhar em problemas do mercado. “Temos experiências muito positivas neste aspecto, inclusive levando oportunidades profissionais aos alunos que se envolvem e realmente contribuem nestas parcerias técnicas.”
Com base na trajetória do instituto, Viana acredita que o potencial do IMPA para colaboração nestas áreas é enorme. “Tenho uma visão extremamente imperialista da matemática: ela pode contribuir em qualquer área. O IMPA tem histórico de colaboração na área de energia, petróleo e gás, que pode crescer ainda mais. Com o crescimento da tecnologia da informação, temos todo um universo de domínios nos quais podemos dar uma contribuição cada vez maior.”
Há pouco mais de um ano como pesquisador do instituto, Orenstein já teve a oportunidade de participar de algumas das colaborações do IMPA ao setor produtivo, inclusive com o poder público. No ano passado, o especialista em probabilidade trabalhou em um estudo técnico para ajudar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a definir horários das votações das eleições municipais que minimizem a propagação da Covid-19 entre mesários e eleitores.
“Este projeto do TSE é um exemplo, em um certo sentido ‘suspeito’ para um matemático, de tentar entender como as filas de eleitores se comportam em uma eleição como a do ano passado, como a gente modela o coronavírus, como a gente se protege do coronavírus. Tudo isto é estocástica”, lembrou.
Graduado em economia, o pesquisador contou que sua trajetória profissional, assim como a da maioria dos matemáticos aplicados, é pouco convencional. Na escolha do doutorado, Orenstein optou pela estatística por causa da variedade de aplicações da área. “A aleatoriedade é uma coisa que vem do mundo, e a estatística te dá a técnica para tentar resolver estes problemas. […] Uma coisa muito bacana deste campo é que você tem um problema enorme de desafios, tanto do mundo real quanto teórico”, relatou.
Sua experiência profissional confirma isto. O pesquisador trabalhou com previsões climáticas no Google e com realidade virtual e aumentada no Facebook, além de projetos em ecologia. “Obviamente não sou ‘expert’ em nenhum destes campos. Mas as ferramentas que você aprende são abstratas e se aplicam a tantos lugares diferentes, que uma das vantagens é você terminar em uma formação que você pode ir para o setor de energia, medicina, transportes ou até tentando provar teoremas ergódicos.
Com uma intensa participação dos espectadores no chat, os pesquisadores responderam diversas questões na parte final do evento que está disponível na íntegra no YouTube do IMPA.
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