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22/10/2019

André Nachbin e a Matemática das ondas do mar

Cecília Manzoni

Criado na zona sul do Rio de Janeiro, André Nachbin sempre foi um fiel espectador de um espetáculo protagonizado diariamente pela natureza. Na juventude, costumava carregar sua prancha para a praia do Arpoador ou para o extinto píer, em Ipanema, e assistir aos grandes nomes do surfe carioca deslizarem pelas paredes de água. À época, o fenômeno o impressionava pela estética imponente e o movimento visualmente agradável de formação das ondas. 

Não por acaso, este foi um pontapé inicial para começar a estudar a formação das ondas. Pesquisador do IMPA há 25 anos, Nachbin atua na área de dinâmica de fluidos, desenvolvendo equações diferenciais com aplicações em propagação de ondas em ambientes de profundidade variável.

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Filho do pernambucano Leopoldo Nachbin (1922-1993), um dos fundadores do IMPA, ele conta que o gosto pela Matemática nunca foi uma imposição. A única exigência do pai era que fosse um bom aluno. 

“A influência do meu pai veio de duas maneiras. Primeiro, eu pude descobrir que essa carreira existe. Muitas pessoas não entendem o que faz um matemático, e eu tinha este exemplo em casa. Em segundo lugar, soube que era uma carreira interessante, na qual se viajava muito para colaborações, e esta ideia me atraía”, afirma.

Graduado em engenharia civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante boa parte da juventude Nachbin ainda não dispunha de “maturidade intelectual” para escolher um caminho profissional à seguir. Em meio à dúvidas, emendou a conclusão da graduação com um mestrado em engenharia civil na mesma instituição. 

“Decidi fazer o mestrado para adiar a entrada no mercado, já que não sabia muito bem em qual área eu gostaria de trabalhar. Era uma oportunidade de aprimorar o meu currículo para conseguir uma oportunidade de emprego melhor depois. Durante a graduação cheguei até a me matricular também em Arquitetura, que cursei por um ano”, relata.

Com o título de mestre em mãos, ele estava determinado a cursar o doutorado em engenharia em uma universidade no País de Gales. Quando não conseguiu bolsa do Brasil, repensou seus planos e avaliou a sugestão de Marco Antonio Raupp, à época seu chefe, que o recomendou o doutorado em Matemática na Universidade de Nova Iorque. “Esse foi o único momento da minha vida em que senti meu pai meio ‘alegre demais’, com a possibilidade de eu me tornar um matemático. Uma espécie de ‘pressão’ muito sutil”, brinca.

O estudante pelejou durante o primeiro ano do doutorado. Faltava à Nachbin uma bagagem de Matemática abstrata, como do curso de análise na reta, que o mestrado em engenharia não supria. “Fui com uma base péssima. Meu primeiro ano foi um pesadelo. Nunca estudei tanto na minha vida. Pensei até em desistir”.

Com o tempo, as adversidades foram neutralizadas. Em conversas com o professor George C. Papanicolaou, que viria a ser seu orientador, André começou a se aproximar da área de propagação de ondas, tema que desenvolve até hoje. “Pelo menos nesse quesito, posso me vangloriar de que tive faro para identificar a pessoa certa com a qual deveria trabalhar. George é um professor exigente, tanto consigo mesmo quanto com os alunos, mas que me fez crescer muito.”

Acostumado ao estilo de vida americano, onde nasceu e passou muitos verões na infância, Nachbin decidiu ficar nos Estados Unidos para o pós-doutorado na Universidade de Ohio. “O Brasil vivia a hiperinflação e era um momento de muita incerteza para o mercado e para a pesquisa. Fui aconselhado a não voltar naquele momento e acabei aceitando”, explica. 

A mudança de Nova Iorque para Ohio foi sentida. A vida social era mais pacata na cidade do centro-oeste americano. Para se distrair, André jogava futebol. “O esporte me desestressava”, diz. Antes da volta para o Brasil, foi professor assistente do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey. 

O convite para integrar o corpo de pesquisadores do IMPA veio em 1993 através de Jacob Palis e Dan Machesin, durante uma visita de André ao pai, que estava doente. “Quando falei da possibilidade de me tornar pesquisador do IMPA  meu pai ficou muito entusiasmado com a notícia, foi super receptivo e alegre.”

André Nachbin foi membro do corpo editorial de três importantes periódicos de ciência: Journal of Mathematics in Industry, Computational & Applied Mathematics e SIAM Journal on Applied Mathematics. No IMPA, atua também como gerente de planejamento e projetos. 

Em abril deste ano, um artigo que escreveu em colaboração com o pesquisador do IMPA Alexei Mailybaev foi capa da revista científica “Journal of Fluid Mechanics”, da Universidade de Cambridge. Em “Explosive ripple instability due to incipient wave breaking”, a dupla explica o mecanismo justamente anterior à formação do “véu” de pequenas gotas e bolhas que se forma quando uma onda começa a quebrar no mar.

Recentemente, o matemático foi eleito para o cargo de diretor em um programa de atividades científicas do SIAM Journal on Applied Mathematics, se tornando o responsável pela Conference on Nonlinear Waves and Coherent Structures, que será sediada em Brémen, Alemanha, em 2020. “Pensei que a nova função fosse me dar muito trabalho, mas surpreendentemente o processo está sendo muito prazeroso”, conta.

Para o professor, uma das melhores partes do trabalho é a interação com os alunos que orienta na pós-graduação. “O IMPA tem alunos de alta qualidade, e estamos sempre trabalhando em problemas que ainda não apresentam uma solução. Essa interação é muito positiva, e frequentemente, estes alunos se tornam colaboradores.”

Olhando para o futuro da Matemática no Brasil, Nachbin deseja mais espaço para a área aplicada. “Atualmente, a Matemática Pura no Brasil está mais madura do que a Matemática Aplicada, tanto que ela está no nível mais alto da Matemática mundial, o que é um orgulho para todos nós. Estrategicamente falando, é um erro ter preconceito com qualquer que seja a área, porque é necessário fortalecer a Matemática como um todo. Mas isso leva tempo, é natural”, conclui.

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