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28/11/2019

Para Luiz Henrique, ‘matemática é um universo inesgotável’

Cecília Manzoni

Nada passa despercebido aos olhos do matemático Luiz Henrique de Figueiredo. Do movimento aparentemente banal de afastar e aproximar do zoom no texto da tela de computador, por exemplo, é possível extrair instigantes operações matemáticas. Se para leigos a imagem dos caracteres aumenta com o toque mágico de um clique, para o pesquisador do IMPA este é um fenômeno que tem mais ciência do que magia.  “Para que a letra apareça ampliada o computador tem de recalcular seu desenho, utilizando fórmulas que descrevem cada uma de suas curvas”, conta, entusiasmado.

Pesquisador do instituto desde 2001 e primeiro aluno de doutorado do Visgraf (Laboratório de Computação Gráfica do IMPA), Luiz Henrique atua na área de computação gráfica e matemática computacional, com enfoque em métodos numéricos rigorosos. É um dos criadores da linguagem de programação Lua, usada internacionalmente por softwares complexos.

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Mais precisamente, sua pesquisa é em métodos robustos e adaptativos para solução de problemas em computação gráfica e modelagem geométrica com o uso de computadores para provar propriedades de curvas e superfícies. Geralmente, isso é feito resolvendo equações em várias variáveis, e as principais ferramentas usadas são métodos computacionais intervalares, usando aritmética intervalar e aritmética afim.

O gosto pela matemática começou cedo, nas aulas de álgebra e desenho geométrico de Gilson Puppin, Jacques Chambriard e Edmar Mattos no Colégio Santo Inácio, em Botafogo, Rio de Janeiro. “Quando comecei a desvendar este universo, nada mais me interessou. Passava em sebos no centro da cidade e comprava livros universitários. Só queria saber de matemática.”

Por desconhecer a profissão, Luiz Henrique optou pelo curso de engenharia na graduação. Após algumas semanas frequentando a PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), foi arrebatado pelas aulas de cálculo do professor Geovan Tavares, migrando para o departamento de matemática da universidade.

Depois de passar longas madrugadas brincando com um computador modelo IBM 370 disponível na universidade, inscreveu-se nas aulas de computação. No início dos anos 80, a área de estudo ainda era incipiente na comunidade matemática brasileira. “Usava o computador principalmente para criar desenhos e fazer contas. Imprimia letrinhas uma em cima da outra para criar tons de cinza. Não tinha nem monitor ainda, usávamos cartões”, lembra o pesquisador.

Foi também na universidade, em 1979, que Luiz Henrique estreou no Colóquio Brasileiro de Matemática. Notou os cartazes anunciando a 12ª edição do evento no campus da faculdade e, munido de curiosidade e interesse, partiu para Poços de Caldas sem conhecer ninguém. “Lá, conheci Elon (Lages Lima) e fiz alguns cursos de equações algébricas e topologia. Foi impressionante, não podia imaginar que existiam tantos matemáticos no Brasil”, aponta.

A experiência o motivou a participar de dois cursos de verão no IMPA ainda no casarão centenário na Rua Luiz de Camões, no Centro do Rio: Álgebra, com Yves Lequain, em 1980, e Análise, com Elon Lima, em 1981. “Ficava impressionado que em pleno verão no Rio grupos de 200 pessoas se reuniam para estudar matemática”, brinca o carioca. No mestrado na PUC-Rio, o matemático escolheu se aprofundar em teoria dos números, área da álgebra que estuda propriedades dos números em geral, em particular dos números inteiros.

A aproximação com a computação ganhou vigor durante o doutorado na Universidade de Cambridge (Inglaterra), no fim da década de 80.  “Como lá havia muitos computadores, comecei a tentar desenvolver uma pesquisa que tivesse uma interseção entre álgebra e computação. Mas não foi muito para frente”, diz o pesquisador.

A volta para o Brasil trouxe novos ares e projetos. Matriculou-se no doutorado no IMPA e logo em 1989 foi inaugurado o Visgraf. Decidido a aprofundar seus estudos na computação, mudou o rumo de sua pesquisa para a área, se tornando o primeiro aluno de doutorado do laboratório. Foi orientado por Jonas Gomes, fundador do Visgraf e hoje membro do Conselho de Administração do IMPA. 

“O clima era muito bacana. Estávamos todos juntos construindo o Visgraf, aprendendo a matemática relevante para a computação gráfica, tentando encontrar temas de pesquisa. A internet começava no Brasil, ajudamos a instalar aqui. Pude estudar geometria, que era o que eu queria estudar antes, usando computadores”, lembra o matemático. 

Lua 

Junto com Roberto Ierusalimschy e Waldemar Celes, do Tecgraf/PUC-Rio, criou, em 1993, a linguagem de programação Lua, um software livre de código aberto. Usada em jogos como “Angry Birds” e “World of Warcraft”, além de programas como o Adobe Photoshop Lightroom e no site da Wikipedia, Lua é única linguagem de programação de impacto desenvolvida fora do primeiro mundo, afirma Luiz Henrique.

Lua teve como primeiro cliente a Petrobras e começou a despontar nos Estados Unidos a partir de 1997. “Um dos desenvolvedores do jogo Grim Fandango anunciou, durante uma conferência, que estava usando nossa linguagem e a partir daí ganhamos aderência neste nicho”, disse Luiz. Para ele, uma das grandes vantagens da linguagem é que pode ser programada mesmo por pessoas que não são profissionais da área, além de ser facilmente acoplada a programas já existentes.

No ambiente aberto do IMPA, Luiz Henrique afirma que pode fazer o que gosta: matemática, computação e “imagens bonitas”. Junto aos seus alunos de mestrado e doutorado, busca resposta para questões não solucionadas nestas áreas.

“A matemática é multifacetada, existem várias abordagens para ela. É um universo inesgotável e acessível em todos os níveis. Não é preciso ser doutor em Matemática para desfrutar dela. É possível ter prazer com ela em todos os níveis: na escola, na universidade, não sendo matemático profissional. Se você sabe um pouco de matemática, várias coisas da vida se tornam mais interessantes”, conclui.

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