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26/02/2020

O legado pioneiro de Katherine Johnson, matemática da Nasa

Foto: Nasa

“O senhor me diz quando e onde quer que aterrisse [a nave], e eu lhe direi onde, quando e como lançá-la”, disse em uma ocasião a cientista Katherine Johnson. A matemática negra que ajudou o homem a chegar à lua morreu nesta segunda-feira (24), informou a Nasa. Ela tinha 101 anos, e foi “uma heroína americana”, afirmou o administrador da agência espacial americana, Jim Bridenstine, no Twitter, acrescentando ainda que seu legado jamais será esquecido.

Integrante do Centro de Pesquisas Langley (Hampton, Virgínia, EUA) da NASA, Katherine precisava de pouco mais que um lápis, uma régua de cálculo, papel quadriculado e uma caneta para medir trajetórias precisas dos primeiros lançamentos espaciais. Além de ter sido fundamental na aterrissagem de Apolo 11 na lua e no seu retorno à Terra, seus cálculos já haviam ajudado a planejar o voo suborbital de Alan B. Shepard Jr., que se tornou o primeiro americano no espaço com a decolagem da espaçonave Mercury em 1961.

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Quando a Nasa começou a usar computadores para a missão na qual o astronauta John Glenn orbitou a Terra pela primeira vez, em 1962, Katherine foi consultada para verificar os cálculos da máquina. “Se ela diz que são bons, então estou pronto para ir”, disse o astronauta, como lembra Katherine em depoimentos reunidos no site da Nasa.

Nos anos 1960, “os computadores usavam saias”, afirmava a matemática. À época, as centenas de mulheres que trabalhavam na agência especial tinham pouco reconhecimento. A situação era ainda pior para Katherine e outras mulheres negras, que além de serem marginalizada por causa do sexo também sofriam discriminação pela cor da pele. 

As leis de segregação racial estavam em vigor nos Estados Unidos e as mulheres negras que trabalhavam como “computadores” eram submetidas a uma dupla segregação. Tinham escritórios, restaurantes e banheiros distintos dos outros matemáticos na Nasa. As mulheres brancas, por sua vez, foram segregadas dos matemáticos e engenheiros da agência.

A história do grupo de matemáticas negras da Nasa que alavancou os Estados Unidos na corrida espacial durante a Guerra Fria foi contada no filme “Estrelas além do tempo” (“Hidden Figures”), de 2016, baseado no livro biográfico de Margot Lee Shetterly com o mesmo título. Interpretada pela a atriz Taraji P. Henson, Katherine foi a figura central do filme. Octavia Spencer e Janelle Monáe representaram suas colegas da vida real Dorothy Vaughan e Mary Jackson.

O longa foi indicado a três Oscars, incluindo Melhor Filme. Embora não tenha vencido, Johnson, à época com 98 anos, foi aplaudida de pé quando apareceu no palco com o elenco na cerimônia da premiação, em fevereiro.

Filha de um fazendeiro e uma professora, a matemática nasceu em 26 de agosto de 1918 em White Sulphur Springs (Virgínia, EUA). Seu brilhantismo era evidente desde cedo: aos dez anos, já cursava o ensino médio. Entrou para a Universidade Estadual de West Virginia aos 14 anos, onde se graduou em Matemática e Francês com honras máximas. Em 1937 começou a dar aula em uma escola pública para negros.

Quando um parente lhe disse que havia vagas na seção de computação da ala oeste (onde trabalhavam os afro-americanos) do Laboratório Langley da Naca – a agência que antecedeu a Nasa – não pensou duas vezes e se mudou com seu marido para Hampton, na Virgínia. Obstinada, se recusou a limitar seu trabalho aos cálculos e pedia para participar de reuniões com os engenheiros, algo inédito para uma mulher e afro-americana.

A matemática trabalhou no centro Langley até 1986, participando de diversos projetos e sendo autora e coautora de mais de 20 estudos científicos. Reconhecendo o valor de sua carreira, o então presidente americano Barack Obama lhe homenageou, em 2015, com a Medalha da Liberdade, condecoração civil mais importante do país. “Katherine G. Johnson se recusou a ser limitada pelas expectativas da sociedade em relação a seu gênero e raça, ao expandir os limites do alcance da humanidade”, disse Obama em seu discurso. O Centro de Pesquisa Computacional Katherine G. Johnson da Nasa também foi batizado em sua homenagem.

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