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06/05/2021

Julio Cesar de Mello, um comunicador matemático

Luiza Barata

Se fosse escrever um livro sobre o avô Julio Cesar de Mello, Andre Pereira poderia dar o título “O homem que comunica a matemática” à obra. Talvez você não conheça Julio Cesar pelo nome, mas se já ouviu falar em Malba Tahan e no clássico “O homem que calculava”, sabe de quem estamos falando. Nesta quinta-feira (6), data em que seria o aniversário de Julio Cesar, é celebrado o Dia Nacional da Matemática. 

Pereira teve o privilégio não só de ler essas histórias, mas de conhecê-las de perto. “Meu avô comunicava a matemática. E continua vivo, de certo modo, comunicando a disciplina por meio dos livros. Há exemplares espalhados de livros dele por todo o mundo”, afirma. Julio Cesar era uma figura simples: não tinha carteira e era completamente desprendido de bens materiais. “Quando precisava comprar algo, levava o dinheiro no bolso. Geralmente, gastava com coisas que lhe davam prazer como presunto, bombas de chocolate, mil folhas. A preocupação dele era escrever, dar palestras, responder correspondências, divulgar a importância da educação e da matemática para todos.”

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Em Caxambu, cidade ao sul de Minas Gerais para onde levava Pereira na infância, Julio Cesar era parado nas ruas para autografar livros. “A imaginação dele ia muito além do que via. E tudo isso acontecia em um tempo muito anterior à Internet. Imagine hoje em dia o alcance que meu avô teria com acesso ao Skype ou WhatsApp, por exemplo!”

Foto: Entre tantas outras lembranças, Andre tem a capa do livro do avô emoldurada/ Arquivo pessoal

Julio Cesar nasceu em 6 de maio de 1895, no Rio de Janeiro. Desde cedo, se interessava por literatura e, seguindo a vocação da mãe e de sete dos oito irmãos, tornou-se professor pela Escola Normal. Graduou-se em engenharia pela Escola Nacional e, em 1925, se lançou aos leitores como ficaria conhecido pela eternidade. Nascia ali Malba Tahan, muito mais que um mero pseudônimo, mas o nome resultante da construção de um personagem. 

Para isso, foi preciso que Julio Cesar incorporasse a língua e cultura árabes, sem ter saído da América Latina, e criasse uma biografia que convencesse leitores e editoras de que Malba Tahan existia, de fato. A criação rendeu a publicação de livros como “Amor de Beduíno”, “Céu de Allah” e o mais famoso, “O homem que calculava”. 

“Beremiz Samir é o personagem principal da história. Ele é a figura que faz os cálculos, mesmo sem qualquer estudo universitário. Beremiz não é filho das elites. É filho do povo, é o atual vendedor de laranjas do sinal. E a matemática é parte do dia a dia: ele resolve os problemas, até então insolúveis, com muita sensibilidade e ética. Isso moralmente é uma lição de vida”, destaca Pereira.

Com carinho, o neto lembra dos dias que passou na companhia do matemático na Gávea, na zona sul do Rio, em uma casa de dois andares, com mangueira, jaqueira e um grande quintal. “Meu avô e minha avó Nair moravam na rua Arthur Araripe, em um casarão. Era um lugar com cara de casa de ‘vó’ mesmo.” A residência também era o palco para aniversários e reuniões de família. “Mas ele fugia daqueles papos que costumavam acontecer depois do almoço com uma célebre frase. Dizia que precisava continuar lendo a descrição da Catedral de Santa Sofia, atividade que nunca chegava ao fim”, diverte-se Pereira.  

Depois de sua morte, em 1974, a família do matemático se deparou com materiais do autor que também ficaram inacabados. “Tinha pilhas de coisas, cartas que tinha começado a responder e livros que não conseguiu terminar. O que estava em cima da mesa, não jogamos fora, fomos juntando ao que seria o acervo dele.” Desde 2010, 215 caixas-arquivos com documentos do matemático foram doadas pela família ao Centro de Memória da Educação (CME) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Além das boas lembranças, Pereira herdou também a coleção de objetos no formato de sapos, animal favorito de Julio Cesar, e a inspiração para seguir no caminho acadêmico. Ele é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e responsável pelo site de Malba Tahan. “Assim como meu avô, me alimento de livros. E para onde viajo, sempre vou às livrarias ver se ainda vendem ‘O homem que calculava’. Os exemplares estão sempre nas prateleiras”, celebra. 

Os discípulos de Malba Tahan

Os ensinamentos de Malba Tahan inspiram pessoas de diferentes idades e etapas da vida. “Em programas de mestrado e doutorado voltados para a educação, há muitas pessoas que se dedicam a pesquisar sobre a obra de meu avô enquanto figura que atuou para popularizar o ensino da matemática. E que se emocionam ao desvendar a trajetória dele”, aponta Pereira.  

Foto: Medalhista da OBMEP, Julio Cesar Nascimento aprendeu com o livro que pode resolver problemas/ Arquivo pessoal

Homônimo do autor e apaixonado pelo mundo dos números e literatura, Julio Cesar Nascimento conheceu Malba Tahan no início deste ano. Aos 13 anos, o medalhista da OBMEP de Quixabá, município divisa de Pernambuco com a Paraíba, aprendeu com o livro que problemas, sejam eles matemáticos ou não, podem ser resolvidos de várias formas. 

“O calculista mostra que existem vários caminhos diferentes para resolvermos algo. Alguns podem ser mais simples que outros. E, às vezes, quando um problema aparece, vamos precisar resolver com aquilo que sabemos e que temos disponível. Nem sempre teremos uma calculadora para ajudar”, afirma. 

Julia Jaccoud, formada em matemática pela USP e conhecida como “Matemaníaca” nas redes sociais, lembra das salas do Instituto de Matemática e Estatísticas lotadas no evento que chamavam de “Virada Malba Tahan”. “Assim como muitos matemáticos, ‘O homem que calculava’ também está entre meus livros favoritos. Mas a cena que mais me marcou foi quando vi as ideias de Malba Tahan acontecendo na prática.”

Ela era uma das monitoras do evento que recebia centenas de alunos de escolas vizinhas à universidade para celebrar o Dia Nacional da Matemática com palestras, mesas redondas e salas de problemas. “Era uma grande festa onde víamos as crianças se divertindo com a matemática. É fantástico sabermos que um matemático brasileiro nos deixou tantos ensinamentos como legado.” 

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