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04/04/2023

‘A matemática é um grande comboio’, diz João Pereira

Foi aos 13 anos, durante o 7º ano do Ensino Fundamental, na cidade de Leiria, em Portugal, que o pesquisador do IMPA João Pereira, começou a estreitar sua relação com a matemática. Na época, o jovem dedicou-se a provar o Teorema de Pitágoras, uma expressão matemática que relaciona os lados de um triângulo retângulo chamados de catetos e hipotenusa. A motivação para explicar o teorema partiu de uma informação equivocada que recebeu do pai. 

“Perguntei o que era um teorema, que nada mais é do que um resultado matemático, mas na época, meu pai disse que era um resultado que todo mundo achava que era verdade, mas ninguém havia provado. Achei isso muito interessante e fui tentar empreender um teorema. Trabalhei nele e encontrei uma prova. Fiquei todo contente e só mais tarde soube que não descobri nada novo. O teorema já tinha mais de 1.000 provas”, recordou-se aos risos.

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Apesar do equívoco, o pai de João mantinha uma boa relação com a disciplina. Inclusive, mais jovem, ele chegou a ser finalista em uma das olimpíadas de matemática de Portugal – o que inspirou o filho a também se aventurar na competição. “Se meu pai conseguiu, eu também consigo”, pensou o estudante.

João nem imaginava que se tornaria um profissional na área de matemática aplicada, muito menos o primeiro pesquisador contratado para uma vaga de matemática industrial no IMPA – instituto a mais de 7,4 mil km de Portugal.

Na ocasião, a preocupação era repetir o feito do pai – objetivo que foi alcançado com sucesso em diferentes competições científicas. Em 2006, no 9º ano do Ensino Fundamental, ele foi medalhista de prata na olimpíada portuguesa e, posteriormente, medalhista de ouro.  O resultado levou o estudante a ser convidado a participar do Delfos – um projeto português dedicado a alunos com aptidão para matemática e à resolução de questões complexas. 

Em 2009, já no Ensino Médio, o jovem conquistou ainda uma  medalha de bronze na IMO (Olimpíada Internacional de Matemática). 

Pesquisador adjunto do IMPA, desde junho de 2022, João, de 31 anos, lembra-se que a participação do Delfos foi decisiva na escolha da matemática como carreira.  

“Se não fosse esse programa, não teria feito matemática. Na escola, aprendemos muitas fórmulas e neste programa, aprendemos a fazer uma matemática diferente. Foi um projeto que me ensinou muito. Vários matemáticos [portugueses] bem sucedidos também passaram pelo Delfos. É um trabalho muito importante, que melhorou bastante os resultados de Portugal nas olimpíadas.”

Na ocasião, o pesquisador contou com o incentivo dos pais para permanecer no Delfos. “O projeto ensina matemática avançada. Lembro das primeiras edições. No início, é muito difícil acompanhar essas aulas, ficava bastante confuso, as primeiras vezes foram muito complicadas e lembro dos meus pais me incentivando: ‘continua, vai te fazer muito bem’ e fez.”

Passagens pelo IMPA

Foi através da olimpíada de matemática que João teve a primeira oportunidade de conhecer o IMPA. Em 2012, quando ainda era aluno do Ensino Médio, a equipe portuguesa de matemática recebeu um convite para estudar junto ao grupo brasileiro, liderado pelo instituto.

“Foi minha primeira vez no Brasil. Passamos uma semana no Rio de Janeiro e lembro do Gugu [Carlos Gustavo Moreira, pesquisador titular do IMPA] dando aula de corpos. Lembro também de ter conhecido a Tábata Amaral, antes de ser a figura que é hoje [deputada federal; medalhista da OBMEP].”

A aplicação para o instituto ocorreria somente 13 anos mais tarde. Até chegar ao Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, João Pereira se tornou bacharel em matemática pela Universidade de Coimbra e concluiu o mestrado pela mesma universidade, em Portugal. Já o doutorado foi pela Universidade de Princeton, onde foi orientado por Emmanuel Abbe e Amit Singer. No pós-doutorado, o pesquisador trabalhou com Vahid Tarokh, na Universidade de Duke, e com Joe Kileel e Rachel Ward, na Universidade do Texas em Austin. 

Foi também nos Estados Unidos que João conheceu a esposa, uma advogada brasileira, que na época fazia um intercâmbio.  Os dois se casaram em 2016 e tiveram uma filha, hoje, com 3 aninhos. A nova família foi um incentivo a mais para que o matemático aplicasse para uma vaga de pesquisador no IMPA. 

“O IMPA era o único instituto que estava contratando mesmo na pandemia [de covid-19]. Conhecia o instituto não só por organizar as olimpíadas de matemática, mas por reconhecer o local como muito avançado em matemática, fazendo do Brasil um país muito forte na área.” 

O trabalho no Brasil  

Primeiro pesquisador a ser contratado para uma vaga de matemática aplicada industrial, João Pereira equipara a matemática a um grande comboio, ou seja, a um trem, como se diz em Portugal. Segundo ele, o mais importante para seguir na disciplina é não descarrilhar. 

“A matemática é um comboio. Por exemplo, se não entendemos muito bem a Grécia Antiga, isso não nos impede de entendermos a História Moderna. Na matemática não é assim. Se não soubermos variáveis, não vamos conseguir resolver sistemas; se não soubermos resolver sistemas, não vamos aprender a solucionar equações diferenciais. Se deixamos de aprender um tópico, comprometemos todo o aprendizado – o que não acontece tanto em outras áreas.”

Depois de oito anos nos EUA, o matemático chegou ao IMPA, no ano passado. Ele integra a equipe do Centro Pi (Centro de Projetos e Inovação IMPA), que tem como um dos objetivos intensificar a transferência de conhecimento para o setor produtivo nacional. “A ideia é ajudar o Centro Pi a crescer”, destacou.

No Centro Pi, o pesquisador, com formação na área de aprendizado de máquinas, álgebra multilinear e teoria da informação, está participando do desenvolvimento de uma solução para o Hurb – maior agência de viagens online com sede no Brasil. O objetivo é criar um algoritmo capaz de melhorar o sistema de precificação de pacotes de viagens oferecidos pela empresa. 

“Temos ideias bem legais para tratar o problema, acho que vamos conseguir algo bastante interessante, um produto acabado para o Hurb como a teoria de aplicação”, concluiu o pesquisador.

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