A herança matemática da Universidade de Göttingen
Fundada entre 1150 e 1200 d.C., na Baixa Saxônia, região central da Alemanha, Göttingen é uma pequena cidade, mas com uma história grandiosa, especialmente no que diz respeito à Matemática.
A cidade universitária, reduto de especialistas como Gauss, Riemann, Hilbert e Noether — só para citar alguns dos mais renomados —, foi por um bom tempo um dos centros mais produtivos da Matemática mundial. Seu destino se transformou com o surgimento do nacional-socialismo, a base do partido nazista, no início do século 20.
Se por um lado a ascensão de Göttingen à primazia matemática ocorreu ao longo de gerações, sua queda foi rápida. Em menos de uma década, viu as principais estrelas “convidadas” a deixar a Alemanha no início dos anos 1930, por questões políticas.
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O expurgo nazista que levou as melhores mentes da Universidade de Göttingen para o exterior acabou por transferir seu legado matemático para universidades americanas e britânicas, que hoje dominam o cenário da pesquisa mundial.
De Gauss a Hilbert
Fundada em 1734, em pleno Iluminismo, os pesquisadores da Universidade de Göttingen tinham autonomia intelectual. Como tarefas, promoviam o conhecimento e realizavam pesquisas originais, em um ambiente de educação igualitária, onde ricos e pobres dividiam os mesmos bancos escolares e privilégios. A fórmula parece ter dado certo. No final do século 18, Göttingen já era um conhecido centro de ensino científico.
A boa reputação na Matemática só ganhou destaque entre 1795 e 1855, quando Carl Friedrich Gauss se tornou professor e fez importantes contribuições à ciência, com foco na álgebra e até na astronomia. A fama cresceu à medida que matemáticos de toda a Europa começaram a se reunir na cidade. Bernhard Riemann foi um deles. Aluno de Gauss e chefe do Departamento de Matemática em Göttingen (1859-1866), inventou a geometria Riemanniana, que cimentaria o caminho para o futuro trabalho do matemático e físico Albert Einstein sobre a Teoria da Relatividade.
Felix Klein, um dos fundadores do Congresso Internacional dos Matemáticos, foi outro expoente da cidade. Chefe do departamento de 1886 a 1913, descreveu com pioneirismo a garrafa de Klein, objeto tridimensional de apenas um lado, semelhante à famosa faixa de Moebius (símbolo do IMPA).
Klein foi fundamental na chegada da próxima geração de matemáticos de renome a Göttingen. Especialistas como Carl Runge, que ajudou a inventar componentes essenciais ao software de previsão climática mais preciso da atualidade, e David Hilbert.
Famoso por apresentar no ICM de Paris (1900) a lista de 23 problemas que guiaram a pesquisa matemática por todo o século 20, Hilbert foi um orientador destacado. Enquanto atuou como professor e chefe do Departamento de Matemática em Göttingen, orientou 76 estudantes de doutorado, muitos dos quais fizeram importantes descobertas, como Wilhelm Ackermann, Richard Courant e Hermann Weyl.
Desde os tempos de Gauss até o início dos anos 1930, a fase áurea da Matemática de Göttingen sobreviveu a períodos de intensa agitação política, como as Guerras Napoleônicas, a Guerra Franco-Prussiana e a 1ª Guerra Mundial. A derrocada veio com a onda nacionalista que acompanhou a ascensão dos nazistas ao poder.
A lei de 1933 tornou ilegal que não arianos, especificamente judeus, atuassem como professores e pesquisadores na Alemanha. Isso fechou as portas de Göttingen para muitos matemáticos de renome.
Emmy Noether, primeira professora de Matemática em Göttingen e tida por Einstein como a mulher mais importante da história da Matemática, teve de dar adeus em 1933. Passou a lecionar no Bryn Mawr College (EUA).
No mesmo ano, Richard Courant, um dos discípulos de Hilbert, seguiu o mesmo caminho e ajudou a fundar o principal instituto de Matemática Aplicada dos EUA, na Universidade de Nova York.
Hermann Weyl, aluno e sucessor de Hilbert como chefe de Matemática em Göttingen, encontrou um novo lar em Princeton (EUA), onde ajudou a transformar o Instituto de Estudos Avançados (IAS) em potência de pesquisa.
A perda desses profissionais enfraqueceu a Universidade de Göttingen. Foi David Hilbert, que se aposentou pouco antes da perseguição nazista, quem deu a verdadeira dimensão ao problema. Perguntado pelo ministro da Ciência se a Matemática de Göttingen havia sofrido com a partida dos judeus e amigos dos judeus, deu uma resposta curta:“Sofreu? Não sofreu, senhor ministro. Não existe mais!”.
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