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28/05/2020

Sandoel Vieira defende tese de doutorado na sexta-feira (29)

Se pudesse dar um conselho para o estudante que, no sétimo ano, começava a se encantar com os números, Sandoel Vieira diria: “tenha mais calma”. Mas talvez tenha sido a inquietação do menino de Cocal dos Alves, no Piauí, um dos fatores que deu a ele fôlego para encarar a carreira matemática. Ainda no início da adolescência, o matemático driblou problemas e participou da Olimpíada Brasileira de Matemática de Escolas Públicas (OBMEP), ajudando a tornar a competição popular na região.

Na próxima sexta-feira (29), o doutorando pelo IMPA defende a tese “Espectros de Markov e Lagrange” por videoconferência, sob orientação de Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira, o Gugu. A parceria pessoal e acadêmica entre os dois matemáticos teve início logo nos primeiros anos no instituto. “Gugu me mostrou um artigo sobre espectros e aquilo me chamou atenção. Era algo completamente novo para mim, mas acabei mergulhando na área.” O trabalho que será apresentado sobre os objetos relacionados com aproximações de números irracionais por racionais e a generalização destes em um contexto dinâmico, se divide em duas etapas.

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Na primeira delas, o estudo foca em algumas propriedades topológicas e fractais dos espectros de Markov e Lagrange dinâmicos. Na segunda parte do trabalho, o doutorando explora o conjunto de diferença entre os espectros de Markov e Lagrange clássicos ser ou não um conjunto fechado. “Provamos que tal conjunto não é fechado, mostrando que existe um ponto no espectro de Lagrange que é acumulado por uma sequência de pontos neste conjunto diferença”, observa.

Com a pandemia, Sandoel voltou à casa da família em Cocal dos Alves, e é de lá que vai fazer a defesa virtual. Na hora da apresentação, os pais, Francisca e Manoel, e os amigos estarão todos conectados, em frente a celulares e computadores para assisti-lo. “Presencial ou não, estou igualmente ansioso. Acho que quanto a isso, não fez diferença”, confessa bem humorado. “Meu orientador é uma figura. O Gugu é uma pessoa e tanto, e um matemático e tanto. Sempre esteve presente em todos os momentos. À distância não foi diferente.”

Do Ensino Fundamental ao mestrado, Sandoel também contou com professores de matemática que “foram pessoas que ensinavam muito mais do que os números, ensinavam como viver”. Antônio Cardoso do Amaral foi um deles. “Ele era um dos poucos professores de matemática em Cocal naquela época. O que me chamou a atenção foi que o professor Amaral levava problemas que não eram usuais de serem vistos para a sala de aula. Era uma experiência inovadora para todo mundo.”

A partir dali, Sandoel participou de seis edições da OBMEP e recebeu três medalhas de ouro e duas de bronze. O sucesso dele na competição e o trabalho do professor Amaral incentivaram outros jovens a participar. Mesmo com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, Cocal coleciona medalhas na olimpíada e é frequentemente destaque em reportagens sobre a evolução do ensino da matemática. A história de Sandoel na OBMEP, por exemplo, foi retratada num vídeo exibido no programa Conversa com Bial, da TV Globo.

“Meus pais não tiveram oportunidade de estudar, mas sempre apontaram para mim e para meus três irmãos que, independente do rumo que nós fôssemos tomar, a educação seria a saída. Hoje somos um matemático, uma bióloga e um estudante de psicologia. E nossa irmã mais nova está no colégio.”

Na Federal do Piauí, onde cursou matemática, foi orientado durante a graduação e mestrado pelo professor João Xavier, aprofundando os estudos em otimização, o que fez com que “as coisas se desenvolvessem da melhor forma possível”. Nos anos em que passou a se aperfeiçoar no conteúdo para além da matemática básica, Sandoel também veio ao Rio de Janeiro e conheceu o IMPA. Em 2014, participou do Curso de Verão, já com a intenção de retornar à cidade para cursar o doutorado.

Além da amizade com os professores Amaral e Xavier, que mantém até hoje, somou a elas os laços que fez durante o doutorado. “O IMPA é sensacional e é muito mais do que a própria instituição, em si. Quem está ali, cria um ambiente excepcional para se trabalhar. São pessoas de diferentes lugares do Brasil e de fora do país que se tornaram excelentes amigos. Isso é um privilégio enorme”, destaca, já com saudade do futebol às sextas-feiras, onde também aproveitava para se reunir com o Gugu, e das partidas de boardgame, nas noites de quarta.

Depois da despedida ao IMPA, com a calma que foi adquirindo com o passar dos anos e que o atual momento exige, Sandoel se planeja para buscar vagas de pós-doutorado e como professor, assim que possível. E pensa também em voltar a morar no Piauí, mas ainda não sabe quando.

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