O que a Matemática tem a ver com a biologia do cérebro?
Reprodução do blog do IMPA Ciência & Matemática, publicado em O Globo, e coordenado por Claudio Landim
Antônio Galves, professor titular da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática
Para começo de conversa: o que a Matemática tem a ver com a Biologia do Cérebro?
A resposta parte de uma constatação: a Biologia não dispõe atualmente de um quadro conceitual para formular rigorosamente os fenômenos associados ao funcionamento do cérebro observados experimentalmente.
Meu artigo mal começou e já posso ouvir gritos de indignação vindos de meus prezados colegas neurobiólogos.
-Como assim, a Biologia não dispõe de um quadro conceitual para estudar o funcionamento do Cérebro?! Esse é uma típica afirmação arrogante de matemático que acha que fora da Matemática não há esperança científica! Do que estamos falando?
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Um exemplo ajudará a entender a que me refiro e levar a discussão com os biólogos a um nível menos exaltado.
Vou lhes apresentar um protocolo experimental envolvendo eletro-encefalografia que é uma maneira não invasiva das mais simples para estudar o funcionamento do Cérebro.
Um protocolo experimental
O protocolo experimental consiste em exibir dois filmes a espectadores voluntários.
O primeiro filme mostra um ser humano caminhando. Para evitar que detalhes referentes à aparência física do caminhante atraiam a atenção dos espectadores, a imagem é limitada a um conjunto de marcadores luminosos, indicando os pontos de articulação dos braços, pernas, mãos, pés e cabeça do caminhante. O caminhante é filmado andando sobre um tapete rolante, de forma que sua imagem esteja sempre no centro da tela.
O segundo filme mostra exatamente a mesma sequência de imagens, mas com os pontos “embaralhados” na tela. Assim, por exemplo, os pontos correspondendo ao braço direito aparecem na posição correspondente à cabeça, a cabeça é deslocada para a posição do pé, etc. Esse “embaralhamento” dos pontos torna o segundo filme totalmente incompreensível para o espectador.
Enquanto no primeiro filme o conjunto de pontos mostra claramente a marcha de um caminhante, no segundo filme o sentimento é de estranheza, sem que nenhum sentido possa ser dado à sucessão de imagens assistidas.
É natural conjecturar que o reconhecimento imediato da imagem de um caminhante no primeiro filme, em oposição ao estranhamento diante da sequência de imagens embaralhadas, levem o cérebro de um espectador a dois funcionamentos totalmente distintos diante dos dois filmes. Reconhecer um movimento familiar deveria exigir do cérebro do espectador uma atividade muito diferente daquela exigida pelo segundo filme, no qual ele é obrigado a fazer, sem sucesso, um esforço para dar um sentido à sucessão incompreensível de imagens observadas.
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