O mundo sob a perspectiva singular de Juan Viu Sos
Cecília Manzoni
Na vida pessoal e na matemática, o espanhol Juan Viu Sos não é muito chegado a caminhos pré-determinados. Sua aptidão com os números nas salas de aula durante a infância e juventude na pequena cidade de Jaca, na Espanha, não lhe deram uma pista de que ele se tornaria um acadêmico da área. “Não costumo enxergar as coisas desta forma. No meu caso, não funciona bem estas histórias de ‘ah, eu sabia desde o início’. Fui um adolescente de interesses fragmentados e dispersos. Na matemática, me interessavam mais os aspectos filosóficos do que qualquer outra coisa.”
A imprevisibilidade também é um fator elementar do tema que pesquisa como pós-doutorando no IMPA: as singularidades. Conectada à topologia, à geometria algébrica e à teoria qualitativa de equações diferenciais ordinárias, uma singularidade é geralmente um ponto no qual um dado objeto matemático não é bem definido, nem se comporta de forma regular.
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“Na geometria, se estuda as estruturas para classificá-las. Mas nem sempre isso funciona bem. Em um exemplo, nós habitamos o Planeta Terra, que é esférico. Mas, no cotidiano, não sentimos esta forma. Vivemos como se fosse plano. Funciona bem, de forma que podemos medir distâncias, calcular ângulos e etc. Em alguns objetos geométricos estas coisas podem não funcionar.”
Com aplicações e interações em diferentes áreas da ciência, o campo das singularidades exige dedicação de seus estudiosos. “Talvez a maior dificuldade para pesquisar esta área é a necessidade de se ter um bom domínio de muitas ferramentas de outras áreas da matemática”, confessa.
As conferências e encontros realizados no IMPA, como o evento “Um Panorama em Singularidades: Álgebra, Geometria, Topologia e Aplicações”, têm ajudado o matemático. “Pesquisar exige interação. A troca de ideias é super importante na área. As vezes é possível aprender em quatro dias de conversa com algum colega um assunto que você aprenderia em um mês através dos livros. As atividades do IMPA são ótimas para estabelecer estas conexões.”
Filho de uma funcionária pública e de um carpinteiro, Juan afirma que, mesmo sem desfrutar de conforto financeiro, a casa dos Viu Sos sempre foi um ambiente rico em atividades intelectuais, políticas e culturais. “Meus pais são de uma geração humilde, mas muito ativos. Esta foi uma ótima herança que passaram para os filhos. Quando jantávamos juntos, as discussões eram interessantes, passando por assuntos variados. Sempre foi uma casa cheia de livros”, relembra.
Quando se formou no ensino médio, aos 18 anos, deixou a casa dos pais para ingressar na graduação em matemática na Universidade de Saragoça. A liberdade que sentiu foi marcante. “Era tudo que eu precisava. Sempre tive na cabeça que queria sair de Jaca, conhecer outros lugares e outras pessoas.” Mas nem tudo são flores na vida de um jovem universitário. “Sofri um pouco no início porque estava acostumado a estudar o mínimo, só para passar de ano, e na faculdade tinha que me dedicar mais”, confessa Juan, que diz logo ter se adaptado ao ritmo da faculdade.
Um ano antes de se tornar bacharel, surgiu a oportunidade de tirar um diploma duplo na Universidade de Pau, no sul da França, que também o concederia o título de mestre pela instituição francesa. O espanhol aceitou sem hesitar, sabendo que esta experiência ampliaria ainda mais seus horizontes. Se jogou nas baguetes, vinhos e queijos e, de quebra, ainda arranjou um estágio de pesquisa na área de topologia de nós.
“Foi quando comecei a me aproximar da matemática pura e passei a considerar mais seriamente seguir carreira na academia. A pesquisa em matemática te dá muitas possibilidades, incluindo empregos bem remunerados nas empresas privadas.”
Com o diploma em mãos, Juan voltou para a Espanha em 2011, pensando em fazer um doutorado especializado em Saragoça. Mas o início da crise econômica no país e um convite para voltar a França mudou os planos do jovem.
“À essa altura já estava habituado a viver longe da família. Fui tomando gosto por morar fora. Antes, nunca tinha tido dinheiro para viajar. As coisas na minha vida nunca foram muito ‘da terra’. Eu gosto da minha cultura local, reivindico minhas raízes culturais, mas a minha energia é de movimento.”
Tal desprendimento também implica em algumas dificuldades, conta o matemático. Aprender e dominar novos idiomas são grandes desafios. “Nos primeiros meses meu francês ainda era muito rudimentar. Para piorar, eu detesto fazer curso de línguas. Consigo aprender na prática. Mas me colocar em uma sala fechada diante de um livro de exercícios para estudar conjugação de verbos não dá muito certo”, brinca Juan, que diz ter herdado a “cabeça nas nuvens” do avô.
Depois de passar seis meses em Grenoble, na França, onde lecionava para alunos da graduação do Institut Fourrier, alguns valores franceses começaram a incomodá-lo. “É uma sociedade muito organizada em todos os sentidos. No âmbito social, essa estrutura pode adquirir alguma rigidez. Existe muita pressão nos indivíduos sobre o que eles entendem que é estabilidade. Todo o sistema público é feito para você se formar, trabalhar, e ter uma família. Está tudo direcionado para este modelo de vida”, comenta.
Quando conseguiu uma vaga para pós-doutorado na Instituto De Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos (SP), embarcou, pela primeira vez para outro continente. Em março de 2017, chegou ao Brasil e se sentiu bem acolhido. “Conheci um grupo muito bacana de pós-docs e rapidamente fizemos amizade. Viajamos para vários lugares: Ubatuba, Capitólio, Paraty, Ilha Grande.”
Nos finais de semana, aproveitava a calmaria da cidade para curtir a casa da qual se orgulha de ter alugado, com direito a quintal e horta. “Foi a melhor escolha que fiz. Por um preço razoável consegui ter o privilégio de ter frutas brotando do meu próprio quintal.” A manga e o abacate, que chegam a ficar “do tamanho do rosto de um menino”, estão entre as iguarias brasileiras preferidas do matemático.
No Rio de Janeiro para o pós-doutorado no IMPA desde julho de 2019, o preço salgado dos aluguéis não permite este tipo de luxo. Mas Juan compensa aproveitando a conexão com a natureza, da qual é íntimo desde a infância em Jaca, quando fazia caminhadas pelos Pirineus com a família. “O Rio tem uma natureza muito acessível. Da minha casa, no Jardim Botânico, pego a bicicleta e vou até o Parque Lage e faço uma trilha. Ou então vou de metrô até a estação Jardim Oceânico e de lá pego a bicicleta para chegar à Praia da Reserva”, conta o espanhol, contente de morar pela primeira vez em uma cidade com praia.
Algumas “singularidades” dos cariocas também chamaram a atenção do matemático. O famoso “vamos marcar” é uma delas. “Demorou para entender que quando você combina alguma coisa com um amigo, isso não significa efetivamente que vocês vão seguir com o combinado.” Há quase 10 anos longe do país de origem, acredita ter aprendido uma lição valiosa, que tornou adaptação a outros países mais branda. “Quando se pensa na humanidade em termos universais, não podemos extrapolar nossa maneira de ser a todo o restante do mundo. Cada cultura tem suas peculiaridades, é inútil comparar uma a outra. É preciso extrair o melhor de cada uma.”
À vontade na capital fluminense, o matemático está se aventurando nas rodas de samba e na agenda cultural da cidade, programas que não costumava fazer em São Carlos. Quando questionado sobre planos para o futuro, responde, com convicção, que não existem planos quando se faz pesquisa. “Neste sentido é uma vida instável. Mas esta instabilidade também tem seus pontos positivos. O Juan de 18 anos nunca poderia imaginar que o Juan de 32 falaria quatro línguas, e teria morado na França e no Brasil”, completa.
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