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27/09/2021

No Livro Histórias Inspiradoras da OBMEP: Weslley Matias

Mudanças, por menores que sejam, podem trazer consequências incalculáveis. Se há quem sinta angústia só de pensar na imprevisibilidade da vida, o alagoano Weslley Ramon Pereira Matias, 22 anos, está na contramão: a incerteza lhe causa um contentamento transbordante, que contagia até o seu tom de voz.

É assim como tudo o que está relacionado à Teoria do Caos. E não é para menos. O assunto faz parte de um momento de superação vivido por Weslley há uma década, mas tão importante que ele o pinta com tintas de dias atrás. Na época, seu primeiro trabalho de Iniciação Científica foi citado como exemplo a ser evitado. Apenas um ano depois, a dedicação aos fenômenos caóticos do universo o fizeram dar uma guinada.

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“Ficou mesmo um terror. Não tinha noção de como fazer algo nos moldes de um Trabalho de Conclusão de Curso. Mas aprendi muito sobre a forma de pesquisar, redigir e apresentar o texto. Minha mudança foi da água para o vinho. Escolhi falar sobre a Teoria do Caos, que tem Matemática e envolve outros assuntos, é meio filosófico. Foi incrível porque fiz as pessoas pensarem em algo que não é trivial. Todo mundo gostou. Foi uma realização”, diz, sobre o segundo trabalho.

Desde então, a Matemática está relacionada a muitos outros momentos gratificantes na vida de Weslley, que só não é pernambucano porque o hospital mais próximo da casa dos pais estava além da divisa, em Palmeira dos Índios (AL). O sotaque, porém, nega a origem. Quem o ouve jura que ele é de São Paulo. “Vim aos seis meses de vida para Osasco. Mas sou nordestino”, conta ele, que mora com os pais – a dona de casa Maria Lucineide e o frentista José Gilmarlos – e a irmã Naiara, 17 anos.

Como bom nordestino, Weslley não enverga. E diz-se paciente, qualidade que, conta, foi construída já na infância, no convívio familiar. “Se eu queria alguma coisa, mas meus pais não podiam dar, eu entendia. Não fazia birra nem insistia. Se não era possível naquele momento, esperava que, algum dia, aquilo acontecesse. E acontecia mesmo. Mas tinha de esperar um pouco. Assim, desenvolvi minha paciência”, observa.

Maria Lucineide corrobora. Garante que Weslley nunca foi de dar trabalho e que ensinou aos filhos o que aprendeu com os pais. Incentivou os estudos, oportunidade que nem ela nem o marido tiveram. Os dois moravam na pequena Bom Conselho, em condições nada favoráveis, e não foram além do Ensino Fundamental.

Sobre o filho, destaca a determinação. “É um guerreiro. Às vezes, estuda até a madrugada para dar conta de tudo. Acorda muito cedo para trabalhar e faz faculdade à noite. Chega muito tarde e ainda dá aula particular aos sábados. Só tem o domingo livre. Apesar das dificuldades, ele nunca desistiu”, diz, orgulhosa.

A primeira medalha de Weslley na Obmep não veio de primeira. Ele cursava o quinto ano quando estreou, em 2006, mas já conquistou uma menção honrosa. No ano seguinte, ganhou um bronze – e não parou mais de competir. Até concluir o Ensino Médio, em 2012, foram sete participações seguidas. Acumulou três menções honrosas, três medalhas de bronze e um ouro.

Para Weslley ir à escola era “o momento mais legal do dia”. Tirava de letra as disciplinas, fazia amizades e convivia com professores que foram determinantes em sua vida. Uma em especial, de nome Nilda, foi marcante por tê-lo incentivado a estudar e a perseguir o sonho de fazer da matemática um caminho para mudar de vida.

Ele sabia, já no quinto ano, que queria o magistério. Era algo natural, considerando o gosto pela matemática, aliado à facilidade e ao prazer de ajudar os outros. Tempos depois, uma professora confidenciou as dificuldades da profissão e o estimulou a buscar outra área. Ele guardou a conversa e foi tocar a vida.

Ao apresentar um trabalho sobre a Sequência de Fibonacci, empolgou tanto a plateia que se sentiu encorajado a ser educador. Mas, na hora decisiva, titubeou. Fascinado por parques de diversões, especialmente montanhas-russas e rodas-gigantes, concluiu que poderia ser feliz como engenheiro mecânico, até porque poderia aplicar a matemática em sua rotina de trabalho. Assim, em 2013, iniciou o curso na Universidade Presbiteriana Mackenzie, com conclusão prevista para 2017.

Por ter sido medalhista da Obmep, Weslley garantiu o direito de se manter na Iniciação Científica, por meio do Picme. Encontrou um grupo de trabalho envolvido na construção de um aeroplano de pequenas dimensões e lá aprofundou seus conhecimentos. Desenvolveu um trabalho de modelagem matemática aplicada à engenharia.

“Usei simulação e cálculos para transformar um sistema real em uma linguagem matemática que pudesse interpretar. O Picme foi muito importante para meu crescimento como graduando. Apesar de ter saído do foco da matemática pura, aprendi técnicas que aproveitei em outros trabalhos e disciplinas”, relata Weslley, acrescentando que o valor da bolsa de estudos do programa foi determinante, porque nos semestres iniciais era exigida a dedicação integral, impossibilitando qualquer trabalho.

Prestes a concluir a graduação, Weslley confessa ter sentido certo desapontamento com sua escolha, pois esperava trabalhar mais com projetos e desenvolver a criatividade. Mas o estágio iniciado no quinto semestre do curso, sem pretensão, por não guardar relação com a engenharia mecânica, foi uma grata surpresa. A imprevisibilidade da vida fez com que ele encontrasse em uma instituição financeira o que não esperava: o retorno à origem matemática.

“A Matemática e o raciocínio lógico para solucionar questões desafiadoras, de que tanto gostava, reencontrei na rotina de trabalho. Uso a Matemática a todo instante como ferramenta para tomar decisões baseadas em cálculos.” Este ano, foi efetivado como analista de Planejamento e Controle do Itaú Unibanco, na área de Planejamento de Equipamentos.

Weslley trabalha na área responsável pela gestão dos equipamentos das agências de todo o Brasil. Para dimensionar a quantidade ideal para atender ao cliente da melhor forma, com redução de custos e menor impacto possível na operação, ele se debruça sobre análises estatísticas e probabilidade. “Também uso muito raciocínio lógico para elaborar o racional do algoritmo e conhecimentos sobre teoria das filas, cadeias de Markov e otimização de
processos para levantar os indicadores da revitalização dos equipamentos”, detalha.

Formada em Administração, Daiana Aparecida Ferreira trabalha com Weslley na mesma função. Sobre o colega, tece as mesmas considerações de Maria Lucineide, mostrando que os elogios não são exagero de mãe. “Ele é tranquilo, centrado, alegre, comprometido e bem responsável. Além disso, está sempre disposto a ajudar.”

Apesar de realizado no trabalho, Weslley mantém o sonho original de se tornar professor. “Na verdade, nunca descartei a ideia. Só tem de ser uma atividade paralela ao trabalho, para que eu possa conciliar as atividades”. Sim, a vida é imprevisível. E você pode até voltar ao ponto de partida.

*Texto retirado do livro “Histórias Inspiradoras da OBMEP

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