Missão Gaia: onde estão, como são e como dançam as estrelas
Reprodução do blog do IMPA Ciência & Matemática, de O Globo, coordenado por Claudio Landim
Artigo de Ramachrisna Teixeira do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas – USP, da Sociedade Astronômica Brasileira – SAB e do Gaia Data Processing and Analysis Consortium – DPAC
O conhecimento que temos do universo vem sendo construído com base nas observações que a humanidade faz do céu, desde aquelas mais grosseiras dos primórdios da civilização até as sofisticadíssimas que realizamos hoje, a partir do solo ou do espaço. Claro, baseia-se também no esforço de um grande número de cientistas sérios e honestos e na genialidade de bem poucos.
Ao observarmos o céu com uma intenção científica, o que fazemos é realizar medidas. De fato, ao observarmos um astro, podemos medir apenas a intensidade (brilho aparente) e a direção de onde vem a luz (posição no céu). Medindo essas duas grandezas ao longo do tempo e/ou em função do comprimento de onda, podemos derivar outras grandezas como movimentos, distâncias, temperaturas, idades, massas, a partir das quais caracterizamos os astros fisicamente e buscamos compreender suas origens e evoluções, inclusive do planeta que habitamos e da vida.
Leia também: Nesta terça, 18,2 milhões de alunos farão a prova da OBMEP
‘Momento de crise e de desafios para a ciência brasileira’
Roda de Matemática ensina crianças a amar a disciplina
Ao longo do tempo, a Astronomia tem sabido muito bem explorar a tecnologia existente para ampliar seus horizontes: tanto observando objetos cada vez mais fracos (estatisticamente mais distantes), quanto com maior precisão (qualidade). Em muitos momentos da história da humanidade, a própria Astronomia impulsionou o desenvolvimento tecnológico.
Até recentemente, apesar do grande avanço tecnológico e da quantidade enorme de dados observacionais acumulada, principalmente nos últimos anos, ainda estávamos longe de ter, com alto grau de confiabilidade, uma visão tridimensional do universo e de saber realisticamente, como são e como se movimentam as estrelas da nossa galáxia, chamada Galáxia ou Via Láctea, e de galáxias vizinhas.
Entretanto tivemos o privilégio de presenciar um salto gigantesco no que diz respeito à quantidade e qualidade de dados astronômicos. A missão espacial Gaia, desenvolvida pela Agência Espacial Europeia (ESA) – que conta com a colaboração de aproximadamente 400 pesquisadores principalmente de países europeus, mas também do Brasil, em 25 de abril de 2018, apresentou simultaneamente a cientistas do mundo todo dados observacionais que até bem pouco tempo nem imaginávamos ser possível alcançar.
O satélite Gaia foi lançado em dezembro de 2013 e vem varrendo o céu e medindo a posição e o brilho de mais de 1,5 bilhão de estrelas e também de objetos do Sistema Solar, de quasares e galáxias.
Com essas observações, temos hoje em nossas mãos a grandeza mais importante de toda a Astronomia: as distâncias das estrelas. Associadas a outros dados, poderemos dizer com segurança e nos mínimos detalhes onde estão, como são e como dançam. Essas informações permitirão refinar de maneira confiável a escala de distância do universo e, com isso, rever hipóteses e teorias vigentes. Permitirão estudar perturbações minúsculas nos movimentos dos astros, a ponto de revelar a presença de exoplanetas e de mapear a matéria escura.
Obter as distâncias nessa escala só foi possível graças à precisão com que o satélite Gaia mede as posições relativas entre dois astros quaisquer. O melhor que tínhamos até agora, apresentava uma incerteza correspondente ao tamanho, quando visto da Terra, de um astronauta na Lua. Com o Gaia, essa incerteza corresponde ao tamanho de uma moeda de 50 centavos na Lua, vista da Terra. É um grande avanço.
A distância dos astros é essencial para transformarmos em absolutas as grandezas aparentes que observamos. Por exemplo, quando vistos da Terra, os tamanhos aparentes do Sol e da Lua são praticamente iguais, mas seus tamanhos absolutos são extremamente diferentes. Sabemos isso porque conhecemos as distâncias que nos separam desses corpos.
A determinação das distâncias é, entretanto, dificílima e realizada por várias estratégias. A primeira delas, que serve de base para calibrar as demais, ocorre através da medida de um minúsculo deslocamento angular aparente das estrelas mais próximas em relação às mais distantes, provocado pelo movimento da Terra ao redor do Sol (ângulo π na Figura). O valor desse ângulo, paralaxe estelar, é inversamente proporcional à distância em que se encontra o astro. Esta é a principal motivação da Missão Espacial Gaia.
Pesquisadora usa Matemática no combate ao câncer
ICM 2018 abre inscrições para visitas de escolas