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15/10/2019

‘Matemática induz as pessoas ao pensamento lógico', diz Ramos

Cecília Manzoni

Desde garoto, Vinicius Gripp B. Ramos carregava uma característica que seria um norte na sua vida: a vontade de expandir o conhecimento. A grade escolar matutina deixavas horas a serem preenchidas à tarde, que Vinicius passou a usar para aprofundar seus conhecimentos matemáticos. Devorava com avidez livros didáticos da biblioteca do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAP-UFRJ), sem vislumbrar aonde este vigor acadêmico o levaria. O interesse era sua única motivação.

Aos 30 anos, o carioca integra o grupo de pesquisadores do IMPA, após uma trajetória relâmpago nos estudos. O talento para a disciplina foi descoberto ainda na adolescência por uma de suas professoras no colégio.

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Criado na Tijuca e no Flamengo (RJ), Vinicius circulava com independência de ônibus pela cidade em sua rotina de estudos. Notando esta desenvoltura e um interesse insaciável pela Matemática, a professora Ionilde, que eventualmente participava de correções de provas da UFRJ, articulou o contato do estudante com a universidade.

A convite de Felipe Acker, do departamento de Matemática Aplicada da UFRJ, Vinicius passou a frequentar o curso de análise na reta da federal. “Ele conversou comigo e viu que eu sabia mais Matemática do que era lecionado no colégio e estava um pouco desmotivado com isso”, conta Vinicius.

No fim do curso, foi chamado para integrar o programa de mestrado, aos 16 anos. Aceitou o desafio sem hesitar e mudou para uma escola particular, enquanto fazia o mestrado na UFRJ. Para fins burocráticos, passou no vestibular para o bacharelado em Matemática, e o concluiu em tempo recorde: um ano.

Em três anos, Vinicius concluiu o Ensino Médio, o mestrado e o bacharelado em Matemática. Aos 18, fez as malas e mudou-se para os Estados Unidos para fazer o doutorado na Universidade da Califórnia (Berkeley). “Queria sair do país e pesquisar algum tema diferente. Sabia que muitas áreas da Matemática eram incipientes no Brasil. E uma vantagem das universidades americanas é que no doutorado é possível fazer muitos cursos, sem entrar direto para a pesquisa. Eu queria conhecer o máximo de assuntos possíveis antes de escolher uma área”, revela.

No plano pessoal, as mudanças também foram intensas. Reconhecida por agregar estudantes de todo o mundo, o ambiente de Berkeley mudou a percepção de Vinicius sobre vários países. “Comecei a entender melhor a cultura de lugares de que ouvimos falar pouco no Brasil, e temos uma visão estereotipada. Quando se começa a ter amigos chineses, indianos, coreanos, tailandeses você passa a entender os lugares de forma diferente.”

Lá, adotou a bicicleta como aliada. “Aqui, a bicicleta para mim era lazer. Nunca pensaria em usar a bicicleta para me locomover. E lá vi como era uma forma maravilhosa de locomoção”, conta o carioca, que todo dia sobe longas ladeiras do Horto sobre a “magrela” para chegar ao IMPA.

Depois de seis anos desfrutando da cultura aberta e do fértil ambiente acadêmico da costa oeste estadunidense, era hora de, mais uma vez, experimentar algo diferente. O velho continente pareceu uma boa escolha. “Tinha vontade de morar na Europa. Percebi que pessoas com pesquisas sobre o mesmo tema estavam indo para a Universidade de Nantes (França) e avaliei como uma boa opção.”

Além de se esbaldar nos queijos, pães e vinhos da região da Bretanha, foi durante o pós-doutorado que Vinicius viveu sua imersão na geometria simplética. Com raízes históricas na formulação geométrica da mecânica clássica do século 19, conhecida como “formalismo Hamiltoniano”, a geometria simplética possui relações íntimas com áreas diversas da Matemática, incluindo Topologia, Dinâmica e Geometria Complexa; e Física Matemática contemporâneas.

Um de seus maiores desejos é explorar a relação entre os mergulhos simpléticos e os estudos de bilhares. E é a isto que se dedica desde que chegou ao IMPA, primeiro para o pós-doutorado de excelência, em 2015, e agora como pesquisador.

“O interessante desta área é são as muitas surpresas. Os resultados têm significados profundos e que muitas vezes revelam algo inesperado. É comum estudar um problema sem ter ideia de qual vai ser a resposta, o que é mais raro em muitas áreas da Matemática. Às vezes você vai até o final dos cálculos, e nos ‘47 do segundo tempo’ você ainda não sabe ‘quem que vai ganhar o jogo.”

Ainda incipiente no Brasil, a geometria simplética tem uma comunidade de menos de 30 matemáticos no país. Para estudos sobre os mergulhos simpléticos, este número é consideravelmente menor. Naturalmente, Vinicius, que teve seu projeto contemplado com R$ 1 milhão pelo programa de apoio à pesquisa científica do Instituto Serrapilheira, enxerga com bons olhos as pesquisas da Matemática que inovam em suas propostas.

“Na ciência, em geral, é importante pensar fora da caixa. É claro que sempre se pode repetir outros estudos, mudando um pouco a condição inicial, e se chegar a novos resultados que já são esperados, e acabam não sendo tão relevantes. As pesquisas mais relevantes são as inesperadas ou muito difíceis, na quais ou você propõe um problema pouco abordado, ou responde a um problema já ‘batido’ com uma solução inesperada.”

Para isso, é preciso ter fôlego. Na percepção de Vinicius, um dos maiores desafios de seu projeto parte de uma premissa básica: o fato de a Matemática ser “muito difícil”. Outro, é a necessidade de fazer escolhas. “Pode-se passar muito tempo pensando em um ponto e ficar batendo a cabeça na parede. No início da pesquisa, não se sabe de nada ainda, é difícil mapear o projeto e saber se dispõem de tempo e das técnicas necessárias para responder à pergunta. É preciso discernimento para identificar se está tentando uma coisa muito difícil e não se vai conseguir, para mudar para questões mais simples, com mais certeza de que se poderá concluir, porque, no final, é importante publicar artigos”, explica.

Vinicius coleciona alguns êxitos em sua empreitada. Entre as publicações, destaca um artigo publicado ainda no doutorado, com dois colaboradores, sobre o comportamento assintótico em um conjunto de capacidades; e outro artigo mais recente, de 2017, onde usou a relação de bilhares e geometria simplética para provar resultados novos em mergulhos simpléticos.

Com a recente promoção a pesquisador associado do instituto, em agosto, vieram novas responsabilidades. Neste ano, Vinicius integra o comitê organizador do semestre temático em geometria simplética, que tem o objetivo de promover colaborações entre pesquisadores nacionais e internacionais da área e estimular a formação de alunos de mestrado e doutorado.

“Até agora, o saldo é bem positivo. Tivemos vários eventos, seminários, palestras e outras atividades. Tem muita gente de geometria simplética em outras universidades do Rio, como na UFRJ, na UFF e na PUC, então estamos tentando mobilizar o pessoal todo para participar e organizar eventos. É importante manter coesa a comunidade simplética do Rio.”

Para o matemático, integrar o corpo científico do IMPA carrega um sentimento gratificante de retribuição à pesquisa brasileira. “Meus primeiros passos na Matemática foram dados no Brasil, por isso é muito bom poder retribuir. Além disso, o IMPA  é uma ótima instituição, com condições de trabalho excelentes. Tudo funciona bem, a infra-estrutura é de qualidade, e os alunos são ótimos.”

Vinicius reconhece o valor prático da Matemática Aplicada, que considera “imprescindível para o desenvolvimento da tecnologia”, mas endossa a importância da Matemática Pura para o avanço da humanidade. “O pensamento lógico matemático parte do princípio da verdade. Quando você descobre algo na área, está falando sobre verdades que não serão desmentidas daqui a 50, 100 anos. A busca pela verdade é algo muito nobre”, complementa.

Em sua visão, o pensamento matemático traz grandes benefícios para a população em geral. “A Matemática induz as pessoas ao pensamento lógico, algo fundamental para qualquer campo, importante até para se sustentar uma conversa. Me entristece ver como é comum a matemática ser ensinada não como uma ferramenta para pensar e forma de estimular o cérebro, mas como um modo de repetir procedimentos. Qual é o proveito de fazer algo que, hoje em dia, um computador faz para você?”

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