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17/01/2022

Émilie, a matemática revolucionária do século XVIII

Crédito: Getty Images, BBC

Na França do século XVIII, a expectativa de vida era de em média 30 anos, mas a marquesa Émilie du Châtelet (1706 – 1749) contrariou as estatísticas quando engravidou aos 42. Ciente de que tinha os dias contados, a matemática dedicou-se incansavelmente ao trabalho tido como seu maior legado científico. Longe de encarar a gravidez com resignação, trabalhou cerca de 18 horas por dia durante toda a gestação. Seis dias após dar à luz, Émilie faleceu de embolia pulmonar.

O trabalho que ela desenvolveu iniciou-se como uma simples tradução para o francês do livro “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, obra de Isaac Newton, mas acabou se tornando um volume de mais de 500 páginas. Com contestações e checagens da matemática às teorias do físico inglês, o livro foi publicado dez anos depois. Apesar de ser por vezes lembrada como amante de Voltaire (1694 – 1778), à época o autor mais famoso da França, Émilie demonstrou ser uma cientista e intelectual talentosa por mérito próprio.

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Até hoje, a obra da matemática é a única tradução completa em francês do livro de Newton, que foi revolucionário no contexto iluminista. Sua profunda admiração pelo físico não a impediu de mostrar as limitações da teoria que ela mesmo defendia publicamente, o que lhe rendeu o apelido “Madame Newton”. Outra contribuição importante dela à ciência está ligada à conservação de energia, com base em experimentos com bolas de chumbo caindo sobre um leito de argila. 

Aristocracia e educação

Nascida em Paris no ano de 1706, Émilie Le Tonnelier de Breteuil foi a única menina entre seis irmãos de uma família aristocrática francesa. Aos 12 anos, ela falava seis línguas, mas sua sede por conhecimento não foi suficiente para que a permitissem continuar os estudos. Por ser mulher, precisou tornar-se autodidata e perseguiu dois temas que a encantavam, a matemática e a física, por conta própria.

Uma biografia publicada pela Sociedade Americana de Física, em 2008, relata que Émilie sonhava com uma mudança desta realidade. “Se eu fosse rei, reformaria esse abuso que encolhe metade da humanidade. Eu gostaria que as mulheres participassem de todos os direitos humanos, sobretudo, os da mente”, afirmou, segundo a biografia.

Mulher à frente da sua época

Émilie tornou-se marquesa quando aceitou o pedido de casamento do marquês Florent-Claude du Châtelet, oficial do Exército com quem teve três filhos. No início da união, ela exerceu seu papel de dama da alta sociedade, mas aos 26 anos decidiu que não queria utilizar o seu tempo com as exigências sociais da época. “Dedicava um tempo extremo ao cuidado dos meus dentes, do meu cabelo, e ao descuido de minha mente e de meu conhecimento”, escreveu a marquesa. 

Durante toda a sua vida, foi centro de fofocas que circulavam na alta sociedade parisiense, sobretudo pelo caso pouco discreto que manteve com Voltaire durante 15 anos. Como se não bastasse o “escândalo”, o marido de Émilie ainda apoiou o romance e tornou-se amigo de Voltaire. 

Émilie abandonou a vida social aristocrática para mergulhar na produção científica, interrompendo os estudos somente para ver o amante Jean François de Saint-Lambert, jovem poeta e soldado que foi o pai da última filha da matemática. No dia de sua morte, os três estavam com ela: o marido e os dois romances. Émilie havia terminado seu trabalho dias antes do parto.

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