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10/11/2020

3º lugar no Prêmio IMPA-SBM fala da evolução matemática

Alunos da Escola Estadual Henrique Dumont Villares (SP). Crédito: Divulgação Instituto Sidarta

Reprodução da reportagem “Abordagem faz desempenho em matemática de escola estadual decolar”, de Gabriel Alves na Folha de S. Paulo

A matemática, considerada um bicho-papão por muitos estudantes, tem cara de jogo e de desafio na Escola Estadual Henrique Dumont Villares, no bairro do Jaguaré, zona oeste de São Paulo.

Há três anos, uma nova abordagem, batizada de Mentalidades Matemáticas, é aplicada por lá, e o resultado já apareceu. O desempenho da instituição no Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) subiu em 2017 e 2018 (último para o qual há dados disponíveis).

Em 2016, apenas 16,7% dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental tinham desempenho considerado avançado, em 2017 a metodologia passou a ser a aplicada e em 2018 o índice foi alcançado por 51% dos alunos. 

A abordagem foi implementada em 2018 também no quarto e quinto ano. Os alunos do quinto ano também melhoraram: de 30,7% em 2017 para 42,8% de desempenho avançado em 2018.

Em ambas as turmas o desempenho considerado insuficiente caiu —menos de 1% dos alunos ficaram nessa faixa.

O método Mentalidades Matemáticas foi desenvolvido por Jo Boaler, professora da Universidade de Stanford, e consiste em instigar a investigação e colaboração entre os alunos. São eles os responsáveis por sugerir caminhos para resolver os problemas, expô-los aos colegas e tentar convencê-los.

Em meio a diversidade de argumentos e possibilidades de raciocínio, os erros perdem o estigma negativo e se tornam uma escada para o aprendizado e para chegar à solução. É o que Boaler chama de mentalidade de crescimento.

“As diversas pesquisas sobre erros e o cérebro não somente nos mostram o valor dos erros para todos mas também indicam que estudantes com mentalidade de crescimento têm maior atividade cerebral relacionada ao reconhecimento de erros do que estudantes com mentalidade fixa”, escreve a professora em seu livro Mentalidades Matemáticas (ed. Penso).

Flexibilidade é o lema. Pense por exemplo na conta 21-6. Não é tão difícil, mas ela pode ser um pouco mais fácil se lembrarmos que o resultado é o mesmo a conta 20-5, ou seja, 15. Assim como 4×9 pode ser pensado como 9+9+9+9 = 18+18 = 36 ou como 4×10-4×1= 40-4 = 36.

Com base no conhecimento de neurociência, problemas visuais ou que requeiram a visualização como uma de suas etapas também são bastante empregados. Isso porque é muito mais fácil para o cérebro assimilar conteúdo com base em imagens do que apenas com a abstração pura e simples, especialmente à primeira vista, quando algo do tipo y=(1+x)² pode assustar.

Esse mesmo problema algébrico (com letras em vez de números) pode ser apresentado em uma forma visual, numa sequência de padrões que aumenta de tamanho, como blocos empilhados na forma de um triângulo ou de uma escada, por exemplo.

Esse respaldo visual ajuda a prever o que acontece nos casos seguintes e, no fim das contas, a generalização (a álgebra) surge mais naturalmente.

Olhando bem, não se trata de reinventar o ensino de matemática, mas apenas buscar maneiras mais efetivas de prender a atenção do aluno, reduzir a frustração e evitar que ele simplesmente desista.
Para Boaler, ninguém deveria dizer que “não é de exatas”, já que todo mundo tem seus próprios meios para lidar com números, formas, regras e padrões nas diversas atividades da vida.

O treinamento dos professores da E. E. Henrique Dumont Villares é feito em parceria com o Instituto Sidarta, ONG voltada à área de educação e responsável pelo programa, que se tornou o parceiro da equipe de Boaler no país. O Itaú Social e a Associação Beneficente Maria e Tsu Hung Sieh (ABMTH) apoiam a iniciativa.

São feitos encontros quinzenais nos quais os docentes são treinados e podem apresentar suas dificuldades e trocar experiências. No fim das contas, mesmo os mais resistentes acabam se beneficiando, diz Telma Scott, coordenadora pedagógica do Instituto Sidarta. 

“Depois que começaram as aulas do curso de formação, comecei a ver resultado”, diz Sueli Aparecida Pedroso, professora de ensino fundamental 1 do Henrique Dumont Villares.  “Antes os alunos ficavam  sentados em fileiras, não em grupos. Agora não sei mais trabalhar de outra forma.”

“Percebi que os alunos aprendem com mais facilidade quando eles aplicam as próprias estratégias, e não só copiando aquela do professor. Dar voz a eles funciona —nunca vi um resultado tão imediato”, diz a professora, que começou a trabalhar em 2019 com a metodologia.

Segundo Ya Jen, presidente do Instituto Sidarta, muitas vezes os professores têm fragilidades e medos, e mesmo assim têm que e ensinar aquele conteúdo. “As pesquisas mostram que quando uma professora ou mãe se sente incapaz ou com medo, ela também gera esse impacto nas crianças.” O treinamento permite que elas adquiram essa segurança para ensinar, diz.

Ainda não há planos para disseminar o treinamento para outros colégios e a iniciativa depende de parceiros, explica Ya Jen, que diz que existem prefeituras interessadas no método. “O principal investimento é na formação de professores para resgatar o conhecimento matemático. Não há pirotecnia”, afirma.

A plataforma gratuita YouCubed (youcubed.org), criada por Boaler e equipe, contém dezenas de planos de aula e exemplos que podem ser empregados para estimular os alunos. Boa parte do conteúdo já se encontra traduzida para o português.