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16/07/2019

De astrônomo mirim a pesquisador do IMPA

O sonho infantil de Reimundo Heluani era ser astrônomo. Inspirado na série televisiva “Cosmos”, do cientista norte-americano Carl Sagan (1934-1996), o menino argentino imaginou que seguiria aquela carreira profissional. Como nem sempre os sonhos se concretizam, ele virou matemático. Hoje, aos 41 anos, é pesquisador associado do IMPA, com especialidade em Álgebra.

Aos 8 anos, Heluani ganhou o primeiro computador, um Commodore 64C. “Já tinha alguma experiência programando o Texas Instruments de minha mãe. Mas, aprender a programar Basic era fascinante. Aos 12, tive o primeiro PC, um XT-8088, sem disco duro. Minha mãe fazia um curso na universidade. Eu podia ir ao laboratório brincar e acompanhar o curso dela. Ali aprendi a programar Assembler. Na época meu sonho era programar um vírus sofisticado.” 

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Heluani nasceu em Tucumán (noroeste da Argentina). Aos 5 anos, a família se mudou para Córdoba. Era formada, além dele, pelos pais (Ricardo e Silvia), o irmão Nicolás e a caçula Nayla. Em 1989, a família voltou a Tucumán. “Fiz o final do ensino elementar em escola pública. O segundo grau, em um instituto universitário similar ao Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.”

O estudante praticava esportes: tênis dos 5 aos 10 anos, tae-kwon-do e salto em altura. A Matemática chegou no segundo grau, ao participar de uma olimpíada. “Isso teve consequências profundas na minha vida. Até hoje meus amigos mais próximos são colegas da Olimpíada Matemática Argentina.”

Heluani imagina que seguiu a carreira matemática por influência da família. “Parece estranho, pois meu pai é o único sem título universitário. Ele deixou a faculdade quando nasci. Tinha 21 anos, era caixeiro viajante. Porém, acredito que tenha sido uma grande influência. Falo que parece estranho porque minha mãe e uma irmã dela são físicas. Outra irmã, matemática. Então, isto vem da família.” 

O pesquisador relata que questões financeiras contribuíram para a escolha. “O que finalmente me fez passar da Física à Matemática pode ter sido dinheiro mesmo. Saí de Tucumán para fazer a Faculdade de Física em Córdoba. Morava sozinho, o dinheiro não era abundante. Mas a família podia me manter, não precisava trabalhar. Isso fez uma grande diferença frente a muitos amigos que não conseguiram finalizar [a graduação].”

Heluani conta que no segundo ano da faculdade soube que havia bolsas mensais de US$ 330 no curso de Matemática. “Então, fiz as duas graduações. Fazia relatividade geral em Física e trabalhei com representações de álgebras de Lie em Matemática. Comecei o doutorado em Física. Mas a situação econômica do país, fim de 2001, início de 2002, deteriorou muito rapidamente. Eu tinha ofertas boas para fazer o doutorado em Matemática nos EUA.”

O pesquisador concluiu as graduações em Física e Matemática na Argentina e o doutorado em Matemática no MIT [Instituto de Tecnologia de Massachussetts, EUA]. Foi, ainda, Miller Fellow, com bolsa de pós-doutorado, na Universidade Berkeley, Califórnia. 

“No MIT dava aula de verão para alunos das chamadas minorias, que entrariam no ano seguinte em condições piores do que os demais.” 

O IMPA é elogiado pelo pesquisador, para quem seus estudantes, “em média, deixam pouco a desejar aos alunos de muito boas instituições nos EUA” e há “liberdade para pesquisar qualquer tópico”.

“Podemos dar cursos interessantes em tópicos de nossa escolha. Temos alunos excelentes, facilidades para trazer colaboradores internacionais e para viajar ao exterior, para conferências. O salário é muito bom para padrões nacionais e já foi bastante competitivo para padrões internacionais.”

No trabalho que desenvolve no IMPA, Heluani usa a geometria para explicar objetos algébricos. “Ao imaginar o cubo de Rubik, de 3x3x3 com seis cores nas faces, já se tem uma ideia geométrica na cabeça. Há operações para rodar algum dos lados 90 graus. Se você faz a mesma rotação quatro vezes, nada muda no cubo. A imagem pode ser muito boa para quem tenta visualizar o cubo ou para a criança que tenta resolver o problema, deixar as seis faces da mesma cor.”

Heluani afirma que, “para um computador, é melhor pensar em matrizes 20×20 com entradas de números reais. Existe uma matriz para cada operação no cubo. Fazer duas operações seguidas corresponde a multiplicar as matrizes. Por exemplo: para a rotação de 90 graus, existe uma matriz 20×20 que a ‘representa’”.

O pesquisador ensina que, a área da Matemática que estuda estruturas abstratas (as simetrias do cubo de Rubik e das calçadas em Copacabana, por exemplo), trocando-as por matrizes, é a teoria de representações. “Trabalho com matrizes infinito x infinito. Para este tipo de estruturas, a visão geométrica – o cubo nas mãos, por exemplo – pode ser, às vezes, melhor para um computador.”

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