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16/05/2019

Corte de verba para pesquisa foi tema de reportagem

Georgia e Rodrigo com amostras das flores e dos mosquitos ‘Aedes aegypti’ estudados / Foto: Fernando Lemos

Reprodução do jornal O Globo

Por Renato Grandelle – Menção honrosa na categoria Divulgação Científica do Prêmio Impa-SBM de Jornalismo 2018

Um grupo de cientistas da UFRJ que estuda novos métodos para o combate ao mosquito Aedes aegypti , vetor de doenças como dengue, zika e chicungunha, precisará devolver R$ 570 mil para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A instituição impôs o congelamento da verba, cujo pagamento estava atrasado, devido à morte do líder da equipe, o bioquímico Mário Alberto Cardoso da Silva Neto, o único autorizado a administrar os recursos.

Silva-Neto venceu, a partir de 2013, cinco projetos científicos sobre o Aedes e a doença de Chagas. Segundo a previsão dos editais, deveria receber cerca de R$ 1,4 milhão. No entanto, os repasses sempre ocorreram com, no mínimo, seis meses de atraso. Apenas um dos trabalhos obteve todos os recursos necessários para sua conclusão. Outro, o “Flower Power” — a menina-dos-olhos do cientista — não ganhou sequer um centavo. A verba que havia sido aprovada para sua realização, assim como para a finalização dos demais estudos, não será mais liberada pela fundação estadual devido aos cortes orçamentários impostos pelo governo.

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Pouco depois da morte do cientista, em maio, sua mulher, a bioquímica Georgia Atella, iniciou uma força-tarefa para cancelar a compra de materiais realizada pelo marido — incluindo insumos encomendados em instituições estrangeiras. Se chegassem ao laboratório, ela seria obrigada a pagar do próprio bolso.

O estatuto da Faperj determina que, em caso de morte do pesquisador principal, a devolução da verba deve ser efetuada. Diversos professores e departamentos da UFRJ, inclusive a vice-reitoria, apelaram para que a fundação não congelasse a verba de Silva-Neto, destinando-a para Georgia, chefe do Laboratório de Bioquímica de Lipídios e Lipoproteínas, um dos doze colaboradores envolvidos com os projetos do bioquímico.

Ao GLOBO, a fundação estadual afirmou que o vice-coordenador dos projetos poderia ganhar uma procuração para acessar as verbas necessárias para os projetos, caso houvesse um acordo entre todos os membros da equipe. Mas isso ainda não aconteceu.

— Infelizmente quando morrem os pesquisadores, morrem suas ideias. Não conseguiremos dar continuidade aos projetos — lamenta Georgia. — O Mario fez, em parceria com a Fiocruz, uma coleta de mosquitos Aedes em vários pontos da cidade. Sua intenção era compará-los ao Aedes que usamos no laboratório, que vêm de países do Primeiro Mundo e têm o DNA diferente. Esta iniciativa poderia nos ajudar a ver quais moléculas podem tornar o Aedes “carioca” mais resistente ao inseticida do que o outro, e de que forma conseguiríamos diminuir sua defesa aos produtos. Mas, para realizar este sequenciamento genético, precisamos de R$ 73 mil. Não vamos fazer. Não teremos estas respostas.

O projeto Flower Power teve a outorga — o instrumento para concessão de auxílio financeiro — estabelecido em novembro de 2015. No entanto, ainda não recebeu sua verba de R$ 175 mil. Segundo o bioquímico Rodrigo Nunes, pesquisador de pós-doutorado no laboratório de Silva-Neto, a proposta do cientista era “impedir a primeira picada do Aedes”.

— Usamos a maria-sem-vergonha, uma das flores mais assediadas pelo Aedes, para estudar como ocorre a alimentação do mosquito — explica. — No início de sua vida, o mosquito chupa primeiro a seiva da planta e, depois, a fêmea começa a nos picar. O projeto consiste em modificar geneticamente a planta para que ela possa desenvolver uma proteína na seiva que impeça o inseto a buscar o sangue de um mamífero.

De acordo com Georgia, as plantas ornamentais que passariam por esta experiência seriam distribuídas em locais com maior circulação de pessoas, como jardins e condomínios. O grupo de pesquisadores já havia conseguido uma patente para produzir sua planta em larga escala.

A equipe de Silva-Neto deve esperar a abertura de novos editais de programas de fomento à pesquisa — como o CNPq e a Finep, ambos do governo federal, além de outro da própria Faperj — para obter os recursos necessários para a conclusão dos projetos idealizados pelo bioquímico. No entanto, devido à crise econômica do país, as seleções podem ocorrer apenas no ano que vem.

— Se a Faperj tivesse pago todas as parcelas no momento certo, já teríamos recebido todo o dinheiro para as pesquisas. Mas sempre lidamos com atrasos — destaca Rodrigo Nunes. — A troca de coordenador de um projeto é comum nas agências federais, por isso perguntamos à Faperj se precisávamos nomear alguém para realizar transações no lugar do Mario, já que os repasses ocorrem por cheque nominal. E a resposta foi: “na realidade vocês não gastam. Todo o dinheiro é devolvido”. Sendo assim, tudo que foi planejado vai parar.

O cofre da equipe está quase zerado. Georgia venceu dois editais no ano passado que lhe dariam R$ 1 milhão para estudar enfermidades como doença de Chagas, malária, esquistossomose e leishmaniose, mas os recursos não foram transferidos até agora. Os laboratórios estão se sustentando através da taxa de bancada — uma verba criada pelas agências de fomento para manter o funcionamento básico de suas estruturas. Os repasses, porém, são irrisórios. O CNPq destina R$ 1 mil mensais; a Faperj, R$ 2,8 mil, insuficiente para procedimentos como manutenção e compra de equipamentos e insumos.

Retrocesso de até 20 anos

O orçamento da Faperj foi reduzido em mais de 30% este ano, em relação a janeiro de 2016. Em cifras, quer dizer que o pagamento de bolsas e o investimento em ciência e inovação, que era de cerca de R$ 430 milhões, não ultrapassará a marca de R$ 300 milhões este ano. A estimativa é que até 2 mil laboratórios podem ser fechados até dezembro — o que poderia causar um retrocesso de até 20 anos na produção científica do estado, segundo especialistas. Os centros de estudo fluminenses contribuem para 5% da pesquisa mundial sobre o vírus da zika.

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