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05/11/2019

De havaianas nos pés, britânico Robert Morris faz combinatória

Cecília Manzoni

Na cidade histórica de Lancaster, no noroeste da Inglaterra, uma cena se repetia com frequência na casa da família Morris. Ao colocar as crianças para dormir, Jim preparava um ambiente aconchegante e dava início à contação de histórias, até ser interrompido por um apelo categórico. “História não, pai! Quero contas!”, pedia Robert, o filho mais novo. Com o tempo, o gosto pelas operações matemáticas atingiu outros patamares. Aos 15 anos, o adolescente canalizava sua energia para resolver complicados problemas matemáticos e, aos 17, conquistou um bronze na 39ª Olimpíada Internacional de Matemática (IMO).

Pesquisador do IMPA desde 2010 e ganhador do Prêmio SBM 2017, Robert Morris atua na área de combinatória, com enfoque em combinatória probabilística e aplicações do método probabilístico em áreas como teoria de Ramsey e teoria de números.

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Campo da Matemática que estuda conjuntos finitos de elementos que satisfazem critérios determinados, a Combinatória começou a se expandir no século XX com o trabalho do húngaro Paul Erdos. A área se divide, basicamente, em combinatória probabilística, que estuda as propriedades típicas de objetos finitos e aleatórios; e na combinatória extremal, que estuda as propriedades extremais destes objetos. Estes objetos podem ser conjuntos de números, grafos, colorações, objetos geométricos, entre outros.

“Combinatória é muito diferente das outras áreas da Matemática. A dificuldade de se chegar na fronteira da área é bem menor. Eu poderia explicar um problema no quadro que, em 10 minutos, qualquer um poderia entender. O processo de resolução dos problemas da área não é necessariamente demorado, e às vezes um problema que parece inalcançável pode ter uma solução muito simples, mas que nunca foi abordada”, conta o matemático.

Esta simplicidade também dá o tom do estilo de vida levado pelo britânico, que lentamente se transforma em um carioca da gema. Morris, que diz se sentir alheio à cultura inglesa, encontrou no Brasil a descontração que lhe faltava. As sandálias havaianas no pé viraram sua marca registrada. “Sou conhecido na comunidade de combinatória por ir a todas as conferências de chinelo”, brinca.

A carreira na Matemática nunca foi uma dúvida. Quando se formou na área pela Universidade de Cambridge, não hesitou em engatar em um mestrado em Matemática na mesma instituição. Concluído o curso, em 2001, seus planos envolviam um ano sabático viajando pela América Latina, Austrália e Nova Zelândia. 

O encontro inesperado com alunos do professor Béla Bollobás, atualmente pesquisador visitante especial do IMPA, em um Pub em Glasgow, na Escócia, resultou em um convite para o doutorado na Universidade de Memphis (Tennessee, Estados Unidos). Diante da oportunidade de trabalhar com uma grande referência da combinatória, os planos de tirar um sabático foram postergados.

“A adaptação em Memphis foi bem complicada. É uma cidade conservadora, e com muitas diferenças culturais, o que fez com que eu ficasse mais amigo dos alunos estrangeiros”, comenta Morris.

Foi durante o doutorado que visitou o Brasil, quando Bollobás levou orientandos para uma conferência em combinatória no IMPA, em 2004. “Fiquei completamente fascinado e, depois de passar duas semanas aqui, tinha certeza de que moraria no Rio.”

A sonhada mudança para o país foi rápida. Dois anos depois, em 2006, assim que concluiu o doutorado, Morris veio ao IMPA para um pós-doutorado. Neste período, se esbaldou na cultura carioca se tornando um assíduo frequentador do “Forró de Rabeca”, evento que agitava as noites do centro do Rio de Janeiro.

Voltou à Inglaterra após um ano, para um pós-doutorado na Universidade de Cambridge. “Achei que seria uma boa oportunidade profissional, mas fiquei muito triste de voltar. Já não me sentia pertencente àquela cultura. Por outro lado, a Universidade de Cambridge era bastante flexível em relação a viagens, então tive a oportunidade de passar um tempo pesquisando em Tóquio (Japão) e em Telaviv (Israel).”

A vinda definitiva para o Brasil resultou de um convite para se tornar pesquisador do IMPA, em 2010. “De toda forma, já passava todos os verões no Rio”, reforça Morris, que vive com a esposa hondurenha Karen e suas duas filhas no país.

Desde então, o britânico já conquistou o Prêmio SBM, em 2017; o European Prize in Combinatorics, em 2015; e o Fulkerson Prize da American Mathematical Society, em 2018, entre outras distinções. Membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) encara a pesquisa científica como uma atividade prazerosa. “Passar um dia inteiro na frente de um quadro perseguindo uma ideia para resolver um problema lindo e difícil é muito divertido. Me dá uma sensação de felicidade.”

Depois de tanto sonhar com o Brasil, Morris garante que não arreda mais daqui. E o IMPA tem um grande papel nisto. “Estou muito contente com o instituto. Considero um lugar perfeito para fazer pesquisa. Temos a liberdade de só dar aula em nossa área, ótimos alunos e este espaço na floresta que faz muita diferença. Se empaquei em um problema, saio para olhar a vista, respirar, observar os macacos e os tucanos. Volto para a sala refrescado e pronto para um novo ataque ao problema.”

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