Para Ambrozio, a matemática é um ‘exercício criativo’
Ana Luísa Vasconcellos
Pelas lentes de Lucas Ambrozio, de 34 anos, o mundo pode ser interpretado a partir das propriedades geométricas de curvas e superfícies. Tímido e sempre com um sorriso simpático no rosto, o pesquisador do IMPA caminha com tranquilidade pelos corredores do instituto onde se formou doutor, normalmente vestido com uma camisa social azul clara e calça jeans. A pesquisa, focada na geometria diferencial e análise geométrica, exige do matemático muito conhecimento da disciplina e uma pitada de imaginação.
“Vejo a matemática como um exercício criativo. Fazer matemática se assemelha muito a qualquer processo de criação, seja na música, na literatura ou em outras formas de expressão. É buscar criar algo diferente, mas seguindo um conjunto de regras. Assim como o poeta precisa obedecer alguns critérios para fazer um soneto, como respeitar o número de estrofes e a forma de rimar, o matemático precisa organizar o seu pensamento para criar seus teoremas, respeitando regras de argumentação. E, ainda assim, são muitas possibilidades!”, disse Ambrozio.
Leia mais: Programa de Iniciação Científica e Mestrado 2023 abre inscrições
ALGA: congresso recebe visitante mirim
Na Folha, confira o quebra-cabeça de Leonhard Euler
Pesquisador do instituto desde outubro de 2020, ele se interessa sobretudo pelas superfícies mínimas, ou seja, aquelas feitas de pequenos pedaços que têm, cada um, a menor área possível dentre as superfícies que delimitam a mesma fronteira. Se para os leigos o estudo da geometria, cujos conceitos básicos são introduzidos na escola, parece simples, para Ambrozio é um campo inesgotável de possibilidades.
“Como todos os estudiosos da geometria desde Euclides, nos interessamos por noções geométricas simples, como comprimento de curvas, área de superfícies e curvatura, mas analisamos os objetos através de ferramentas de cálculo diferencial e integral, e das equações diferenciais parciais”, explicou, entusiasmado.
A relação com as curvas está presente também em sua infância. Nascido no Rio de Janeiro, se mudou para Petrópolis com poucos meses e, aos três anos, para Teresópolis, depois do nascimento do irmão. Cercado pela tranquilidade das montanhas da serra fluminense, descobriu cedo o gosto pelos estudos.
“Queria aprender tudo! Pela matemática sempre tive gosto e talvez uma facilidade. Mas só surgiu para mim como possibilidade de futuro bem mais tarde”, relembrou Ambrozio, que se considera uma pessoa mais da serra do que da praia.
Cresceu em um ambiente de valorização da educação. A mãe, formada em fonoaudiologia, foi professora de educação infantil e especial por muitos anos e, atualmente, está aposentada. O pai se graduou em arquitetura e hoje se dedica à programação de computadores, carreira que o caçula da família também decidiu seguir.
“Na minha casa, todos sempre fizeram o máximo para gerar essa curiosidade e apoiar os nossos estudos. Eles não entendem 100% o que eu pesquiso, mas sei que entendem o que faz um matemático, o que é algo raro, e um apoio importante”, ponderou.
Paixão pela ‘linguagem do universo’ vai da literatura à matemática
Ambrozio recorda, na adolescência, de se sentir impressionado com estudos de Einstein e de outros físicos, que contemplavam a “natureza do universo” como uma forma geométrica que evolui com o tempo. Ao mesmo tempo, não descartava a possibilidade de se tornar escritor, por devorar os clássicos da literatura brasileira e estrangeira.
“Como eu era um leitor ávido, cheguei a pensar em escrever. Mas, hoje em dia, penso que isso era mais efeito de ser leitor do que de ter alguma história para contar”, relembrou, com bom humor.
Considerada pelos pesquisadores mais entusiastas como uma “linguagem do universo”, a matemática acabou surgindo como escolha profissional no Ensino Médio. Uma de suas professoras, Marcela Amorim, havia participado do Programa de Aperfeiçoamento de Professores do Ensino Médio (PAPMEM), oferecido pelo IMPA. Ela contou ao jovem que, no Rio de Janeiro, existia um lugar onde os pesquisadores exploravam esta linguagem.
A curiosidade para conhecer esse lugar “especial”, cercado pelo verde do Jardim Botânico e habitado por grandes matemáticos, levou Ambrozio a embarcar no Programa de Verão do IMPA, em 2006. Teve a oportunidade de ter aulas com o pesquisador Elon Lages Lima, ex-diretor do instituto, considerado um dos principais nomes da matemática brasileira e falecido em 2017.
Quando terminou o curso, tinha certeza de que estava no lugar certo. “A matemática é muito criativa e, por isso, precisa de um ambiente propício para essa criação! É diversa e precisa continuar sendo diversa, porque cada um tem uma maneira de fazer matemática, então é importante que existam espaços para isso”, refletiu.
Graduou-se em matemática na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi orientado na iniciação científica pela professora Walcy Santos, e retornou ao IMPA na primeira oportunidade.
“Quando eu vim para o IMPA, foi com pressa. No meio da graduação, eu já queria estar aqui. E comecei o mestrado no último ano da graduação. A decisão pela área da geometria veio no segundo ano, quando fiz o curso de geometria diferencial do Fernando Codá. Fiquei fascinado com as coisas que ele pesquisava”, disse.
No doutorado no IMPA, foi orientado por Codá, que provou a Conjectura de Willmore com André Neves em 2012. O problema é famoso em geometria diferencial e estava em aberto desde 1965.
“O Codá é, sem dúvidas, uma das minhas maiores inspirações. Influenciou muito o meu entendimento de quais são as perguntas importantes da geometria, de como se apresentar em aulas e em palestras”, afirmou Ambrozio.
Defendeu sua tese em 2014. Para completar o currículo de peso, fez pós-doutorado no Imperial College de Londres e na Universidade de Warwick, também na Inglaterra. E conheceu de perto o local que teve o físico Albert Einstein como um dos seus pioneiros, o Instituto de Estudos Avançados (IAS) de Princeton. Ambrozio foi membro do IAS entre 2018 e 2019.
Criatividade para além da produção científica
O processo de pesquisa, para Ambrozio, é longo, prazeroso, mas muitas vezes frustrante. “A matemática tem muitos pontos em que você fica batendo a cabeça na parede, porque não consegue mais avançar. Mas, quando você consegue organizar o seu pensamento para provar sua reflexão e escrever suas conclusões, é muito gostoso. É uma das melhores partes do processo”, comentou.
E quando não consegue encontrar as respostas na matemática, a música e a literatura servem de escape.
“Minhas principais atividades de lazer são a leitura e o violino. Ultimamente, tenho lido mais não-ficção e coisas que se aproximam mais da história vivida, como biografias. Agora, por exemplo, estou lendo o livro do Davi Kopenawa, xamã Yanomami”, afirmou.
Leia também: Medalhistas da OBMEP poderão concorrer a 25 bolsas de R$ 900
6ª edição do Prolímpico tem número recorde de inscritos