Navegar

14/10/2020

O fascínio de Aloisio Araujo pela economia matemática

Uma carta do então diretor-geral do IMPA, Lindolpho de Carvalho Dias, relatava em 1971 o desejo da instituição passar a desenvolver atividades de economia matemática. O grupo, até então, não existia, mas já havia um nome em mente para coordená-lo: Aloisio Araujo. Foram sete anos até que essa ideia se concretizasse e, de fato, se tornasse realidade. Hoje, em um cenário bem mais consolidado, o pesquisador emérito do instituto lembra que, exceto por breves períodos, fora o único especialista na área no IMPA. “Foram 50 anos de solidão, mas valeu muito a pena”, brinca Aloisio. 

“Só fui descobrir que essa correspondência ainda estava guardada no início de 2020, quando um aluno do doutorado da Universidade de São Paulo (USP), que está fazendo uma tese sobre a história recente da economia matemática com pesquisadores de Berkeley, Stanford e IMPA, fez uma entrevista comigo e reviramos algumas coisas com ajuda de Suely Lima. O documento estava este tempo todo com a Comissão de Atividades Científicas (CAC)”, revela. 

Leia mais: Na Folha, Viana fala das escritas da antiguidade europeia
Revista Piauí e Band destacam pesquisadoras do IMPA
Conheça a equipe que vai disputar a Ibero-americana

Na correspondência, Lindolpho mencionava que já havia tratado do assunto com Jacob Palis. “O engraçado é que, àquela época, ainda não tinha feito minha transição total para este ramo da pesquisa. Já tinha escrito artigos e dado palestras desde muito cedo na carreira em economia matemática, mas estava focado em outro campo. E ainda queria terminar essa pesquisa nos Estados Unidos.”

Aloisio entrou para a graduação em ciências econômicas em 1964, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e em estatística, em 1965, na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). “Quando comecei a faculdade de economia, já queria estudar matemática também. Me convenci de que era importante para o campo econômico. Ao ler livros de matemáticos russos como Kolmogorov, me apaixonei pela teoria das probabilidades.”

Conheceu os corredores do antigo prédio do IMPA, com sede ainda localizada em Botafogo, quando cursou o mestrado pelo instituto. Em 1968, concluiu as graduações e a pós simultaneamente. 

Logo em seguida, em 1969, Aloisio fez o doutorado em Berkeley, na Califórnia, sob orientação de Lucien Le Cam, quando começou a trabalhar com probabilidade em dimensão infinita. E também com geometria de espaço de Banach e relações com convergência de probabilidade, em especial o teorema de limite central. Filho de um médico pernambucano e uma dona de casa carioca “muito intelectualizada, que lia romances franceses”, Aloisio acredita que os dois foram importantes fontes de inspiração para a carreira acadêmica e dedicação à causa pública. Outros laços afetivos também atravessaram a sua trajetória. 

“A amizade com Andreu Mas-Colell foi fundamental para minha aproximação com a economia.” Em Berkeley, participava habitualmente dos seminários de economia matemática organizados por Gérard Debreu, dos quais participavam eminentes nomes como David Gale, John Harsanyi, Daniel Mcfadden,George Akerlof, Stephen Smale, Roy Radner, muitos dos quais ganharam o Prêmio do Nobel de Economia. 

“Na ocasião também comecei a escrever um artigo com José Alexandre Scheinkman, que havia estudado no IMPA. Fui convidado para dar cursos de economia matemática na Universidade de Chicago, onde aprendi economia mais aplicada com os novos clássicos, como Robert Lucas Jr, Edward Prescott, Thomas Sargent, Buzz Brock e James Heckman, a maioria dos quais também ganharam o Prêmio Nobel e dos quais me tornei próximo.” 

Ao longo da trajetória acadêmica, Aloisio tornou-se membro da National Academy of Sciences nas seções de matemática aplicada e de economia, da American Academy of Arts and Sciences, membro honorário estrangeiro da American Economic Association, da The World Academy of Sciences (TWAS) e também membro da Academia Brasileira de Ciências. 

Além disso, é fellow da Econometric Society e já foi por duas vezes candidato à presidência. Embora tenha perdido, sente-se orgulhoso porque anualemente, somente dois fellows são convidados para disputar a eleição. Este ano, torna-se também torna pesquisador emérito do IMPA, ao lado de Jacob Palis e César Camacho. 

Ciências nos trópicos 

Na carreira matemática, Aloisio atuou em universidades e institutos na Europa e nos Estados Unidos, mas nunca pensou em se mudar, definitivamente, para fora do Brasil. Neste sentido, fora inspirado pela leitura do livro “Ciência e Desenvolvimento”, de José Leite Lopes, quando ainda estava na universidade e também pela trajetória de Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e César Lattes. “Quando comecei a cursar o IMPA no mestrado, em 1966, reconheci esta causa como parte desse projeto científico brasileiro.”

Foto: James Heckman, Nobel de Economia, Aloisio Araujo e Jacob Palis em evento na ABC

“Tive contato com pesquisadores como Leopoldo Nachbin, Elon Lages Lima, Jacob Palis e Maurício Peixoto que me inspiraram profundamente.” Anos mais tarde, ao retornar ao instituto como pesquisador, deu início ao grupo de economia matemática. “Via receptividade para fazer meu trabalho, mas precisei abrir novos espaços”, já que a área em questão era muito nova no Brasil. “O que sempre quis foi diminuir a distância de nós para outros países desenvolvidos, em ciências. Quando falo de minha experiência, estou falando de várias outras pessoas que também pensavam desta forma.” 

Dar início ao novo campo de estudos no IMPA, em meados da década de 1980, foi tarefa desafiadora. A primeira turma para quem lecionara teve três alunos: Sérgio Werlang, Carlos Ivan Simonsen Leal e Ricardo Paes de Barros. “Já poderia ter me aposentado ali mesmo”, lembra com bom humor. 

“Houve pesquisadores temporários que passaram aqui por um ano ou dois. Houve também pós-docs, alunos excelentes.” Ao seu ver, foi preciso “bom senso” para estabelecer o novo curso apoiado na relação entre matemática e economia. “Sempre tive a ideia de trazer as coisas para o país, de reduzir as fronteiras com o tipo de ciência que se fazia lá fora. Fiquei muito chocado, ao retornar ao Brasil, que ninguém associava a educação nem à pobreza nem à distribuição de renda. Também achavam que inflação não tinha nada a ver com déficit público. Demoraram uns 20 anos para descobrir isso.”

A carreira dividida entre os cargos de pesquisador no IMPA e na Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde ingressou a convite de Henrique Simonsen, ex-Ministro da Economia que também teve passagem pelo IMPA quando era estudante de engenharia e foi fundamental para conseguir recursos para a construção da atual sede do instituto, permitiu a Aloisio orientar diferentes tipos de alunos, com os mais distintos interesses acadêmicos. 

“Tive estudantes de mestrado e cerca de 50 de doutorado sob minha orientação que concluíram a tese, entre a Fundação e o IMPA, que trataram de informação assimétrica, leilões, teoria dos jogos, entre outros tantos temas. Foram centenas de trabalhos ligados à economia, práticas econômicas, teoria da decisão, regulação e locação de recursos”, tenta enumerar. “Também publiquei cerca de 100 artigos científicos.” 

Tamanha diversidade acadêmica faz com que Aloisio transite com fluidez na pesquisa por temas como educação infantil, segurança pública e legislação de falências, sempre sob a perspectiva da economia matemática. “Muitas vezes, recorrem a mim para que eu fale de economia, e esquecem da matemática. É o mesmo problema de sempre. Não trabalho com esta separação: existem modelos formais, desde especialistas ligados à matemática pura, para tratar de várias questões.”

Aloisio também teve significativa atuação para conseguir bolsas de doutorado pelo CNPq e pela Capes para que alunos pudessem ir para o exterior.

Desenvolvimento da economia matemática no Brasil 

O pesquisador é categórico ao justificar o embasamento matemático para questões econômicas. “Se você organiza o debate econômico, a economia pode não encontrar a solução certa. Mas joga fora várias soluções erradas, confusas, o que ajuda de um ponto de vista prático. O meu fascínio sempre foi a beleza da teoria.”

A economia já chamou a atenção de muitos matemáticos, desde a segunda metade do século 19, e, mais recentemente, avalia ter dado importantes passos para expandir a área no cenário brasileiro. “Trouxe mais de 20 pesquisadores que ganharam o prêmio Nobel para palestras aqui. Consegui auxiliar mais de 200 estudantes, não só alunos meus, a fazer o doutorado fora. O IMPA me proporcionou este espaço, assim como a Fundação Getúlio Vargas.” 

Mas manter economistas matemáticos atuando na área acadêmica sempre foi um desafio. “A maioria acaba migrando para o mercado de trabalho ou atua em postos do governo.” Para ele, a razão é bastante simples: o salário e o fato de ser interessante para o mercado ter profissionais intelectualizados. “Faz parte. O mundo corporativo se matematizou muito nos últimos anos e ninguém sabia falar sobre matemática. Então, acho que foram boas contribuições que aconteceram.” 

Aloisio reconhece ainda que, com o passar dos anos, muitos profissionais também optaram por dar sequência à carreira no exterior, mas observa com alegria que a área vem se desenvolvendo no Brasil. Conforme observou um estudo em que comparou 25 anos da produção acadêmica brasileira e constatou que a situação havia mudado, quando foi homenageado pela Anpec. “Neste período, a área de economia já estava muito mais alinhada com outras áreas científicas, como física, no país.” 

No âmbito pessoal, o pesquisador emérito admite que não esperava ter chegado tão longe na carreira que escolheu. “Sempre foi uma incerteza, mas, ao mesmo tempo, isso me dá forças para entender que não posso parar por aqui. Imagine: você escreve o paper, é bem recebido, publica. É um alívio, mas é inevitável não pensar, será que vou ter outra boa ideia? Você orienta o aluno, dá certo, ele defende a tese. E o próximo? Até onde vai isso? Mas gosto de pensar que sempre tem novos desafios que vão surgindo”, afirma, inspirado. 

Leia também: IMPA celebra 68 anos em cerimônia virtual
Através da matemática, Roger Penrose leva Nobel de Física