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26/04/2021

No Livro Histórias Inspiradoras da OBMEP: Karen Carvalho

Faxina, comércio, ajudante de cozinha. Regina Lúcia, 54 anos, fez de tudo um pouco para criar a filha, Karen Carvalho. A filha foi a primeira pessoa da família a entrar numa universidade. Dez anos se passaram desde que Karen participou de sua primeira Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Paulistana criada na litorânea Caraguatatuba, sempre estudou em colégios públicos e aprendeu a gostar de números nas aulas do professor Archimedes, na Escola Estadual Alcides de Castro Galvão. Uma medalha de bronze na competição acadêmica fez Karen perceber a Matemática em outra dimensão.

“A olimpíada me fez refletir. Entendi que não se trata de fazer contas, mas de pensar e resolver problemas de forma intuitiva. Sempre fui boa aluna, mas descobri como é legal estudar além da sala de aula”, afirma, aos 21 anos, a hoje estudante de Matemática Computacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A carreira acadêmica já a fez mudar de cidade. Estudou sozinha para o vestibular, porque não podia pagar cursinho, e passou nos exames da USP, da Unesp e da Unifesp. Escolheu a terceira. Com a mãe, Karen foi morar em São José dos Campos, para evitar os 90 km diários entre o campus da universidade e Caraguatuba.

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“Sou filha única. Minha mãe se orgulha muito, sempre dava um jeito de me trazer para o PIC uma vez por mês. Fiz durante dois anos na Unifesp, onde estudo hoje”, conta Karen, lembrando o Programa de Iniciação Científica destinado a premiados na Obmep. Segundo Regina Lúcia, Karen gosta de estudar desde os 4 anos. “Adorava passar o dia na escola, participava das olimpíadas, sempre foi dedicada. Para mim é maravilhoso, as vitórias dela são minhas também. Ela veio para São José, eu tive que vir também. Moramos só nós duas, é uma relação muito próxima.

”Karen até pensou em estudar Matemática Pura, mas teria que se mudar para São Paulo aos 17 anos, e a mãe ainda não queria deixá-la ir para tão longe. “Eu me adaptei bem a São José. Saio cedo para o estágio, depois vou direto para a faculdade; tem dias em que chego em casa meia-noite e ainda tenho de estudar antes de dormir. Às vezes sinto falta da calma de Caraguá”, conta.

Tanta dedicação tem motivo: seu sonho é entrar no mestrado e encarar o doutorado, embora ainda não saiba em que área. Quando se lembra dos dias de estudo para as olimpíadas e dos encontros do PIC Júnior, que duravam um sábado inteiro a cada mês, tem certeza de que ali foram plantadas as sementes do que começa a colher agora.“A Obmep mostrou algo que eu não conhecia e passei a querer para minha vida toda. Se não fosse a olimpíada eu não teria seguido esse caminho.”

Segundo Karen, “Matemática no momento é tudo” em sua vida. Passa “o tempo todo pensando em Matemática” e que nos tempos vagos lê artigos para descobrir as novidades na área. Dos colegas de Caraguatatuba, só ela segue carreira na área. “Meus amigos acham loucura. Fazem cara torta, dizem que tem maluco para tudo. O incrível é que, para minha mãe, sempre foi natural. Ela sempre me incentivou”, conta.Aos 71 anos, o professor que a inspirou, Archimedes de Andrade Neto, continua lecionando em Caraguatatuba. De vez em quando ele pensa com saudade na ex-aluna.

“Karen era uma ótima aluna, muito inteligente, dedicava-se intensamente, prestava muita atenção, lutava para ser a melhor da classe. Uma vez, pediu exercícios mais difíceis! Elevei o nível para ela e outra aluna, e as duas foram muito bem nas olimpíadas. Sinto saudade. Sou professor da época antiga, considero que a Matemática é o que move o mundo. É capaz de transformar vidas.” Professor de Karen nas aulas do Picme e na graduação da Unifesp, Marcelo Cristino Gama frisa que ela “mostrou a evolução natural dos alunos do PIC, da visão da Matemática como um emaranhado de contas para uma ciência abstrata e conceitual. Na universidade, sua evolução foi substancial”.

“O impacto da Obmep em jovens como Karen é imenso, para dizer o mínimo! Nos oito anos em que fui professor-orientador do PIC, vi jovens que tiveram suas vidas transformadas pela olimpíada. Alguns viviam em situação de risco, outros vieram de lares desestruturados, outros ainda viviam em pobreza extrema. Quase nenhum sabia o que era uma universidade. Após a olimpíada, com o PIC, esses alunos passaram a ver os estudos como uma porta de entrada para uma vida nova. E tenho a felicidade de dizer que muitos deles alcançaram seus objetivos”, diz Gama.

*Texto retirado do livro “Histórias Inspiradoras da OBMEP

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