Maurício Peixoto, o matemático de inspiração infinita
Quando estava perto dos 90 anos, Maurício Peixoto (1921-2019), um dos fundadores do IMPA e pesquisador emérito, foi instado por Marcelo Viana, diretor-geral do instituto, a participar de um livro que reunisse todos os seus trabalhos. Ele desconversou. O motivo, confessado pouco tempo depois, se mostrou surpreendente. Mesmo depois de publicar mais de 40 artigos e de mudar o rumo da matemática brasileira e mundial com descobertas inéditas no campo dos sistemas dinâmicos, o profícuo pesquisador continuava a fazer matemática e acreditava que o ponto alto de sua obra ainda estava por vir.
Além de evidenciar o entusiasmo com que Peixoto, já em idade avançada, encarava a pesquisa, o exemplo nos leva a imaginar que outras contribuições o matemático poderia ter dado à ciência até chegar aos 100 anos. A data redonda é esta quinta-feira (15). Morto em abril de 2019, o pesquisador cearense teve seu talento reconhecido por importantes distinções, como o Prêmio Moinho Santista (1969), o Prêmio de Matemática da Academia Mundial de Ciências (1987) e a Grã-Cruz e a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico.
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O físico Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colaborou com Peixoto em seus últimos trabalhos, e testemunhou o fôlego científico que o pesquisador mantinha. “Maurício tinha uma lucidez fantástica. Parte da genialidade dele era conseguir explicar coisas complexas de forma muito simples. Ele expunha suas ideias com clareza e ia ao âmago dos problemas para resolvê-los, não ficava só enredado na técnica”, conta.
Para a matemática Alciléa Augusto, viúva de Peixoto, a curiosidade insaciável do marido explica, em partes, sua longeva produtividade acadêmica. “Ele tinha um entusiasmo genuíno pelo conhecimento. Aos 94 anos, ainda varava noites debruçado sobre uma publicação que estivesse preparando.”
Segundo Alciléa, para chegar aos resultados exitosos que lhe conferiram renome internacional, ele contava com uma intuição aguçada. “Ela se revelava não só na pesquisa, mas também em outras esferas, como na relação com as pessoas. Eu me lembro que no início dos estudos do Maurício em decomposição focal, ele teve de fazer cálculos muito complicados, mas foi em frente porque sabia que os resultados estariam certos.”
História
Filho do governador do Ceará José Carlos de Matos Peixoto, Peixoto nasceu em 15 de abril de 1921, em Fortaleza. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro ainda na infância. Depois de ser reprovado em matemática no Colégio Pedro II, no Rio, começou a se interessar pela disciplina. Como a carreira de matemático não existia, foi para a Escola de Engenharia da Universidade do Brasil. Lá, fez amizade com os colegas de turma Leopoldo Nachbin (1922-1993), também fundador do IMPA, e Marília de Magalhães Chaves (1921-1961), com quem se casaria em 1946. Os dois foram influências importantes para que ele se tornasse matemático.
Apesar de ter se formado em engenharia civil, nunca chegou a exercer a profissão. Seguiu o caminho da matemática, e, na mesma instituição, foi aprovado no concurso de Livre-Docência de Mecânica Racional, em 1947, e no da Cátedra da mesma disciplina, em 1952.
Também em 1952, Maurício fundou o IMPA, ao lado de Lélio Gama (1892-1981) e de Leopoldo Nachbin. No início, o instituto foi alocado temporariamente em uma sala da sede do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Praia Vermelha, zona sul do Rio de Janeiro. Primeira unidade científica do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), o IMPA nasceu com o objetivo de estimular a pesquisa científica em Matemática, formar pesquisadores e difundir e aprimorar a cultura matemática no Brasil.
Apesar de visitar o IMPA com menos frequência nos últimos anos de vida, Peixoto nutria pelo instituto um carinho especial. “Toda vez que ele voltava do IMPA ele dizia ‘aquele lugar é a minha casa’. Adorava passar horas na biblioteca. Ficava mais lá do que na própria sala. Esquecia até de almoçar”, rememora a viúva.
Pioneirismo
Seu trabalho em estabilidade estrutural é considerado um marco para a consolidação dos sistemas dinâmicos, área de especialização de alguns dos melhores matemáticos brasileiros, como Artur Avila, vencedor da Medalha Fields em 2014. O primeiro contato de Peixoto com o conceito foi em 1955, em incursões na então recém-criada biblioteca do IMPA.
Um ano depois de se debruçar sobre o assunto, Peixoto contou sobre os avanços que conseguira no tema em correspondência ao americano Solomon Lefschetz (1884-1972). Foi convidado, então, para uma temporada na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Na instituição americana, o brasileiro concluiu o manuscrito do seu primeiro artigo sobre estabilidade estrutural.
Seus estudos sobre o tema fizeram dele o “pioneiro na área de sistemas dinâmicos no Brasil”, afirma Jacob Palis, pesquisador emérito do IMPA, que chegou a fazer estágio com Peixoto no início da carreira. “Seu entusiasmo pela matemática e a certeza de que os problemas que apareciam tinham sempre uma solução, que ele buscava com afinco, o distinguiam como pesquisador”, ele enaltece.
Para Carlos Aragão, a descoberta de Peixoto abriu caminhos na área, o que é raro na ciência. “O impacto da descoberta foi muito grande. O teorema de Peixoto foi obtido para sistemas em duas dimensões, mas depois foi generalizado por Steven Smale (matemático americano que ganhou a medalha Fields em 1966). Tem aplicações na física e em outras áreas, e muitas teses e trabalhos se originaram desta descoberta”, avalia o professor da UFRJ.
Vida pessoal
Descrito pelos amigos e parentes como um homem inteligente, modesto, bem humorado – em suma, uma companhia extremamente agradável -, Peixoto converteu vários colegas de trabalho em amigos pessoais. Fez amizades com pares que conheceu durante a presidência do CNPq, da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Foi o caso com Lindolpho de Carvalho Dias, ex-diretor-geral do IMPA, que acompanhou diversos momentos da trajetória do pesquisador cearense.
Dias, que é padrinho de uma das filhas de Peixoto, relembra os tempos em que foi aluno do pesquisador e de sua primeira mulher, Marília Chaves. “Nós três desenvolvemos rapidamente uma amizade muito forte, com muito contato pessoal, que durou a vida inteira. Maurício era um homem muito inteligente, íntegro e correto. Por isso, tudo que ele tocava funcionava muito bem, tanto como pesquisador como administrador da ciência brasileira nas instituições presididas por ele”, relata.
Ministro de Ciência e Tecnologia entre 1992 e 1999, o químico José Israel Vargas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que, durante a presidência do CNPq, o fundador do IMPA se esforçou para elevar a química nacional ao mesmo prestígio que a matemática e a física já desfrutavam à época. “Havia um programa da Inglaterra chamado Royal Society Professorship, que oferecia bolsas de pesquisa para os melhores cientistas ingleses em universidades de todo o mundo. Ele planejava trazer cinco destes professores para universidades brasileiras, e criar um núcleo de alta qualidade em química.”
Vargas recorda com carinho do amigo, com quem estreitou laços durante os anos que esteve no CNPq. “Admirava muito a inteligência e a modéstia do Maurício. Eu era curioso, me interessava aprender o significado da matemática que ele estava fazendo, e ele brincava comigo dizendo: ‘você sabe tudo, e eu sei o resto’. Esperávamos ardentemente comemorar seus 100 anos, mas infelizmente não deu”, lamenta.
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