Livro de Paulo Ney vira história transformadora em Berkeley
O matemático Paulo Ney de Souza hoje até ri ao contar sobre o exame que poderia ter encerrado precocemente sua carreira em Matemática na Universidade de Califórnia, Berkeley (Estados Unidos), nos idos de 1980. Descreve o episódio como inusitado. Mas confessa que, à época, ficou furioso com o pesquisador Robion Kirby, que não o alertara propriamente para aquele detalhe do programa de pós-graduação de Berkeley, uma das quatro instituições americanas mais concorridas na área.
CEO da Mathematical Sciences Publishers, da Universidade de Califórnia, Berkeley até 2011 e atualmente responsável pela área de publicação do IMPA, Paulo Ney seguira para o doutorado em Berkeley após intenso intercâmbio com Kirby, também da área de Topologia, que passara seis meses como pesquisador visitante no IMPA. Apenas ao chegar lá soube do exame aplicado com o objetivo de verificar quem, entre os alunos do primeiro ano da pós-graduação, dominava a Matemática necessária para seguir adiante no programa. Ele enfrentou a peneira praticamente à queima-roupa.
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“Kirby disse só que havia um exame e que seria importante que eu fizesse logo, não esperasse até o fim do ano. Fui surpreendido com um exame dificílimo, um negócio absurdo, passei raspando e saí de lá absolutamente furioso com ele. Disse: ‘Mas por que você não me avisou’? Ele respondeu: ‘Eu sabia que você ia tirar de letra”, relata, observando que, naquela época, não havia website com informações sobre o exame. “Era tudo de boca.”
Eis aí a história por trás de “Berkeley Problems in Mathematics”, livro que Paulo Ney escreveu em parceria com o também matemático Jorge-Nuno Silva (Universidade de Lisboa), lançado pela Springer em 1998. Para evitar que os futuros estudantes de pós-graduação em Matemática passassem por pesadelo semelhante ao que vivenciou, ele e o colega compilaram todos os problemas e soluções dos exames aplicados até então.
Duas décadas depois, a publicação ainda traz ótimas surpresas. A mais recente foi noticiada no site da Universidade da Califórnia, Berkeley e conta como o livro de Paulo Ney e Jorge-Nuno foi determinante para o cubano Felix Gotti, que deixou a vida de dançarino de salsa em seu país e apostou na carreira de matemático.
“Quando folheei este livro pela primeira vez em Cuba não consegui sequer entender o enunciado dos problemas”, disse ao jornalista John Rickey, autor da reportagem sobre “Berkeley Problems in Mathematics”. A publicação se tornou uma fonte valiosa para estudantes da área, especialmente aqueles que planejam ingressar em um programa de pós-graduação.
Como não falava nem lia em inglês, Gotti penou para compreender o que uma instituição de primeira linha como Berkeley chama de Matemática básica. “Então, comecei a aprender mais sobre o programa de pós-graduação, e a ideia de Berkeley e meu sonho de carreira ideal começaram a se fundir sutilmente”, contou o estudante, que saiu de Cuba em 2007, fez graduação na Universidade da Flórida e acaba de defender o doutorado em Berkeley.
Gotti ficará até agosto como pós-doc em Matemática Pura na Universidade de Graz (Áustria). Depois, segue para a Universidade da Flórida, com bolsa de pesquisador da National Science Foundation. Segundo disse na reportagem, muito da vida dele atual está associada ao trabalho minucioso feito por Paulo Ney e Jorge-Nuno.
“Nosso e-mail está nos livros. Então, recebemos muitas mensagens. Mas a história dele me surpreendeu”, confessa Paulo Ney, que se aposentou da Universidade de Berkeley em 2015, onde lecionou Astronomia e Matemática foi diretor de computação do Departamento de Matemática de 1992 a 2002.
O livro já foi reeditado desde então. A última versão, de 2004, traz 1.250 problemas, que integram as provas aplicadas desde 1977 até então. O volume que o cubano Gotti folheou – e que veio a transformar sua vida – foi doado pelo próprio Paulo Ney à Universidade de Havana.
“Estamos preparando uma nova edição, que será lançada com conteúdo até do exame de janeiro de 2019”, adianta Paulo Ney sobre a publicação, que trará problemas de áreas como análise real, equações diferenciais, análise complexa, álgebra e álgebra linear. Os problemas são organizados por área e ordenados em grau crescente de dificuldade.
Sobre o livro, Paulo Ney recorda que exigiu um trabalho “arqueológico”. “Na primeira edição, reunimos problemas das provas aplicadas até então. Tivemos que descobrir as pessoas que se formaram em cada ano porque as provas nem existiam mais. Era tudo em papel. Não existia web”, conta o matemático.
Segundo ele, além dos estudantes interessados em concluir a pós-graduação em Berkeley, o livro passou a ser adotado em outras instituições, no fim da graduação na área, e ainda por pessoas desejosas de aprender como resolver problemas matemáticos. Depois ganhou versão em chinês e se espalhou em escolas secundárias na Ásia, especialmente na China e na Coreia do Sul.
“O livro ganhou esse conjunto de fãs todos lá fora. São pessoas que querem aprender Matemática”, disse, contando que agora todos chegam a Berkeley com uma cópia do livro em mãos.
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