História inspiradora: Willian Diego Oliveira, Cruzeiro do Oeste (PR)
Willian Diego Oliveira, 28 anos, medalhista de ouro na primeira edição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), em 2005, nasceu no Paraná, morou no Paraguai e no Mato Grosso do Sul, e hoje reside e estuda em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo.
O estudante fez o mestrado em Matemática na Universidade Estadual Paulista (UNESP) entre 2011 e 2013, e emendou o Doutorado. Já a licenciatura, entre 2008 e 2011, fez em Dourados (MS), na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
A possibilidade de fazer faculdade de Matemática começou a ser considerada muito antes, quando ainda estava no Ensino Fundamental, em uma escola da cidade de Corpus Christi, no Paraguai.
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“Tive um professor de matemática muito cativante, Osvaldo Duarte Fonseca, que foi decisivo na minha escolha”, conta. Mesmo no Paraguai, Willian decidiu fazer o Ensino Médio do outro lado da fronteira, na Escola Estadual Guimarães Rosa, na cidade de Sete Quedas (MS), para poder participar da OBMEP.
“PASSEI A TER CONTATO COM O AMBIENTE UNIVERSITÁRIO, E ISSO FAZ MUITA DIFERENÇA PARA UM GAROTO QUE VEM DE UMA FAMÍLIA HUMILDE”
“Os colegas comentavam que haveria no Brasil, em 2005, a primeira edição de uma olimpíada de matemática voltada para as escolas públicas. Me interessei de imediato, porque já gostava muito da matéria e achava que um bom resultado na competição poderia abrir portas para mim. Entrei na Guimarães Rosa no 1º ano do Ensino Médio e ganhei a medalha de ouro. Fui o único medalhista da escola”, conta.
Em 2006, no 2º ano, Willian conquistou a prata na OBMEP e participou da 1ª edição do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC), destinado aos medalhistas de 2005.
No 3º ano, voltou a ganhar uma medalha de ouro. “Queria me despedir bem da OBMEP. Me preparei bastante e fui o quinto melhor colocado do nível 3 (Ensino Médio) em todo o país”. Em sua avaliação, a participação na OBMEP e, principalmente no PIC, foi fundamental na sua vida escolar.
“Passei a ter contato com o ambiente universitário, e isso faz muita diferença para um garoto que vem de uma família humilde de uma cidade pequena.”
Do Paraná para o Paraguai
Willian nasceu em Cruzeiro do Oeste (PR), no noroeste paranaense, cidade com 21 mil habitantes. Filho único, morou durante a infância e a adolescência com a mãe, os avós maternos e quatro tios. “Fui criado pela minha mãe, que trabalhava como empregada doméstica e pegava alguns serviços de costureira”.
Quatro anos depois, a família se mudou para o Paraguai, para a pequena Corpus Christi, próxima à fronteira com o Brasil. “Meu avô achou que haveria mais trabalho para os cinco filhos no Paraguai. A ideia era recomeçar, em uma terra nova, onde haveria mais oportunidades”.
Willian começou a estudar tarde, devido à dificuldade de tirar documentos. Entrou na escola com quase oito anos – quatro anos depois de a família se instalar no país vizinho.
O avô era pedreiro e produtor de balaios (cestos que podem ser de palha, bambu-taquara ou de outros materiais). “Os balaios foram a principal fonte de renda da nossa família na minha infância e início da adolescência”, lembra.
Desde muito cedo, Willian trabalhou para complementar a renda da família. Dos 5 aos 8 anos, ajudava a fazer balaios. Entre os 8 e 15 anos, vendeu salgados, doces e sorvetes pelas ruas de Corpus Christi.
“Eu pegava esses produtos com donos de restaurantes e lanchonetes e os vendia na cidade e em povoados vizinhos”.
Até que aos 15 anos, passou a trabalhar como atendente em pequenas lojas. “Gozava de muita confiança na cidade e os comerciantes sabiam que podiam deixar a loja comigo. No Paraguai, tínhamos que trabalhar muito para conseguir algum dinheiro”.
Entre os 17 e os 18 anos, no início do Ensino Médio, Willian foi trabalhar em “sacaria”, um serviço comum na região de fronteira. “Nos períodos de safra, éramos pagos para descarregar caminhões que iam do Paraguai para o Brasil, e colocar a carga em outros caminhões”.
Estudava de manhã e trabalhava à tarde – e, às vezes, à noite também. Por conta do excesso de peso que tinha de transportar, teve uma lesão em uma vértebra, o que, por muito tempo, lhe rendeu dores.
Bolsa do PIC
A partir do segundo ano do Ensino Médio, o rapaz passou a receber a bolsa de R$ 100 do PIC. “Esse valor, para nós, era dinheiro! Minha mãe, empregada doméstica, ganhava um pouco mais do que isso por mês. O PIC era como se eu tivesse uma segunda mãe trabalhando.”
Ninguém da família completara o Ensino Fundamental, e Willian já estava no 2º ano do Ensino Médio e ainda ganhava uma bolsa para estudar matemática.
“À MEDIDA EM QUE FUI PARTICIPANDO DA OBMEP E DO PIC, PUDE ESTUDAR CADA VEZ MAIS E TRABALHAR CADA VEZ MENOS”
“Eu conciliava a escola de manhã com o trabalho à tarde e à noite. Tive um destino diferente. À medida em que fui participando da OBMEP e do PIC, pude estudar cada vez mais e trabalhar cada vez menos. Vendo que realmente poderia ter um futuro melhor por meio dos estudos, minha mãe passou a pegar mais trabalhos para que eu pudesse ficar em casa estudando.”
Como optou por fazer o Ensino Médio no Brasil, Willian pre-cisava percorrer 30 quilômetros de casa, em Corpus Christi, até a escola.
“A distância não era tão grande, mas a estrada era péssima, e o percurso levava uma hora e meia ou mais. Além dos buracos e atoleiros, o ônibus velho quebrava com frequência. Assim, se atolasse ou quebrasse na ida, voltávamos para casa e perdíamos a aula; se desse problema na volta, completávamos o caminho até em casa andando. Era uma farra.”
Para ir às aulas presenciais do PIC, Willian saía sexta à noite, pegava dois ônibus – um no Paraguai e outro no Brasil – e dormia em um hotel na cidade onde ficava o polo. A volta, segundo ele, era mais complicada, já que, aos domingos, o ônibus do lado paraguaio não circulava. “Eu pegava o ônibus até a fronteira e ia a pé para casa. Levava umas cinco horas, e isso porque, em alguns trechos, dava uma corridinha.”
Mas isso foi no começo do PIC. Para ajudar o rapaz a “trans-por” com mais facilidades as “barreiras geográficas”, os professores Sônia Regina Di Giacomo – ex-coordenadora de Iniciação Científica no Mato Grosso do Sul e atual coordenadora dos Clubes de Matemática da OBMEP – e Sidnei Azevedo de Souza lhe deram de presente uma bicicleta, que passou a ser usada para o transporte no lado paraguaio nos dias de ida e volta do PIC.
“Foi um presentão. A bicicleta era linda e me ajudou muito. Da fronteira até a minha casa, eu levava aproximadamente uma hora e meia pedalando, quase o mesmo que o ônibus.”
Com 20 anos, Willian mudou-se para Dourados (MS) para cursar licenciatura em Matemática na UFGD. “Fui morar na casa do professor Sidnei, de quem sou amigo até hoje, e logo arrumei emprego em uma pizzaria, onde fazia de tudo um pouco.”
Logo após uma cirurgia de apendicite supurada, que quase lhe custou a vida, foi morar por cerca de seis meses com um casal de professores – Edson e Lilian Milena Rodrigues de Carvalho – que conheceu na universidade. “Com eles e os demais professores, aprendi muito, principalmente sobre o valor de ajudar outra pessoa por prazer, sem esperar nada em troca.”
A medalha que falta
Hoje, além de concluir o Doutorado e se tornar um pesquisador, Willian tem outro projeto, que diz muito sobre o seu “espírito olímpico”.
Em Corpus Christi, o aniversário da cidade é comemorado com uma grande festa e com uma corrida tradicional de 15 quilômetros.
Nos anos finais do Ensino Fundamental, Willian chegou a treinar e participar da competição, mas não chegou entre os primeiros colocados. Hoje, ele corre três vezes por semana e não dispensa uma partida de futebol.
“Quando sinto que estou em forma, com o maior gás nas corridas e nas peladas com os colegas, lembro logo da competição em Corpus Christi e penso: um dia ainda volto lá e ganho aquela corrida.”