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18/12/2017

História inspiradora: Willian Diego Oliveira, Cruzeiro do Oeste (PR)

Willian Diego Oliveira, 28 anos, medalhista de ouro na pri­meira edição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), em 2005, nasceu no Paraná, morou no Paraguai e no Mato Grosso do Sul, e hoje reside e estuda em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo.

O estudante fez o mestrado em Matemática na Universidade Es­tadual Paulista (UNESP) entre 2011 e 2013, e emendou o Doutora­do. Já a licenciatura, entre 2008 e 2011, fez em Dourados (MS), na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

A possibilidade de fazer faculdade de Matemática começou a ser considerada muito antes, quando ainda estava no Ensino Fun­damental, em uma escola da cidade de Corpus Christi, no Paraguai.

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“Tive um professor de matemática muito cativante, Osvaldo Duarte Fonseca, que foi decisivo na minha escolha”, conta. Mesmo no Paraguai, Willian decidiu fazer o Ensino Médio do outro lado da fronteira, na Escola Estadual Guimarães Rosa, na cidade de Sete Quedas (MS), para poder participar da OBMEP.

“PASSEI A TER CONTATO COM O AMBIENTE UNIVERSITÁRIO, E ISSO FAZ MUITA DIFERENÇA PARA UM GAROTO QUE VEM DE UMA FAMÍLIA HUMILDE”

“Os colegas comentavam que haveria no Brasil, em 2005, a pri­meira edição de uma olimpíada de matemática voltada para as es­colas públicas. Me interessei de imediato, porque já gostava muito da matéria e achava que um bom resultado na competição poderia abrir portas para mim. Entrei na Guimarães Rosa no 1º ano do En­sino Médio e ganhei a medalha de ouro. Fui o único medalhista da escola”, conta.

Em 2006, no 2º ano, Willian conquistou a prata na OBMEP e participou da 1ª edição do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC), destinado aos medalhistas de 2005.

No 3º ano, voltou a ganhar uma medalha de ouro. “Queria me despedir bem da OBMEP. Me preparei bastante e fui o quinto me­lhor colocado do nível 3 (Ensino Médio) em todo o país”. Em sua avaliação, a participação na OBMEP e, principalmente no PIC, foi fundamental na sua vida escolar.

“Passei a ter contato com o ambiente universitário, e isso faz muita diferença para um garoto que vem de uma família humilde de uma cidade pequena.”

Do Paraná para o Paraguai

Willian nasceu em Cruzeiro do Oeste (PR), no noroeste paranaense, cidade com 21 mil habitantes. Filho único, morou durante a infân­cia e a adolescência com a mãe, os avós maternos e quatro tios. “Fui criado pela minha mãe, que trabalhava como empregada doméstica e pegava alguns serviços de costureira”.

Quatro anos depois, a família se mudou para o Paraguai, para a pequena Corpus Christi, próxima à fronteira com o Brasil. “Meu avô achou que haveria mais trabalho para os cinco filhos no Para­guai. A ideia era recomeçar, em uma terra nova, onde haveria mais oportunidades”.

Willian começou a estudar tarde, devido à dificuldade de tirar documentos. Entrou na escola com quase oito anos – quatro anos depois de a família se instalar no país vizinho.

O avô era pedreiro e produtor de balaios (cestos que podem ser de palha, bambu-taquara ou de outros materiais). “Os balaios foram a principal fonte de renda da nossa família na minha infância e iní­cio da adolescência”, lembra.

Desde muito cedo, Willian trabalhou para complementar a ren­da da família. Dos 5 aos 8 anos, ajudava a fazer balaios. Entre os 8 e 15 anos, vendeu salgados, doces e sorvetes pelas ruas de Corpus Christi.

“Eu pegava esses produtos com donos de restaurantes e lancho­netes e os vendia na cidade e em povoados vizinhos”.

Até que aos 15 anos, passou a trabalhar como atendente em pe­quenas lojas. “Gozava de muita confiança na cidade e os comercian­tes sabiam que podiam deixar a loja comigo. No Paraguai, tínhamos que trabalhar muito para conseguir algum dinheiro”.

Entre os 17 e os 18 anos, no início do Ensino Médio, Willian foi trabalhar em “sacaria”, um serviço comum na região de fronteira. “Nos períodos de safra, éramos pagos para descarregar caminhões que iam do Paraguai para o Brasil, e colocar a carga em outros caminhões”.

Estudava de manhã e trabalhava à tarde – e, às vezes, à noite também. Por conta do excesso de peso que tinha de transportar, teve uma lesão em uma vértebra, o que, por muito tempo, lhe ren­deu dores.

Bolsa do PIC

A partir do segundo ano do Ensino Médio, o rapaz passou a rece­ber a bolsa de R$ 100 do PIC. “Esse valor, para nós, era dinheiro! Minha mãe, empregada doméstica, ganhava um pouco mais do que isso por mês. O PIC era como se eu tivesse uma segunda mãe trabalhando.”

Ninguém da família completara o Ensino Fundamental, e Willian já estava no 2º ano do Ensino Médio e ainda ganhava uma bolsa para estudar matemática.

“À MEDIDA EM QUE FUI PARTICIPANDO DA OBMEP E DO PIC, PUDE ESTUDAR CADA VEZ MAIS E TRABALHAR CADA VEZ MENOS”

“Eu conciliava a escola de manhã com o trabalho à tarde e à noite. Tive um destino diferente. À medida em que fui participando da OBMEP e do PIC, pude estudar cada vez mais e trabalhar cada vez menos. Vendo que realmente poderia ter um futuro melhor por meio dos estudos, minha mãe passou a pegar mais trabalhos para que eu pudesse ficar em casa estudando.”

Como optou por fazer o Ensino Médio no Brasil, Willian pre-cisava percorrer 30 quilômetros de casa, em Corpus Christi, até a escola.

“A distância não era tão grande, mas a estrada era péssima, e o percurso levava uma hora e meia ou mais. Além dos buracos e atoleiros, o ônibus velho quebrava com frequência. Assim, se ato­lasse ou quebrasse na ida, voltávamos para casa e perdíamos a aula; se desse problema na volta, completávamos o caminho até em casa andando. Era uma farra.”

Para ir às aulas presenciais do PIC, Willian saía sexta à noite, pegava dois ônibus – um no Paraguai e outro no Brasil – e dormia em um hotel na cidade onde ficava o polo. A volta, segundo ele, era mais complicada, já que, aos domingos, o ônibus do lado para­guaio não circulava. “Eu pegava o ônibus até a fronteira e ia a pé para casa. Levava umas cinco horas, e isso porque, em alguns tre­chos, dava uma corridinha.”

Mas isso foi no começo do PIC. Para ajudar o rapaz a “trans-por” com mais facilidades as “barreiras geográficas”, os professores Sônia Regina Di Giacomo – ex-coordenadora de Iniciação Cien­tífica no Mato Grosso do Sul e atual coordenadora dos Clubes de Matemática da OBMEP – e Sidnei Azevedo de Souza lhe deram de presente uma bicicleta, que passou a ser usada para o transporte no lado paraguaio nos dias de ida e volta do PIC.

“Foi um presentão. A bicicleta era linda e me ajudou muito. Da fronteira até a minha casa, eu levava aproximadamente uma hora e meia pedalando, quase o mesmo que o ônibus.”

Com 20 anos, Willian mudou-se para Dourados (MS) para cur­sar licenciatura em Matemática na UFGD. “Fui morar na casa do professor Sidnei, de quem sou amigo até hoje, e logo arrumei em­prego em uma pizzaria, onde fazia de tudo um pouco.”

Logo após uma cirurgia de apendicite supurada, que quase lhe custou a vida, foi morar por cerca de seis meses com um casal de professores – Edson e Lilian Milena Rodrigues de Carvalho – que conheceu na universidade. “Com eles e os demais professores, aprendi muito, principalmente sobre o valor de ajudar outra pessoa por prazer, sem esperar nada em troca.”

A medalha que falta

Hoje, além de concluir o Doutorado e se tornar um pesquisador, Willian tem outro projeto, que diz muito sobre o seu “espírito olím­pico”.

Em Corpus Christi, o aniversário da cidade é comemorado com uma grande festa e com uma corrida tradicional de 15 quilômetros.

Nos anos finais do Ensino Fundamental, Willian chegou a trei­nar e participar da competição, mas não chegou entre os primeiros colocados. Hoje, ele corre três vezes por semana e não dispensa uma partida de futebol.

“Quando sinto que estou em forma, com o maior gás nas corridas e nas peladas com os colegas, lembro logo da competição em Corpus Christi e penso: um dia ainda volto lá e ganho aquela corrida.”