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10/09/2019

A matemática na análise de fenômenos comportamentais

Karine Rodrigues

Que mecanismo está por trás da criatividade coletiva? Qual é a sua função na evolução cultural? Estas foram perguntas sobre as quais Santiago Guisasola se debruçou durante os estudos na Universidade da California, Irvine, nos Estados Unidos. Em uma chance, qual a área de pesquisa dele?

Se pensou em alguma área específica de humanas, como sociologia, errou. Embora possa parecer improvável, é a matemática que está presente em todos os passos da trajetória acadêmica deste paulista de 30 anos. Na pós-graduação, ele investigou que estrutura matemática está por trás da criatividade coletiva e sua função na evolução cultural.

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Bacharel em Matemática pela University of Central Florida, em Orlando, nos EUA, ele concluiu o PhD no Institute for Mathematical Behavioral Sciences (IMBS), em Irvine, onde a matemática é usada para estudar fenômenos comportamentais, como a evolução do contrato social e a cultura.

“No IMBS, havia conversas entre matemáticos, psicólogos, sociólogos, biólogos, economistas, filósofos, físicos… enfim, era uma festa! Adorei estudar lá. Achava tudo fascinante toda hora. Foi exatamente o que queria, deu muito certo”, diz Guisasola, pesquisador pós-doc no Laboratório de Computação Gráfica (Visgraf) do IMPA.

Segundo ele, o tema da pesquisa surgiu no grupo de discussões Social Dynamics, com os professores Brian Skyrms, Louis Narens e Don Saari, que se tornaria seu orientador. Nos encontros semanais, alguém apresentava um tema no qual se usava a matemática, em geral Teoria dos Jogos ou Teoria dos Jogos Evolutivos, para investigar fenômenos sociais e culturais.

“Teoria dos jogos envolve agentes (os jogadores), que querem otimizar o resultado do ‘jogo’”, explica, acrescentando que o jogo é uma representação de alguma interação social, e é usado para discutir conceitos como cooperação e coordenação.

Tão surpreendente quanto descobrir as relações entre a matemática e as ciências do comportamento, é saber que Guisasola optou por uma carreira na área embora tivesse se afastado da disciplina por algum tempo. “Gostava muito de matemática na infância, mas parei de gostar na adolescência. Até gostar de novo, anos depois, já na graduação”, conta.

Naquela época, morando com a família nos Estados Unidos, ingressou na universidade dividido entre interesses diversos: música, antropologia ou engenharia? Por fim, optou pela matemática pura. “Pensei: se hoje eu não sei o que eu quero fazer com a minha vida, no futuro, se souber, confio que a familiaridade com a matemática ajudará nisso”, recorda.

Os anos na graduação mostraram a Guisasola que acertara na decisão. Continuou interessado por questões menos abstratas e mais humanas, juntando cultura, sociedade, vida, terra, natureza. Encontrou o que buscava no PhD que une Matemática e Ciências do Comportamento, em Irvine.

A tese “Towards a mathematical theory of group creativity and collaboration”, defendida no ano passado, ganhou o Jean-Claude Falmagne Dissertation Award por ter sido o trabalho que melhor utilizou a matemática para desenvolver avanços conceituais em questões provenientes das ciências sociais e comportamentais. No estudo, usou a teoria dos jogos para explorar fenômenos coletivos, principalmente coordenação e criatividade.

“Tenho meu mundo interno, você o seu, e de alguma maneira nossas realidades convergem, não necessariamente totalmente, mas de alguma maneira isso acontece e dividimos uma realidade comum, uma experiência, uma convenção, uma cultura… e isso se estende a todas as escolas sociais; eu e você, eu e meus amigos, até a escala global. Isso é coordenação!”, diz Guisasola, citando o conceito usado por filósofos como David Lewis e Skyrms para tratar algo que eles consideram a base da cultura.

Segundo ele, coordenação e criatividade coletiva trabalham de lado a lado, e ambos têm um papel fundamental na evolução da cultura. Mas como? Essa pergunta o manteve retornando, sempre inspirado, ao grupo de pesquisa do seu orientador, Don Saari, onde Guisasola desenvolveu a maioria de suas ideias. Uma delas foi a de realizar experimentos de improvisação musical em redes, controlando quem ouvia quem, para observar os fenômenos de coordenação e criatividade agindo em conjunto em tempo real. A partir dos experimentos, criou um modelo de coordenação de rede.

No Visgraf, ele une sua pesquisa com arte interativa e computação. “Música, arte, matemática, e computação… bem a minha praia! No Visgraf, posso seguir meus interesses e aprender novas ferramentas, que levará minha pesquisa para um novo nível.”

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