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13/11/2019

De repente, matemático: o trajeto de Bursztyn pelo mundo

Luiza Barata 

À primeira vista, Henrique Bursztyn parece tímido e quase despretensioso. Com tranquilidade, diz que “nunca foi muito de fazer planos”, mas hoje acredita ter chegado “exatamente onde queria estar”. Depois de sair da zona sul do Rio de Janeiro, passar pela Ilha do Governador, decolar para Califórnia, Bruxelas, Toronto e retornar à cidade natal, o matemático com jeito de surfista se considera privilegiado por ganhar a vida fazendo o que faz, onde faz. É pesquisador de geometria simplética, dá aulas e coordena a pós-graduação do IMPA. 

Apesar do sobrenome estrangeiro, Bursztyn é um carioca nato: apaixonado pelas praias da cidade e por esportes. Na infância, morou em Copacabana, Laranjeiras, Botafogo e na Barra da Tijuca e se deslocava para estudar na Lagoa. Ainda aluno do Colégio de Aplicação (CAp) da UFRJ, já sentia enorme curiosidade por questões de física. Ler livros por conta própria sobre o tema era um hábito que cultivava no ensino médio.

Gosto que chegou a levar a sério para o pré-vestibular. Ao ver pais de amigos exercendo a profissão, cogitou seguir a carreira de físico. Bursztyn admite que já se interessava também por Matemática, mas como não sabia ao certo o que um matemático fazia, preferiu não arriscar. Na hora de escolher a carreira, seguiu a “tendência natural” para quem gosta de exatas. Optou pelo vestibular para Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi aprovado entre os primeiros colocados.

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Aos 18 anos, Bursztyn cursava o ciclo básico de Engenharia e, como a grande maioria dos calouros, sentia certo receio em relação às temidas aulas de cálculo. Ao se dar conta de que “aquilo não era nenhum bicho-papão”, passou a fazer parte de um programa de turmas especiais da própria faculdade. A iniciativa era coordenada por um pequeno grupo de professores para quem quisesse se aprofundar nas questões matemáticas e buscasse bolsa de iniciação científica. Ainda que os alunos fossem novatos, as disciplinas eram porta de entrada para o programa do Mestrado em Matemática.

Neste ponto, a carreira da mãe facilitou sua ambientação no cenário acadêmico. Embora filosofia definitivamente não fosse a praia do pesquisador, vê-la fazer mestrado e doutorado o fez ver na pesquisa uma possibilidade de atuação profissional. 

Para quem já sentira certa insegurança com as aulas de cálculos, alcançou resultados surpreendentes. Em 1995, garantiu o diploma de engenheiro mecânico, tendo as disciplinas do mestrado em Matemática concluídas. Meses depois, entregou a tese de mestrado, “O teorema de Kolmogorov-Arnold-Moser, com destino para cursar o doutorado já definido.

Bursztyn se candidatou para duas universidades fora do país, uma em Nova Iorque e a outra na Califórnia, por sugestão de dois professores que tinham acabado de retornar das duas faculdades. “Quando eu tinha concretamente essas duas opções, talvez tenha pesado o lado carioca para a decisão final, a Califórnia”, aponta. “Dava para vislumbrar a vida que eu tinha no Rio, de certa forma, transplantada para lá.” 

Bursztyn pondera que, no final da década de 1990, as opções em Matemática eram muito mais amplas fora do país. Por isso, os cinco anos que passou estudando na Universidade da Califórnia, em Berkeley, foram tão fundamentais para sua formação Foi também lá que teve sua primeira experiência em sala de aula – cenário que passaria a integrar o dia a dia do pesquisador pelos anos seguintes. 

Na bagagem, levou inspirações do orientador Alan Weinstein, uma das principais referências mundiais em geometria simplética, e a decisão de seguir no tema. “Diria que é praticamente impossível alguém estudar geometria simplética sem ouvir falar dele. Em Matemática, o que a gente faz, normalmente, é abstrair certos conceitos. Da mesma maneira que você sabe medir comprimento de curvas, você pode também medir ângulos… mas, na geometria que faço, o que tem sentido é o entendimento de áreas.” 

Henrique Bursztyn é coordenador da pós-graduação no IMPA

Bursztyn trata de sistemas que conservam energia, a partir da noção de área. A geometria simplética tem origens históricas na mecânica clássica do início do século 19, no chamado “formalismo Hamiltoniano”. Mais recentemente, se desenvolveu de frutos da relação com áreas matemáticas como topologia, dinâmica, geometria complexa e física matemática contemporâneas. 

A escolha pela geometria simplética fala também sobre a própria trajetória profissional de Bursztyn. A disciplina tem origem na física clássica, assim como ele carregava na infância, e interage com temas da Matemática. “Aquele gostinho e aquela curiosidade pela física lá do começo me levaram a temas da Matemática com motivação física. Não tento fazer física, de fato, mas me dá motivação para estudar mais sobre a Matemática.”  

O intercâmbio e as salas de aula “internacionalizadas” tiveram grande espaço na vida do pesquisador por quase dez anos. Como “não tinha nenhuma grande amarra”, pôde emendar a ida para Califórnia com outras especializações internacionais, em sequência. Dos Estados Unidos, Bursztyn conta que foi “levado de maneira natural” a passar um tempo na Europa, antes de um período no Instituto Fields e na Universidade de Toronto.

Na Bélgica, ficou por quatro meses como professor visitante do Departamento de Matemática, na Universidade Livre de Bruxelas. Foi o primeiro choque climático que passou. As temperaturas seguiram em queda: logo depois, o “fator frio também pesou” quando esteve no Canadá, onde concluiu o pós-doutorado. “Mas o ambiente acadêmico era muito bom e parecido com o que viveu na Califórnia”, tenta equilibrar.

A pesquisa fez com que Bursztyn conhecesse muitos países, tendo vivido anos em cidades que nunca visitara antes. Sem dificuldades para se ambientar nem grandes planos traçados, só tinha certeza de que retornaria ao Rio de Janeiro, em algum momento. Foi em Toronto que Henrique soube do anúncio de uma vaga no IMPA, divulgada internacionalmente, em 2005. “Fiz a candidatura e, surpreendentemente, funcionou! Não pude deixar passar. Queria entender o que era o IMPA, saber o que era morar no Rio como adulto.”

Motivado pela mesma curiosidade que o levou para fora do país, voltou ao Brasil ao final de 2005 e passou a atuar como pesquisador no IMPA. Pouco tempo depois, tornou-se membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e, mais recentemente, membro titular, título que guarda com orgulho.

Há quatro anos, é o coordenador de pós-graduação do IMPA. Além de dar aulas, orienta alunos da pós, cuida do processo de admissão de alunos e dos temas que serão levados por professores para sala de aula. Mesmo sendo avesso às redes sociais, Henrique brinca que seu trabalho é cuidar dos “matches” entre professores e alunos para o percurso acadêmico correr bem. 

Novo cenário de pesquisa no Brasil

Hoje, o cenário para quem pesquisa sobre a geometria simplética no Brasil é bem diferente de quando Bursztyn saiu do país. Já existe um polo de referência no Brasil. O eixo Rio-São Paulo conta com profissionais que, como ele, estudaram fora, retornaram e formaram alunos no país. Houve ainda o incremento de profissionais dos Estados Unidos e da Europa que, ao fugir da crise iniciada em 2008, vieram para o Brasil para tentar alavancar a carreira. Neste sentido, o IMPA,  a UFRJ, a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre outros centros, se desenvolveram.

Apesar dos avanços da Matemática no Brasil, uma questão que preocupa o pesquisador é a “maior instabilidade e a menor certeza das bolsas de estudos” disponibilizadas. Ele destaca que o programa de pós-doutorado do IMPA, que existiu até 2015, foi fundamental para a atração e permanência de grandes profissionais da instituição. Mas que o “reflexo do menor estímulo” do governo federal, referência à incerteza sobre a manutenção do auxílio acadêmico para os próximos anos, tende a atrair menos pesquisadores. 

Quando fala de si, para além de dados, contas e problemas matemáticos, Bursztyn é categórico. “Nos últimos dois anos, o que eu sou, fora do IMPA? Pai.” E é para Felipe e para a mulher, Paula, que dedica tempo e alegria. Os três estão à espera de uma menina para completar o time. Bursztyn gosta de viajar com a família, ir à praia, assistir e jogar futebol. Guarda boas memórias e lembra saudoso das “peladas” que jogou no IMPA. Em tempos de rodadas finais do Campeonato Brasileiro, o tricolor diz que tem sido doloroso assistir às partidas do time. 

Além de ter esperanças de que o Fluminense tenha dias melhores, Bursztyn pretende continuar investindo na formação de novos doutores e trabalhando em projetos de geometria. E prefere deixar em aberto o que tem em mente para o futuro: “Você deve ter percebido que não trabalho com grandes planos, né? As coisas vão acontecendo…”.