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21/03/2019

Jornal da Ciência destaca participação feminina na OBMEP

Reprodução de matéria do Jornal da Ciência

Reportagem de Janes Rocha

Elas estão no páreo, equilibradas com os meninos. Na maior competição do país, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – (OBMEP), promovida pelo Instituto de Matemática Pura Aplicada (Impa) junto a alunos do ensino fundamental e médio, o número de meninas inscritas tem se mantido estável na faixa de 50% ou 450 mil nos últimos quatro anos. Entre as que cursam o nível médio, houve uma ligeira elevação de quatro pontos percentuais, de 49,3% em 2014 para 53,5% em 2018. Os dados consideram apenas os inscritos na segunda fase da competição – as escolas não informam o gênero dos alunos na primeira fase.

Mas quando chega a premiação, o padrão muda. Entre 2014 e 2018, as estudantes do Nível 1 (6º e 7º anos do fundamental) ficaram com 25% a 30% das medalhas de ouro. No Nível 2 (8º e 9º), a participação também foi mantida fixa na faixa de 20% e 30%. No Nível Médio, os percentuais têm forte queda, variando entre 8 e 13%. O mesmo acontece para as medalhas de prata e bronze e a menção honrosa.

“Isso me chama a atenção, acho que é um fenômeno que deveria ser estudado” afirma Claudio Landim, coordenador geral da OBMEP. Landim diz não ter uma explicação para o fenômeno, mas acredita que esteja relacionado com o quadro geral de baixa participação de mulheres nas ciências e nas disciplinas de exatas. O Impa tem estimulado a entrada de meninas nas competições e tentado diminuir as barreiras a elas no cenário científico. Uma medida foi a inclusão da European Girls’ Mathematical Olympiad (EGMO) no calendário de olimpíadas do saber, disputadas pelas equipes treinadas pela Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM). Outra foi a criação do Troféu Meninas Olímpicas na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO) e na própria OBMEP.

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Para 2019, o instituto criou o Programa Meninas Olímpicas que, com apoio do CNPq, visa promover a efetiva presença de meninas em atividades ligadas à Matemática, inclusive nas olimpíadas escolares, para que elas possam se interessar e desenvolver carreiras no âmbito científico e tecnológico.

Na Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA) a tendência se repete. Tanto nesta quanto na Mostra de Foguetes (MOBFOG), competições promovidas pela Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), a participação de meninos e meninas é equilibrada nos níveis 1 (alunos do 1º, 2º e 3º anos) e 4 (ensino médio), até com uma ligeira vantagem para as meninas. No entanto, na MOBFOG, na qual os competidores têm que construir um foguete com a base, e fazer o lançamento o mais distante possível, a vantagem dos meninos se amplia. João Canalle, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador das competições da SAB, acredita que a explicação para a redução da presença das meninas entre os níveis 1 e 4, especialmente na competição dos foguetes, tenha a ver com “desinteresse” das jovens pelo tema. Segundo ele, as estatísticas brasileiras não diferem muito das internacionais.

Desafios da física

Já na Olimpíada Brasileira de Física (OBF), a presença das meninas decresceu nos últimos anos e os meninos são ampla maioria, tanto em número de participantes quanto em premiados. Patrocinada e organizadas pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), a OBF é voltada para alunos de escolas públicas e particulares dos 8° e 9º anos do ensino fundamental e das três séries do ensino médio. As premiações são em medalhas de ouro, prata e bronze e menções honrosas.

De acordo com os dados da Sociedade Brasileira de Física (SBF), 91.152 meninas dos anos 8º e 9º do ensino fundamental e das três séries do ensino médio se inscreveram para a primeira fase da competição no ano passado, 23% menos que as 118.789 inscrições de 2017. Do total de inscritas, 9.500 passaram para a segunda fase, 23 a mais que no ano anterior. Para a terceira e última fase sobraram 1.240 meninas em 2018, 50 menos que em 2017.

Das 604 premiações distribuídas nos últimos dois anos, as meninas levaram 167, concentradas em medalhas de bronze e menções honrosas. Apenas duas garotas do 9º ano do ensino fundamental e uma da 2ª série do ensino médio conquistaram a medalha de ouro na OBF de 2018. Nenhuma medalha foi conquistada por elas em 2017.

Em um artigo publicado na revista Scientific American Brasil, as professoras Carolina Brito, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF/UFRGS), Debora Menezes, da Federal de Santa Catarina e Célia Anteneodo, da PUC/RJ, mediram a evolução do desempenho das meninas que se interessam por física durante o ensino fundamental e médio, utilizando como indicador o número de premiações nas OBF. Embora o período analisado seja diferente dos dados disponibilizados pela SBF para esta matéria (entre os anos de 2006 a 2015), a tendência apontada pelas pesquisadoras não se alterou nos anos mais recentes. Fica evidente, segundo elas, um declínio no percentual de mulheres premiadas desde o 8° ano do ensino fundamental à medida que elas avançam no ensino médio. “Os participantes que prestam os exames das OBF não necessariamente seguem carreiras científicas, entretanto, essa participação indica um interesse por enfrentar e resolver desafios da física”, explicam.

A professora de Física na UFRJ, Belita Koiller, membro do conselho da SBF, define a baixa participação das meninas na ciência como um problema “sociológico e antropológico”. ”É um problema social, mas é preciso tomar medidas para reverter essa tendência”, diz Koiller. Na visão dela, as meninas têm que ser estimuladas a assistir aulas de ciências. Uma estratégia que a SBF tem adotado na olimpíada é dar um prêmio adicional às poucas que tiram a medalha de ouro.

“Acho que é preciso expor mais as meninas à ciência”, diz a professora, destacando a importância de programas nesse sentido, como o Tem Menina no Circuito que leva ciência às meninas das escolas públicas. “Assim como os meninos, nem todas as meninas têm disposição de aprender ciência, mas elas têm que ser mais expostas, e a hora certa é quando estão no início dos estudos e não quando estão já no cursinho.”

Foto: Febrace

Construção cultural

No caso das feiras de ciências, a presença de mulheres é crescente. Dados da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) mostram que havia uma diferença grande entre os trabalhos selecionados com vantagem para os dos meninos, no período 2003 a 2007. Em 2008, a participação de meninas dá um salto para 50% dos trabalhos selecionados, se mantendo neste patamar até o último levantamento, em 2018. “A leitura que a gente faz é que os meninos e as meninas estão começando a se envolver na mesma proporção em projetos de pesquisa”, comenta a coordenadora da Febrace, Roseli de Deus Lopes. Na análise por área de conhecimento, no entanto, fica claro que as meninas têm forte presença em todas as categorias, exceto as Engenharias e as Ciências Exatas e da Terra. Por outro lado, em humanas, biológicas e saúde, é o oposto, predominam as meninas.

Segundo ela, a Febrace tem buscado esclarecer em sua comunicação que todas as áreas de conhecimento são para todos: meninos, meninas, todas as condições sociais, basta querer, se preparar e trabalhar forte para isso.

Para Lopes, há uma construção cultural desde a infância que leva os estudantes a se dedicarem e se destacarem em determinadas áreas do conhecimento por gênero. “Desde pequenos, os meninos são presenteados com carrinhos, kits de robótica; as meninas ganham bonecas, porque têm que aprender a cuidar. São coisas que precisamos desconstruir”, afirma. Quando chegam ao ensino fundamental, professores mulheres predominam no ensino de ciências, por uma formação mais forte na área biológica, o que leva a uma tendência das meninas se identificarem com o tema. “Precisamos instrumentalizar os professores com exemplos de homens e mulheres que se destacaram nas diversas áreas para inspirar os alunos”.

Doutora em engenharia elétrica e livre docente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Lopes afirma que os números da Febrace permitem visualizar onde existe maior interesse das meninas – Ciências Biológicas, da Saúde e Humanas – e o que se vê é que, apenas em alguns anos, elas chegam a ser maioria em algumas subáreas das Exatas. Mas em Engenharia é onde ainda é necessário um trabalho maior para aumentar a participação de meninas, que ainda representam menos de 30% dos finalistas. Ela garante que para a edição 2019, que acontece em março, a tendência praticamente não mudou: “em diversas áreas o número de meninas supera o de meninos entre os finalistas, mas em Engenharia e algumas subáreas de Exatas os meninos continuam sendo maioria. Precisamos intensificar esforços para um maior equilíbrio em todas as carreiras.”

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