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15/07/2020

Pesquisadores do IMPA abordam precisão das modelagens

 

 

Imagem das nuvens ilustra a instabilidade de Kelvin – Helmholtz. Abaixo, sistema retirado do estudo mostra dois futuros diferentes emergindo da mesma condição inicial.

Cecília Manzoni

Com o novo coronavírus, os modelos matemáticos ganharam visibilidade e se tornaram assunto de interesse geral, à medida que projetaram possíveis cenários para o desenrolar da pandemia. Mas a disparidade entre estas projeções lançou à sociedade uma dúvida que também inquieta os cientistas: devemos sempre esperar respostas precisas dos modelos matemáticos? Para a teoria do caos, a aleatoriedade presente em alguns fenômenos naturais se deve à imprecisão dos dados iniciais. Em artigo publicado em julho na revista Communications Physics, da Nature, pesquisadores do IMPA apontam para um novo paradigma. Alguns fenômenos do mundo clássico observados na natureza podem ser intrinsecamente aleatórios. 

Escrito por Simon Thalabard, pós-doutorando de excelência do IMPA; Alexei Mailybaev, pesquisador do instituto; e Jérémie Bec, do MINES ParisTech, o estudo “From the butterfly effect to spontaneous stochasticity in singular shear flows analisou a instabilidade de Kelvin – Helmholtz. O fenômeno é encontrado na natureza quando se tem dois fluxos com velocidades diferentes, criando um salto de velocidade na fronteira entre eles. “É um fenômeno de dinâmica de fluidos e da física clássica, que pode ser observado no encontro entre dois rios e também na formação de nuvens, criando estruturas visualmente bonitas”, explica Mailybaev.

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Entre as equações usadas para projetar estes fenômenos, está a de Navier-Stokes. “São equações muito antigas e desafiadoras de um ponto de vista matemático porque, mesmo que as condições iniciais sejam muito boas, elas não entregam uma predição de futuro necessariamente regular”, pontua Thalabard. O impasse representava uma “grande questão” para a comunidade matemática, afirma o pós-doutorando. “Do ponto de vista da modelagem física, o que fazer com estas equações? Descartá-las ou reinterpretá-las?”, questiona.

Debruçados sobre o tema durante mais de dois anos, os especialistas descobriram que, mesmo em fenômenos da mecânica clássica, área na qual as previsões costumam ser determinísticas, tendo uma causa e consequência para cada efeito, pode-se encontrar características de estocasticidade espontânea. Tratando especificamente da instabilidade de Kelvin-Helmholtz, o grupo concluiu que as equações de Navier-Stokes são úteis para estudar o fenômeno, mas devem ser usadas em projeções de forma probabilística e não determinística, como era pensado antes. “A projeção dará um percentual das chances de se ter um resultado”, explica o pós-doutorando.

“É uma conexão entre dois mundos opostos: o determinístico e o probabilístico. No determinístico, se você sabe o estado do seu sistema no momento inicial, é possível prever o futuro exatamente. Já o mundo probabilístico é descrito por grandezas aleatórias. Desde o início você assume que não sabe tudo. Um fenômeno pode gerar várias predições, e não só uma”, completa Mailybaev.

Para a dupla do IMPA, o artigo traz também uma descoberta “filosófica”. “A teoria do caos traz a ideia de que a aleatoriedade que vemos no mundo se deve ao fato de sermos ‘muito preguiçosos’ para fazer boas medições. A aleatoriedade seria algo que refletiria nossa falta de habilidade para medir as coisas. Mas talvez o mundo a nossa volta seja livre do determinismo, e isso traz uma nova visão para modelagens matemáticas no geral”, mencionou Thalabard.

Mailybaev acredita que o aspecto “filosófico” do estudo questiona alguns conceitos que temos enraizados sobre ciência desde a escola. “Carregamos esta noção de que a ciência está ligada ao determinismo, que as leis da natureza estão todas determinadas, assim como o futuro. A mecânica quântica mudou um pouco esta percepção, com probabilidades intrínsecas. Mas o que mostramos com o artigo é que mesmo o mundo clássico pode conter de forma espontânea um resultado probabilístico, com várias possibilidades.”

Confira o artigo na íntegra.

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