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18/01/2019

A Medalha Fields de 2018, por Simon Donaldson

 

Cerimônia da Fields 2018, com os medalhistas Fields Akshay Venkatesh, Peter Scholze, Alessio Figalli e Caucher Birkar. Foto: Pablo Costa/ICM 2018

Reprodução de texto publicado na Simons Center for Geometry and Physics News

Por Simon Donaldson

Professor Permanente do Simons Center for Geometry and Physics

A Medalha Fields é o prêmio mais conhecido em Matemática. Uma característica que o distingue é a regra estrita de que os escolhidos tenham até 40 anos. Criado em 1936, é entregue no quadrienal Congresso Internacional de Matemáticos (ICM), que em agosto de 2018 foi realizado no Rio de Janeiro, com a premiação de quatro novos medalhistas Fields. Vamos tentar aqui esboçar parte das conquistas desses matemáticos. Uma particularidade que todos podem apreciar é a grande diversidade na origem cultural e geográfica dos vencedores. Pode-se esperar que isso seja um incentivo para nossos jovens em todo o mundo – aspirando a contribuir para este ramo de empreitada humana e para o avanço da humanidade em geral – e para nossos líderes colocarem em prática as políticas que tornarão isso possível. Há também uma grande diversidade nas áreas de pesquisa matemática dos ganhadores, mas é possível observar que os recursos da geometria são essenciais em todos os trabalhos.

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Caucher Birkar é um curdo-iraniano que trabalha com geometria algébrica em Cambridge, no Reino Unido. Os objetos básicos da geometria algébrica são variedades algébricas, que são conjuntos definidos por equações polinomiais. No caso clássico, trabalha-se no espaço projetivo, com números complexos como coordenadas. Há uma classificação grosseira bem conhecida das variedades unidimensionais em três classes: a esfera de Riemann, toros planos e superfícies de Riemann de “tipo geral”, recobertas pelo semiplano superior. Em meados do século 20, foi alcançada uma classificação semelhante em duas dimensões, mas aparece uma nova característica: a existência de “aplicações birracionais”, que não estão definidas em todos os pontos.  

Uma linha importante de pesquisa na geometria algébrica nos últimos 40 anos tem sido a extensão desses resultados de classificação para dimensões superiores, no que é chamado de Programa do Modelo Mínimo. Um grande marco ocorreu em 2006, por meio de trabalho de Birkar, Cascini, Hacon e McKernan que alcançou alguns dos principais objetivos desse programa. Em particular, eles estabeleceram que, em uma variedade de tipo geral, as seções de potências do feixe canônico formam um anel finitamente gerado, o que leva a um representante distinguido na classe de equivalência birracional. Mais recentemente, Birkar obteve outros resultados fundamentais – estendendo a teoria para corpos de característica finita e estabelecendo cotas na classe das variedades de Fano (que são análogos da esfera de Riemann em maior dimensão).  

Alessio Figalli é um matemático italiano que trabalha na ETH Zurich. Ele pesquisa análise de equações diferenciais parciais, com conexões a aplicações físicas e à geometria. Alguns de seus trabalhos mais conhecidos envolvem equações do tipo Monge-Ampère e transporte ótimo. Suponha que temos duas funções de densidade ρ1, ρ2 suportadas em domínios Ω1, Ω2 em Rn. O problema do transporte ótimo é encontrar a maneira mais eficiente de transportar material de Ω1, com densidade ρ1, para Ω2, com densidade ρ2. Se o custo de transporte é quadrático na distância, a solução é dada por uma aplicação que é a derivada de uma função u em Ω1, e a condição de densidade se torna uma equação para o determinante da matriz hesseana de u.  

Figalli obteve resultados refinados sobre a regularidade de soluções de tais equações de Monge-Ampère (que surgem em muitos outros contextos). Ele e seus coautores também usaram o transporte ótimo para obter resultados geométricos sobre conjuntos em Rn, tais como as desigualdades isoperimétricas generalizadas. Figalli fez importantes contribuições para outras equações diferenciais parciais, incluindo a estrutura de singularidades em problemas de fronteira livre.  

Peter Scholze é um matemático alemão que trabalha em Bonn. Seu trabalho é na área de geometria algébrica aritmética, que estuda as conexões com a teoria dos números. Uma de suas principais realizações é o desenvolvimento de uma teoria abrangente dos espaços p-ádicos. Lembre que os números reais podem ser obtidos “completando” os racionais.  Se p é um número primo fixo, os números p-ádicos Qp são outro completamento, baseado na ideia de que um número racional é considerado pequeno se o numerador é divisível por uma potência grande de p.  

Scholze definiu “espaços perfectóides”, baseados em adicionar infinitas raízes de p aos números p-ádicos, para os quais ele conseguiu definir uma “inclinação” que permite passar da característica p para a característica 0. Entre muitos outros resultados em sua teoria, ele estabeleceu análogos p-ádicos da teoria clássica de Hodge, relacionando diferentes grupos de cohomologia. Todos esses resultados têm consequências importantes para sofisticadas “leis de reciprocidade” na teoria dos números e em conexão com o programa de Langlands.

Ashkay Venkatesh é um matemático australiano, nascido na Índia e pesquisador na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. O trabalho dele é multifacetado, mas também envolve a interação entre a geometria, a topologia, a análise e a teoria dos números. Muitos de seus resultados envolvem um grupo aritmético Γ atuando em um espaço simétrico. Por exemplo, Γ  poderia ser SL(2,Z) atuando por transformações de Möbius na semiplano superior X. Nesse caso, X/Γ é o espaço de módulos de toros complexos (curvas elípticas). 

Venkatesh provou equidistribuição e teoremas ergódicos para as imagens de certas órbitas de subgrupos em X/Γ e os usou para estabelecer cotas de “subconvexidade” para o crescimento de funções–L associadas a formas modulares em X. Essas cotas têm consequências importantes para as soluções de sistemas de equações quadráticas nos inteiros (o 11º na famosa lista de problemas formulados por David Hilbert em 1900). Em trabalhos recentes, Venkatesh e colaboradores descobriram nova estrutura na cohomologia topológica dos espaços X/Γ, novamente relacionada com leis de reciprocidade na teoria dos números e com o programa de Langlands. Em uma direção distinta, Venkatesh e colaboradores provaram resultados em topologia (sobre a estabilização da homologia dos espaços de Hurwitz, que classificam as coberturas ramificadas da esfera de Riemann) e os aplicaram à aritmética, na forma de resultados assintóticos sobre campos de funções em característica finita. 

Simon Donaldson em palestra plenária do ICM 2018, em agosto, no Rio. Foto: Pablo Costa/ICM 2018

Ganhador da Medalha Fields em 1986 e do Prêmio Shaw 2009, Simon Donaldson, mais recentemente, foi nomeado “Doutor Honoris Causa” pela Université Joseph Fourier, Grenoble, em 2014. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Breakthrough em Matemática pelos revolucionários invariantes de variedades de 4 dimensões e pelo estudo da relação entre estabilidade em geometria algébrica e geometria diferencial. Em 2017, Donaldson foi nomeado “Doutor Honoris Causa” pela Universidad Complutense de Madrid, Espanha.

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