Navegar

04/01/2021

O silêncio de Penrose e as descobertas dos buracos negros

Imagem: Wikimedia Commons

Há quem diga que o silêncio pode ser a melhor resposta para os problemas. Para o físico-matemático Roger Penrose um breve momento de calmaria foi suficiente para trazer a inspiração científica que mudou nossa visão sobre o universo. Em 1964, durante um encontro com o velho amigo e cosmologista também britânico Ivor Robinson, os dois pausaram a animada conversa para atravessar as ruas de Londres. Naquele instante, a mente de Penrose viajou 2,5 bilhões de anos-luz pelo vácuo do espaço sideral até a massa de um quasar giratório.

Em sua imaginação, fantasiava como o colapso gravitacional assumia o controle, puxando uma galáxia inteira cada vez mais para perto de seu centro. E essa breve reflexão silenciosa levou a descoberta que, no ano passado, rendeu a ele o Prêmio Nobel de Física

Leia mais: Retrospectiva 2020: 10 notícias do IMPA para relembrar
Em ano de pandemia, matemática ganhou os holofotes
Na Folha, cinco desafios matemáticos para fechar o ano

Assim como muitos físicos teóricos que se dedicaram a testar, explorar e se aprofundar na Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein, Penrose passou a década de 1960 estudando o “problema da singularidade”. O grande desafio encontrado por especialistas era provar e testar muitas das previsões de Einstein, com destaque para uma “singularidade” da qual nem mesmo a luz poderia escapar, conhecida como “buraco negro”. 

“As pessoas esperavam que houvesse um ricochete: que um objeto colapsaria e giraria em volta de uma maneira complicada, e voltaria para fora de novo”, disse à BBC Future. Mas descobertas detectaram novos objetos cósmicos aparentemente brilhantes, distantes e muito pequenos, conhecidos inicialmente como “quase estelares” e, em seguida, abreviados para “quasares”. Por mais improvável que parecesse, cada nova observação apontava em direção à ideia de que os quasares eram galáxias antigas prestes a colapsar em singularidades. Levando ao questionamento: seriam as singularidades tão improváveis quanto todos pensavam?

Cosmologistas, astrônomos e matemáticos dos quatro cantos do planeta partiram em busca de uma teoria definitiva que explicasse a natureza dos quasares. Foi quando Penrose adotou uma abordagem diferente das demais, buscando soluções gerais, princípios básicos e estruturas matemáticas essenciais. Embora rejeitasse os argumentos existentes, até a visita de Robinson, o físico-matemático não havia chegado a uma conclusão satisfatória. 

E foi no silêncio daquela tarde de 1964, ao atravessar as ruas londrinas ao lado do amigo, que veio o lampejo de inspiração necessária que Penrose precisava. Toda aquela energia, movimento e massa que encolhiam juntos, criariam um calor intenso capaz de emanar radiação em todos os comprimentos de onda, em todas as direções. Quanto menor e mais rápido ficasse, mais brilhante seria. Mentalmente, ele alcançou seus desenhos no quadro-negro e esboços de artigo sobre aqueles objetos distantes, tentando encontrar o ponto que pesquisadores russos previram em que essa nuvem explodiria novamente: tal ponto simplesmente não existia e o colapso continuaria sem impedimentos. 

Ao sair do centro de densificação, o objeto brilharia com uma luz mais forte do que todas as estrelas da galáxia. Nas suas profundezas, a luz se curvaria em ângulos, distorcendo o espaço-tempo até que todas as direções convergissem umas nas outras. Chegaria, por fim, a um ponto sem volta. Luz, espaço e tempo alcançariam um ponto final: um buraco negro. Naquele instante, Penrose sabia que uma singularidade não exigia nenhuma circunstância especial. No nosso universo, elas não eram impossíveis, mas, na verdade, inevitáveis. 

Ao chegar ao outro lado da rua, Penrose teve o pensamento interrompido e seguiu conversando animadamente com o amigo. No restante da tarde daquele dia, se sentiu extremamente bem-humorado, sem entender exatamente o por quê. Até quando sua mente o levou de volta àquela travessia. O argumento ainda precisava ser lapidado, mas funcionava. Um colapso gravitacional exigia apenas algumas condições de energia genéricas e fáceis de serem encontradas para colapsar em densidade infinita. 

Hoje, aos 89 anos, Penrose afirma que está satisfeito por ter recebido o Prêmio Nobel em reconhecimento à descoberta. “É uma sensação esquisita. Só estou tentando me acostumar. Fico lisonjeado. (…) Mas, por outro lado, estou tentando escrever três artigos diferentes ao mesmo tempo, e isso torna mais difícil do que era antes”, afirmou em reportagem

Fonte: BBC

Leia também: Na Folha, o descompasso na formação dos jovens brasileiros
Vídeos destacam momentos da 23ª Semana Olímpica