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30/03/2020

O que se pode aprender com os casos da Covid-19 da China?

Reprodução
do blog do IMPA Ciência & Matemática, de O Globo, coordenado por Claudio Landim

Débora Foguel – Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis – UFRJ

Esse artigo, publicado na prestigiosa revista JAMA (24 de fevereiro de 2020), é um dos artigos epidemiológicos mais importantes sobre o tema, já que resume o quantitativo e o perfil dos casos de COVID-19 até 11 de fevereiro na China, país onde se iniciou tal pandemia e números para os quais devemos olhar com atenção.

Características epidemiológicas: Antes de lhes apresentar os dados, é muito importante ressaltarmos a importância da epidemiologia, ramo da medicina que estuda os fatores que explicam a propagação de uma determinada doença, sua frequência na população, sua evolução e os meios necessários para sua prevenção. Ou seja, uma área fundamental da medicina que agora, mais do que nunca, precisa ser exaltada!

Os números a seguir (até 11 de fevereiro) resumem o que se passou na China do ponto de vista epidemiológico e aqui os trago para você de forma simplificada.

Vejamos:

72.314 casos reportados. Desses, 44.672 foram casos confirmados positivamente (62% do total; esses pacientes foram testados para a presença do material genético viral); 16.186 foram de casos suspeitos (22% do total dos que não foram testados, mas apresentaram sintomas); 10.567 casos diagnosticados clinicamente (15% do total; esses pacientes não fizeram o teste, mas apresentaram sintomas e fizeram imagens dos seus pulmões onde se observou sinais de pneumonia); 889 foram casos assintomáticos (1% dos pacientes que foram testados positivos mas não apresentaram sintomas). Apenas para recordar, os principais sintomas da COVID-19 são febre, tosse seca e cansaço.

Em relação a idade, 87% dos pacientes tinham de 30-79 anos (apenas 1% tinha menos de 10 anos; 8% entre 20-29 anos e 3% mais que 80 anos). Em relação a agressividade dos sintomas, 81% tiveram sintomas leves, mas 14% tiveram sintomas severos (problemas respiratórios com infiltrado no pulmão) e 5% foram pacientes críticos (falência respiratória, sepses, falência dos órgãos etc). É para esses pacientes que precisamos de um sistema de saúde intensiva com leitos de CTI, respiradores e monitoramento constante.

taxa de letalidade (TL) geral foi de 2,3% (1.023 mortes em 44.672 casos confirmados); no entanto, entre os mais idosos (entre 70-79 anos) a TL foi de 8% (70-79 e de 14.8% (pacientes com mais que 80 anos). Para se ter uma ideia, isso significa que no quadro geral, de cada 100 pessoas com COVID-19, duas morrem e que entre os mais idosos, 15 de cada 100 idosos podem vir falecer de COVID-19. Por isso nossa preocupação deve ser redobrada com a população mais velha, já que essa é a mais suscetível ao óbito. Também preocupante é a taxa de letalidade entre os casos mais críticos que pode chegar a 49%, ou seja, metade dos pacientes não sobrevivem ao vírus.

Temos nos preocupado muito com os casos que acometem as pessoas que têm alguma doença preexistente, como diabetes e doenças cardiovasculares e, de fato, na China 10,5% dos que tinham doenças cardiovasculares, 7,3% para os diabéticos e 5,6% para pacientes com câncer vieram a falecer pelo coronavírus. Ou seja, se comparado aos cerca de 2% da população geral, vemos como essas doenças pré-existente aumentam muito a probabilidade de morte. É possível que esses números sejam diferentes em outros países, já que as populações e seus hábitos de vida são diferentes. Por isso é tão importante acompanharmos diariamente a evolução dos casos no país.

Comparando COVID-19 com SARS e MERS: Essas três doenças são transmitidas por coronavírus diferentes. A SARS se iniciou por transmissão zoonótica (de animais para serem humanos), muito provavelmente vinda de morcegos através de civeta (pequeno mamífero encontrado na região), enquanto a MERS também tem origem zoonótica, também, muito provavelmente vinda de morcegos através de camelos tendo ocorrido na Arábia Saudita. As três doenças têm sintomas parecidos afetando as vias respiratórias. Até o presente, nenhum anti-viral foi identificado para tratar essas doenças.

Comparemos agora o perfil dessas doenças do ponto de vista epidemiológico:

SARS – teve 8.096 casos com 774 mortes tendo afetado 29 países e taxa de letalidade de 9.6%.

MERS – teve 2.494 casos confirmados e 858 mortes em 27 países com taxa de letalidade.

Observe que na COVID-19, a taxa de letalidade é menor, mas como muito mais pessoas estão adoecendo, está matando mais pessoas no mundo todo.

Um fato muito importante que precisa ser destacado é que enquanto a China demorou dois meses para comunicar a sobre a existência da SARS a OMS (Organização Mundial de Saúde), no caso da COVID-19 esse comunicado foi feito em uma semana. E, não houve alternativa no controle da COVID-19 a não ser adotar o isolamento social, quarentena e até mesmo a contenção comunitária. Dois novos hospitais foram construídos em tempo recorde para atender os casos de Wuhan e da província de Hubei. As pessoas que entraram em contato com contaminados foram levados à quarentena em suas casas ou até mesmo em locais específicos designados para esse fim. Até a festa mais importante do calendário chinês, o Ano Novo Lunar Chinês, teve suas celebrações canceladas para que se evitasse aglomerações. Nunca se fez um conjunto de medidas tão drástica naquele país, mas foi algo fundamental e necessário para chegarmos hoje a zero casos de COVID-19 na China! Que fique para nós esse exemplo que resultou no sucesso no controle da doença.

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