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06/11/2017

O Estado de S.Paulo: Os desafios da Matemática no Brasil

 

Reprodução O Estado de S.Paulo

A cena é comum quando a nota chega à mesa do restaurante e precisa ser dividida. Tem sempre alguém que diz logo “eu não sei fazer conta” e passa adiante a tarefa. “E isso é considerado normal, ninguém acha nada demais”, espanta-se o matemático Artur Avila, de 38 anos, o único brasileiro ganhador da Medalha Fields, honraria internacional conhecida como “o Nobel da matemática”. “Mas as pessoas teriam vergonha de dizer: eu não sei ler. Né?”, questiona.

O horror à matemática é um traço cultural significativo no Brasil. Não por acaso, o país tem um dos piores desempenhos no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) justamente nesta disciplina. O curioso é que este mesmo País abrigue o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), considerado um centro de excelência no ensino da matéria, comparável a algumas das mais importantes universidades do mundo, como Princeton, Stanford, MIT e Harvard.

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Popularizar a matemática é, justamente, o maior desafio do Impa, que acaba de completar 65 anos. Fundado em 1952, o instituto foi a primeira unidade científica criada pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), do governo federal, e já tinha como objetivo, além da formação de pesquisadores, a difusão e o aprimoramento da cultura matemática no Brasil.

Do ponto de vista de produção de conhecimento e reconhecimento internacional a história do Impa é de sucesso absoluto. Este ano, o país foi sede, pela primeira vez, da Olimpíada Internacional de Matemática. No ano que vem, também pela primeira vez, o Brasil receberá o Congresso Internacional de Matemáticos, que acontece a cada quatro anos e onde são anunciados os agraciados com a Medalha Fields.

Justamente neste encontro há outro brasileiro com chances reais de receber a honraria. Trata-se do matemático Fernando Codá Marques, que trabalhou durante onze anos no Impa. Atualmente, é professor da Universidade de Princeton.

“O Impa é uma instituição verdadeiramente excepcional”, atesta Marques, em entrevista por email. “É um centro de excelência reconhecido internacionalmente e está na fronteira do conhecimento nas várias linhas de pesquisa que possui. Chegar a tal patamar em pouco mais de meio século não foi tarefa fácil, não conheço exemplo igual.”

Outro matemático premiado, Jacob Palis, de 77 anos 50 anos de Impa, já recebeu 59 prêmios.

“A escolha dos pesquisadores sempre foi muito criteriosa”, afirma ele, que já recebeu até a Legião de Honra, outorgada pelo governo francês. “Nunca houve concessões.”

Do ponto de vista da popularização da matemática, no entanto, os avanços são mais lentos. “Existe uma aceitação de que a matemática não é para todos, e a nossa sociedade reproduz isso”, afirma Avila. Ele é pesquisador do Impa, e foi o primeiro  – e único – matemático de todo o hemisfério sul a receber a Medalha Fields.  O atual diretor do Impa, Marcelo Viana, concorda com ele.

“A matemática não é um grande problema para as crianças pequenas; para a grande maioria, não há mistério em aprender as quatro operações aritiméticas, área, volume. Nesta fase, a matemática da sala de aula faz sentido, fala de coisas que as crianças entendem: maior, menor, mais bala, menos bala”, avalia Viana.

Segundo ele, a matemática se torna um bicho papão depois, quando a criança avança um pouco e a matéria se torna mais abstrata, com uma relação menos óbvia com a realidade e o papel do professor se torna mais importante.

“De modo geral, eles não estão preparados, não receberam a formação adequada”, diz.

A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), organizada pelo Impa, é a maior olimpíada escolar do mundo, com 18,24 milhões de participantes em 99% dos municípios brasileiros. Em comparação, o Enem, por exemplo, tem apenas 6 milhões de participantes anualmente.

“A Olimpíada é um grande sucesso, mas pode ser melhorada”, diz Viana. “Este ano vamos ampliá-la e teremos a participação também das escolas particulares. E um dos nossos projetos  é que ela seja aberta a crianças mais novas, antes do sexto ano.”

Um desafio maior ainda será derrubar a barreira do gênero. Se para as crianças em geral a matemática é um bicho papão, como diz Viana, no caso das meninas é ainda pior.

“O problema começa em casa, com a própria família, e os brinquedos ‘de menino’ e ‘de menina’”, atesta a matemática Carolina Araujo, de 41 anos, única mulher entre os 47 pesquisadores do Impa. “Depois segue na escola com o preconceito dos próprios professores.”

Para Araujo, a falta de diversidade é ruim para a ciência.

“Já está comprovado cientificamente que grupos heterogêneos são mais eficientes justamente porque contam com mais pontos de vista diferentes”, afirma.

 

Reportagem de Roberta Jansen