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13/09/2021

No Livro Histórias Inspiradoras da OBMEP: Renato da Silva

Um dia, o filho de Gonçala e Antônio viu-se gigante. Foi no pátio da Escola Municipal Delfina Borralho Boa Vista, na zona leste de Teresina (PI), diante de testemunhas. Pode ser que nem todas lembrem, mas ele nem titubeia nos detalhes: quando ouviu o próprio nome, saído da boca da diretora, seu metro e pouco de altura esticou a perder de vista, tamanha a felicidade. E, assim, foi receber o diploma de honra ao mérito pelo desempenho na Olimpíada Nacional de Matemática das Escolas Públicas (Obmep).

Naquela época, 2005, a história da Obmep tinha um só capítulo. E Renato Santos da Silva, aos 11 anos, já garantira um lugar em sua história. Nem por isso sossegou. Ou melhor, exatamente por isso, foi dar um jeito de repetir a experiência. A partir dali, a Matemática ganhou muitos sinônimos na casa dos Santos da Silva, no bairro Pedra Mole, de construções humildes que abrigava as duas escolas onde estudou na Educação Básica, após ter deixado São Paulo para trás.

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Na capital paulista, nascera e vivera cinco anos, em Santo Amaro, bairro onde imigrantes alemães dividiam espaço com nordestinos. O pai de Renato tinha 21 anos quando fugiu da seca e rumou para o Sudeste em busca de trabalho. A mãe se ocupava da casa e dos filhos: além do caçula, havia Rosana, três anos mais velha. Em 1999, decidiram retornar ao Piauí. Abriram uma quitanda na capital e foram ser felizes. Renato lembra que a Matemática logo passou a fazer parte daquela felicidade: “Já gostava desde a 1ª série. ”Um dia, soube da Obmep e ficou curioso. Fez a prova e ganhou a menção honrosa que o fez gigante.

Enquanto isso, em casa, diferentemente do que ocorria nos estudos, as contas não fechavam. Ainda assim, com o apoio dos pais, Renato continuou firme nos livros. Gonçala e Antônio não queriam dar espaço para repetir a sina: trabalho primeiro; estudos depois. Renato ganhou mais duas menções honrosas na Obmep. E a primeira medalha veio em 2008, após entrar na Escola Municipal Mauro Faustino e conhecer um professor que dava aulas extras de Matemática para interessados na olimpíada.

Como medalhista, Renato garantiu uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e uma vaga no Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC) e, futuramente, no Picme. Além dos R$ 100 mensais, que faziam diferença no apertado orçamento familiar, passou a frequentar aulas semanais na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Todo sábado, exercitava o raciocínio analítico orientado por professores universitários. “Convivia com estudantes que também se dedicavam à Matemática. Encontrei, ali, o meu caminho.”

Nos quatro anos como aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), onde fez Ensino Médio integrado ao técnico em Informática, Renato ganhou bronze na Obmep. Lá, trabalhava como bolsista no setor administrativo e aprendia a viver longe dos pais. O casal partira em busca de um pedaço de terra em um assentamento em Luzilândia (PI), no norte do estado. “Sempre fui calmo e objetivo. Botei na cabeça de chegar a algum lugar. E as medalhas deram-me mais vontade de fazer um curso superior”, conta Renato, que, primeira tentativa, passou para Estatística na UFPI. “Meus pais ficaram orgulhosos. Fui o primeiro da família a entrar na universidade.”

A rotina mudou. Estudava à noite e, durante o dia, trabalhava nos Correios, como Menor Aprendiz. Depois de um ano, foi estagiar na Prefeitura de Teresina, com estatísticas de agravos à Saúde. Em 2016, passou no mestrado de Matemática e Estatística, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Medalhista da Obmep, ganhou vaga no Picme. O programa garantiu uma bolsa de estudos, a oportunidade de aprofundar os conhecimentos, fazer novas amizades e alcançar novos sonhos – uma das raras viagens que fez na vida foi para um encontro nacional do Picme, em São Paulo, em 2014. Aproveitou as oportunidades.

Estatístico pela Unicamp e com pós-doutorado na área pela Universidade da Califórnia, o professor Fernando Ferraz foi seu orientador na graduação e é coorientador no mestrado. Ferraz soube ver o talento do rapaz franzino e de poucas palavras: “Renato é muito contido, mas igualmente dedicado e curioso. Vai atrás de tudo e, às vezes, procurando desenvolver métodos próprios.”

Ele não exagera. Em 2016, Renato passou no mestrado de Matemática Aplicada e Estatística, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E já conseguiu outro feito: uma vaga de professor-substituto na Federal do Piauí. Enquanto aguarda ser chamado, entrega-se à dissertação. Estuda modelos probabilísticos baseados na teoria de eventos extremos, como tempestades, altas temperaturas, grandes quedas na Bolsa. “Ele calcula o risco para que as autoridades possam se prevenir, criar políticas públicas”, explica o coorientador, destacando que a bolsa do Picme possibilitou a dedicação necessária à pesquisa.

Renato faz coro. Atribui ao Picme um papel fundamental, que lhe permitiu investir na vida acadêmica, apesar das dificuldades financeiras. “O programa me possibilitou entrar no Mestrado e, também, passar no concurso público. ”Seu caminho destoa da realidade que o cerca: “No bairro de favela de onde venho, as pessoas não têm muita oportunidade… A maioria dos meus primos trabalha em loja ou na construção civil. É preciso existir a oportunidade. Mas também agarrá-la e confiar que é possível.”

Na modesta casa dos Santos da Silva, agora, são dois os universitários. Rosana, a mais velha, viu no caçula o estímulo para entrar num pré-vestibular comunitário. Passou para a Federal do Piauí, onde, em breve, deve cruzar pelos corredores com alguém que conhece bem: o professor Renato dos Santos da Silva. “Nossa família é muito humilde. Então, quando ele entrou na universidade, me senti instigada a tentar também. O exemplo dele é muito bonito e me convenceu”, diz, orgulhosa, sobre o irmão, que já planeja ir mais longe: “Quem sabe um doutorado no Rio de Janeiro?”

*Texto retirado do livro “Histórias Inspiradoras da OBMEP

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