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30/08/2021

No Livro Histórias Inspiradoras da OBMEP: Pietro Pepe

“Uma coisa que me deixou intrigado com a matemática foi esse lance dos números primos. Eles são meio loucos, não têm um padrão definido”, diz Pietro Pepe, um carioca franzino de raciocínio acelerado, ao introduzir na conversa a Hipótese de Riemann, fórmula postulada em 1859 para a distribuição dos números primos – até hoje sem comprovação. Ao se deparar pela primeira vez com o problema, ficou paralisado: “Fui ler o enunciado, que diz: ‘todos os zeros não triviais da função zeta…’ já ferrou aí”, revela, aos risos, sobre a conjectura, tema do projeto desenvolvido em sua primeira participação no Programa de Iniciação Científica e Mestrado (Picme).

Ao longo da tarde daquela terça-feira de abril, no Laboratório de Pesquisa em Visualização, TV/Cinema Digital e Jogos (Icad/VisionLab) da PUC-Rio, onde trabalha desde 2016, a fala de Pietro segue empolgada e pontuada por gírias – natural, considerando os 22 anos recém-completados. Por mais abstrato que seja o tema, Pietro expressa-se de um modo que convida ao entendimento. Fica fácil compreender por que ganhou o apelido de “Professor”, já nos primeiros anos na escola.

Logo se descobre que Pietro quer abraçar o mundo. Mas quem duvida de sua capacidade de fazer com qualidade muitas atividades ao mesmo tempo? Até 2018, deve concluir duas graduações na PUC-Rio (Engenharia de Computação e Matemática); trabalha em um laboratório e faz monitoria na universidade; dá aulas em três pré-vestibulares comunitários; desenvolve aplicativos para plataformas móveis e ainda consegue tempo para dançar hip-hop e escrever poemas. “Meu dia é diferente, tem vários fusos”, diz o jovem, olhos verdes e cílios incrivelmente longos.

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Diante da energia incansável do filho, Marta Cristina Ribeiro Pepe responde com um discurso emocionado. Os reveses da vida a transformaram-na numa mãe de extremos. Após a dor de uma gestação interrompida espontaneamente, enfrentou a possibilidade de nova perda quando engravidou. Os gêmeos Pietro e Marcelle nasceram prematuros, aos seis meses e meio. “Ele ficou um mês na UTI, entre a vida e morte. Tudo isso faz com que eu seja uma mãe muito mais coruja”, justifica.

Outros apertos cruzaram a vida da família. O salário modesto como professora cresceu ao assumir a gerência de recursos humanos de uma multinacional. Mas, também, de um dia para o outro, ficou desempregada. “Meus filhos viveram tendo muito pouco e tendo muito. Isso fez com que amadurecessem e dessem mais valor às coisas”, avalia Marta, formada em letras e direito.

Por conta do orçamento limitado, Marta exultou quando Pietro ganhou bolsa de estudos para um renomado colégio particular. Mas engoliu o desapontamento quando o filho preferiu fazer novamente o primeiro ano do Ensino Médio só para ingressar no concorrido Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca), onde conseguira uma vaga para o Ensino Médio Integrado ao Técnico de Informática. Mais adiante, percebeu que ele estava certo.

Como aluno da instituição, Pietro ganhou uma medalha de prata na Obmep, em 2012, garantindo o ingresso no Programa de Iniciação Científica (PIC). Depois, testou o desempenho prestando vestibular para várias instituições, apesar de ainda estar no segundo ano no Ensino Médio. Foi aprovado em todas: UFRJ, Unicamp e PUC-Rio, onde tirou o primeiro lugar geral.

Para garantir a matrícula na universidade, entrou na Justiça, mas o ingresso condicionado à conclusão do Ensino Básico obrigou-o a fazer os dois cursos ao mesmo tempo. Como morava em Guaratiba (a 60km do centro do Rio), saía às 4h30 e pegava três ônibus para chegar à PUC às 7h. À tarde, rumava para o curso de Informática no Cefet. E, às 17h30, corria para Campo Grande, onde, a partir das 19h, fazia o supletivo em uma escola pública estadual.

Pietro vivia em mundos muito diferentes. De dia, universidade privada na zona sul com infraestrutura, professores qualificados e colegas de sala de classe alta. À noite, escola pública na zona oeste, marcada por limitações físicas e de recursos humanos, e turmas menos favorecidas. Percebeu que nem sempre basta se esforçar para conseguir o que se quer. “Quando fui estudar em Campo Grande percebi que era mais complicado. Tem um abismo”, diz.

Afetado pela experiência, decidiu fazer algo para tentar mudar aquela realidade. Em 2013, logo após ingressar na PUC-Rio, voluntariou-se para o Núcleo de Educação de Adultos (Nead) da instituição e ainda garantiu pontuação em desempenho acadêmico. Envolve-se tanto que, apesar de já ter créditos suficientes em atividades complementares, é professor de matemática até hoje. “Ele segue aqui porque gosta: é dedicado, muito criativo. A ciência deveria investir nele”, diz a coordenadora pedagógica do Nead, Ana de Almeida.

Pietro dá aula em mais dois pré-vestibulares comunitários: o da Pastoral Universitária Anchieta, também da PUC, e o do Cefet. O desafio é lecionar para um público com perfis tão diferentes e altas taxas de desistência, mas os resultados têm sido positivos. Fala orgulhoso do motorista de “cinquenta e poucos anos que passou para Geografia na PUC”. E da mãe formada em duas faculdades que faz o curso só para incentivar a filha. “Outro dia, fiquei feliz quando ela me disse: ‘não sabia que a matemática era tão legal”.

Pietro vislumbra uma longa atuação no ensino. Mas não só. “Há tanta área para aplicar…”

Convidado a dar a palestra “A Matemática em Jogos e Aplicações Digitais”, no Festival da Matemática, realizado pelo Impa em abril de 2017, só uma coisa parecia incomodá-lo: a roupa formal escolhida para a participação ilustre. De resto, dominou a cena. Com um jeito muito próprio, prendeu a atenção da plateia do início ao fim. e, uma vez concluída a fala, ainda precisou dar conta de uma fila imensa de fãs, interessados em descobrir mais sobre aquele cara que falava tudo sobre desenvolvimento de jogos. “Esse mundo me atrai porque tem inúmeras aplicações: entretenimento, publicidade, treinamento, jogos educativos.”

Com uma rotina tão corrida, Pietro deixou a casa dos pais, no Recreio dos Bandeirantes (zona oeste), e alugou um quarto perto da PUC, na zona sul carioca. Entre uma aula e outra, dedica-se a se aprofundar nos conhecimentos matemáticos.

Por três anos, foi aluno do Picme: estudou a dita “Hipótese de Riemann”; criou um programa de computador; e pesquisou redes neurais, sistema de aprendizado inspirado no sistema nervoso central e usado, por exemplo, para reconhecer padrões em objetos.

Em 2015, Pietro foi um dos 80 escolhidos pela gigante Apple, entre alunos de universidades brasileiras, para receber uma bolsa anual. Um mês após a entrevista, atrairia novamente a atenção da empresa: um aplicativo para IOS de sua autoria o fez ser escolhido para passar dez dias na sede da Apple, na Califórnia. Quem contou a novidade foi a mãe, Marta, numa felicidade incontida. “Ela é corujíssima! Se você falar com ela, vai perceber a emoção na voz”, resumiu o universitário. Acertou.

*Texto retirado do livro “Histórias Inspiradoras da OBMEP

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